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Um golpe passado a limpo

Os 50 anos da ditadura militar trazem para as prateleiras das livrarias uma boa quantidade de ficções e ensaios que têm o período da ditadura militar como tema ou contexto

Nahima Maciel
postado em 11/03/2014 16:00


O marechal Humberto de Alencar Castelo Branco acena diante do parlatório  do Palácio do Planalto: marco de uma história triste (José Belem/O Cruzeiro/EM/D.A Press - 15/4/64)
O marechal Humberto de Alencar Castelo Branco acena diante do parlatório do Palácio do Planalto: marco de uma história triste


Efemérides são sempre bem-vindas no mercado editorial, mesmo que nem sempre sejam motivo de celebração. O golpe que conduziu o Brasil em direção ao regime militar em 1964 completa cinco décadas este mês e as editoras já começaram a se movimentar para ocupar as prateleiras com títulos relacionados ao tema. O Diversão & Arte fez uma pesquisa em busca de novidades na área e garimpou alguns dos títulos mais interessantes a serem lançados até o final do mês. Da polêmica de Marco Villa ; defensor de uma releitura que reduz de 20 para menos de 10 os anos do período de ditadura ; à dramaticidade dos pequenos contos ficcionais de Bernardo Kucinski, a variedade de gêneros e abordagens oferece ao leitor um cardápio equilibrado.


As narrativas de Kucinski são ficção, mas estão ancoradas em uma realidade tão crua que é difícil não se emocionar. O escritor estreia no romance com K. relato de uma busca, sobre um pai em busca da filha desaparecida durante o regime militar. Em Você vai voltar pra mim, pequenos contos ligados pelo contexto da ditadura e da repressão narram histórias rápidas de personagens que, de alguma forma, foram afetados pela condição política do país. Na visão do autor, escrever ficção sobre um episódio traumático é fundamental para entender o ocorrido.

;Creio que a ficção permite a catarse. E a catarse ajuda a suportar o trauma. O relato factual é mais próximo de um ajuste de contas com a história, com os outros. A ficção é mais adequada a um ajuste de contas consigo mesmo;, diz. ;A ditadura militar brasileira não traumatizou a totalidade da sociedade como ocorreu na Argentina e no Chile, e sim alguns de seus segmentos. Por isso, não houve incorporação de um fato traumático à memória coletiva. E também por isso, foi fácil aos setores dominantes, que apoiaram a ditadura e se mantém dominantes, apropriar-se também da sua história e transformá-la rapidamente em ;história antiga;, embora muitos de seus protagonistas e suas vítimas ainda vivam.; Kucinski é, ele mesmo, uma das vítimas. O autor perdeu a irmã e o cunhado durante o regime militar.

Os bastidores de alguns dos episódios mais marcantes da ditadura militar serviram de ingrediente para o livro do jornalista, que procurou recuperar histórias não contadas por trás de fatos relatados à exaustão. ;Novidade propriamente, não tem. Agora, tem muito bastidor. O livro é uma tentativa de mostrar fatos que não apareceram e que, aos poucos, a gente vai, através de muita conversa e pesquisa, descobrindo;, explica.

Um dos episódios revisitados por Chagas é aquele em que o Congresso Nacional atrasou o relógio do plenário em 12 horas para aprovar um constituição menos radical em 1968. Outro recupera os diálogos travados em novembro de 1966 quando os militares invadiram o Congresso. Até o fim do ano, Chagas lança um segundo volume, que vai cobrir o período de 1969 a 1985, com o fim do regime militar e a campanha das Diretas Já.

Marco Villa já havia despertado a polêmica em artigos para jornais antes de decidir colocar em livro sua leitura de que a ditadura brasileira não durou 20 anos. Agora, o historiador trata de explicar sua versão em livro didático e cronológico. Ditadura à brasileira começa com o golpe de 1964 e se encerra em 1985. Ao longo do livro, Villa defende que não se podia falar realmente em ditadura durante os períodos em que o Congresso Nacional não estava fechado e os estudantes e artistas realizavam manifestações pelas ruas das capitais do país.

;A ideia do livro é mostrar que ditadura mesmo não foram os 21 anos, há um problema de conceito aí. Não há de se falar em ditadura com o Congresso aberto, não há ditadura no mundo que manteve o Congresso aberto e o regime militar brasileiro manteve, mesmo fechando no período do AI-5. Não é possível falar em ditadura quando se tem anistia, quando os exilados voltam para a vida política, como ocorreu em agosto de 1979. Não é possível falar de ditadura tendo eleições, como tivemos em 1982 para governos estaduais. Não há ditadura em que isso tenha ocorrido;, diz o autor.

;Eu queria polemizar com algumas posições hegemônicas sobre o regime militar. Se consagrou uma memória que me parece distante do que realmente aconteceu.; Villa avança na polêmica quando escreve que a luta armada não pegou em armas para trazer de volta a democracia, e sim para tentar instaurar outra ditadura, a do proletariado.

Outros

No romance Rio-Paris-Rio, a escritora e pesquisadora Luciana Hidalgo coloca a esquerda e a direita lado a lado ao narrar o encontro entre a neta de um general responsável pelo golpe e um jovem estudante de literatura expatriado. O encontro, improvável no Brasil dos anos 1960, acontece em Paris, em maio de 1968, quando as ruas da capital francesa se enchem de revoltas e o AI-5 fecha o Congresso brasileiro. Os limites entre esquerda e direita são questionados pela autora quando ela promove o romance entre os dois personagens. O livro está previsto para ser lançado neste semestre, pela Rocco.

Longe da ficção e ancorada na realidade, Ana Maria Bahiana retoma a fórmula dos almanaques para falar da ditadura. Em Almanaque 1964, ela aborda tópicos tanto da cultura quanto da política. Cada capítulo corresponde a um mês daquele ano e o livro será editado pela Companhia das Letras.

A Jorge Zahar também aproveita a data para um pacote de três lançamentos. O mais interessante, As universidades e o regime militar, faz um mergulho no impacto da ditadura no ensino superior brasileiro. ;(;) os militares implantaram reformas de impacto duradouro no ensino superior que ainda dão forma ao nosso sistema universitário, embora mudanças visando à democratização tenham sido adotada em anos recentes;, escreve o autor, Rodrigo Patto Sá Motta. Ele lembra que a base da estrutura universitária em vigor foi imposta pelos militares, incluindo o vestibular e a divisão em departamentos dentro das universidades.

Em Ditadura e democracia no Brasil, o historiador Daniel Aarão Reis lembra que há muitas e diferentes versões para a história recente do Brasil, embora nenhuma delas consiga dar conta plenamente de explicar as raízes da ditadura no país, o contexto social que permitiu sua fixação e como as esquerdas se relacionaram com a situação.

Ainda pela Zahar, uma coletânea de artigos reunidos sob o título A ditadura que mudou o Brasil propõe a reflexão sobre o regime a partir de diversos pontos de vista. Mudanças sociais, transformações econômicas, resistência e repressão são algumas das temáticas abordadas nos artigos assinados por nomes como Renato Ortiz, Marcelo Ridenti, Mariana Joffily e Anderson da Silva Almeida.


Endurecimento

Editado no início de dezembro de 1968, durante o governo de Artur da Costa e Silva ,o Ato Institucional n; 5 endureceu a ditadura militar ao ampliar os poderes do presidente da República e permitir que ele fechasse o Congresso Nacional, as assembleias legislativas e as câmaras de vereadores de todo o país quando bem entendesse. Após a edição do ato, o Congresso passou um ano fechado. O AI-5 também suspendeu diversas garantias constitucionais e deu ao presidente o poder suspender os direitos políticos de qualquer cidadão brasileiro.

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