Ensino_EducacaoBasica

Devastação sem freios

Projeto de pesquisa apoiado pelo MCTI mostra que áreas da Amazônia fundamentais para a biodiversidade sofrem com o avanço da pecuária e da agricultura. Falta de fiscalização adequada agrava o problema

postado em 17/03/2014 16:00
 (Paulo Whitake/REUTERS)

Belo Horizonte ; Como preservar a riqueza natural da Amazônia e, ao mesmo tempo, promover seu desenvolvimento econômico? A pergunta é repetida há décadas, mas o Brasil ainda tem dificuldade para respondê-la. A região, que no país abrange os territórios de oito estados e parte do Maranhão, foi eleita pela Academia Brasileira de Ciências o ;desafio do século 21;. Em meio às dúvidas, é consensual a necessidade de gerar, disseminar e aplicar conhecimento. Em fase de conclusão, um projeto do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) buscou fortalecer a cooperação entre pesquisadores, além de ter realizado estudos sobre biodiversidade, clima, ocupação do solo e outros temas. Os resultados começam a ser publicados e denunciam a omissão do poder público.


Iniciado em 2009, o projeto Cenários para a Amazônia: uso da terra, biodiversidade e clima foi uma tentativa de integrar as ações de três dos maiores programas de pesquisa do ministério voltados para o bioma. ;Essa integração é necessária para formular cenários mais completos sobre a região, capazes de orientar as diretrizes e políticas públicas de conservação ambiental e desenvolvimento sustentável;, explica um texto do compêndio que reunirá os principais resultados da iniciativa e deverá ficar pronto neste mês, segundo o coordenador do projeto, Flávio Luizão, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).


Luizão avalia que o projeto foi bem-sucedido ao começar o processo de integração entre os programas federais e de criação de um de banco de dados multidisciplinar, mas aponta percalços. Dos R$ 4 milhões previstos para as despesas do Cenários, por exemplo, nem tudo pôde ser investido. ;Devemos ter uma devolução de R$ 300 mil a R$ 400 mil, principalmente por entraves administrativos nos gastos;, diz. A origem da verba foram os Fundos Setoriais de Ciência e Tecnologia do MCTI, por meio da empresa pública Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Parte do dinheiro se destinou ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), para o pagamento de bolsas aos 54 estudantes técnicos que colaboraram com as atividades.


Tristeza

Os resultados de um dos estudos realizados no âmbito do projeto surpreenderam e entristeceram os pesquisadores. Uma equipe foi responsável por investigar o uso da terra em dois centros de endemismo, regiões identificadas com muitas espécies de seres vivos encontradas apenas nesses lugares. O Centro de Endemismo Belém abrange 69 municípios do Pará e 80 do Maranhão. Já o Xingu é maior, com 52 municípios do Pará, 18 de Tocantins e 18 de Mato Grosso. Os dois são atingidos pelo arco do desmatamento, área onde a fronteira agrícola avança em direção à Amazônia. ;Já sabíamos que havia um grande desmatamento nessas áreas, mas não esperávamos que estivesse em nível tão alto;, diz a coordenadora da pesquisa, Arlete Silva de Almeida, tecnologista do Museu Paraense Emilio Goeldi.


O estudo analisou imagens de satélite que, por meio de três características (tonalidade, textura e forma), identificaram os tipos de uso do solo e de coberturas vegetais. No Centro Belém, apenas 28% da região estão ocupados por floresta primária, intocada pelo homem. Outros 60,16% abrangem áreas antrópicas, modificadas pela ação humana, algumas com floresta degradada, solo exposto e atividade agropecuária. Os 11,84% restantes têm formações naturais, como mangue e praia. A agropecuária ocupa 32,43% do total. ;Durante a pesquisa de campo, não foram observadas ações efetivas do poder público para coibir extrações ilegais de madeira nos poucos fragmentos florestais que ainda restam;, afirma um trecho de artigo publicado no compêndio do documento.


O Centro Xingu também vem sofrendo com o avanço da pecuária, a expansão da produção de grãos e o incentivo à monocultura. Na região, 45,42% do solo estão ocupados por floresta primária, e 36,92%, por áreas antrópicas, sendo 30,59% com atividade agropecuária. O poder público é cúmplice ou omisso, aponta o estudo. ;Os fragmentos florestais estão sendo desmatados continuamente devido à política de controle ambiental, que não fiscaliza de forma adequada;, afirma o artigo. Há uma ;tendência à ocupação desordenada, pela ação de grandes latifundiários;, prossegue. O estudo apresenta algumas recomendações como, ;aumentar a governança na região; e ;implantar corredores ecológicos, conectando os fragmentos existentes;.


Um dos objetivos do Cenários é estimular a formação de uma grande rede entre pesquisadores que se voltam para a Amazônia. Para facilitar a conquista desse objetivo, uma equipe com cerca de 10 integrantes criou o aplicativo para computador Mo Porã 3.0, palavras que, em tupi, significam ;guardar em local seguro;. O sistema, usado por meio da internet, funciona como um repositório de dados, como se fosse um pen-drive virtual em que é possível alojar quaisquer tipos de arquivos, organizados em pastas e diretórios. ;A ideia é substituir os ;lugares; onde os pesquisadores põem os dados hoje;, diz um dos participantes do projeto, Kleberson Junio do Amaral Serique, doutorando em ciência da computação e matemática computacional na Universidade de São Paulo (USP).

Compartilhamento

Atualmente, para compartilhar arquivos com colaboradores, os pesquisadores costumam disponibilizá-los em serviços comuns de download na internet. ;Esses serviços não dão garantias de privacidade. Não dá para controlar quem pode ver os dados, embora, em um projeto de pesquisa, o cientista trabalhe com dados sigilosos;, explica Serique. No Mo Porã 3.0, o coordenador de um projeto pode criar um grupo, definir quais membros podem participar e o que é possível fazer. Os arquivos podem ser acessíveis apenas a poucas pessoas ou abertos para qualquer um. É possível também cadastrar subgrupos e ordená-los de forma hierárquica, como em um organograma.


Por enquanto, para obter e instalar o programa, que é gratuito, é preciso pedi-lo ao Inpa ou aos próprios criadores. ;Ainda estamos definindo um site para disponibilizá-lo;, diz Serique. A equipe planeja também lançar, até maio, uma versão melhorada, já em fase de teste. O pesquisador que participar de vários projetos poderá trocar dados entre os colegas facilmente, sem precisar instalar mais de um aplicativo. ;Fizemos um ambiente em que dá para logar em um projeto e conseguir ver os dados cadastrados em outros, sem a necessidade de abrir vários Mo Porãs ao mesmo tempo. É possível fazer uma federação de sites Mo Porãs;, explica.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação