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Nova frente de combate ao autismo

Pesquisadores americanos encontram evidências de que uma substância usada para controle da ansiedade reduz alguns sintomas do distúrbio. Depois de ser testada com sucesso em camundongos, a abordagem começa a ser experimentada em humanos

O autismo afeta o desenvolvimento de crianças em vários aspectos. Deficiências em relação à interação social e à capacidade de comunicação, assim como comportamentos repetitivos e restritos, são algumas das principais características. A incapacidade de identificar a causa do problema é acompanhada de dificuldades em apontar uma forma eficaz de tratá-lo. Agora, pesquisadores da Universidade de Washington, em Seattle (EUA), sugerem que uma nova abordagem, baseada em pequenas doses de medicamentos já existentes, pode amenizar os sintomas do mal.

O estudo, realizado com camundongos, partiu da hipótese de o autismo ter relação com a redução da atividade neural inibitória e com o aumento da atividade neural excitatória. Os termos são usados para descrever ações de células do sistema nervoso. Quando um neurônio está ativo e se comunica com outro, ele pode desencadear duas reações no segundo: torná-lo ativo (atividade excitatória) ou inativo (inibitória). A proposta do grupo, então, foi observar se a causa poderia ter relação com algum tipo de deficit nas neurotransmissões do segundo tipo e se isso poderia ser corrigido com o uso de medicamentos.

Os pesquisadores utilizaram camundongos modificados para apresentar comportamentos semelhantes aos de uma pessoa autista e os submeteram a um tratamento com benzodiazepina, substância presente em alguns tipos de ansiolíticos (controladores de ansiedade). O uso da droga foi acompanhado de uma mudança significativa no comportamento dos animais, que apresentaram, por exemplo, maior interação social.

O resultado indica que o uso de drogas que aumentam a atividade neural inibitória pode ajudar no tratamento do autismo, mas os próprios autores do estudo ressaltam que isso não significa uma cura para a doença. Eles lembram ainda que há um longo caminho até que a eficácia da abordagem seja comprovada em humanos. ;Nossos resultados apresentam evidências de que aumentar a neurotransmissão inibitória é uma abordagem eficaz para melhorar interações sociais, comportamentos repetitivos e deficits cognitivos em um animal com autismo, tendo alguma semelhança com características comportamentais com o autismo humano;, esclarece Todd Scheuer, coautor do estudo.

O pesquisador diz que testes com humanos já foram iniciados pelos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos e laboratórios farmacêuticos. Ele acrescenta que não se sabe se outras drogas semelhantes podem levar a efeito parecido. ;Nossos resultados não incluem novas alternativas disponíveis no mercado farmacêutico, então não sabemos dizer se outros compostos, além da benzodiazepina, terão a mesma efetividade;, afirma Scheuer.

Mudança

A adoção de benzodiazepínicos para melhorar os sintomas do autismo representaria uma novidade no enfrentamento do distúrbio, que poderia se somar a outras formas de intervenção. Atualmente, explica Edson Saggese, professor do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), utilizam-se principalmente as medicações antipsicóticas para reduzir alguns sintomas, como a agressividade, a agitação e comportamentos estereotipados. ;Mas os principais tratamentos para o problema estão ligados à educação especial, à fonoaudiologia, à orientação familiar e a outras técnicas que auxiliem a comunicação dos pacientes;, diz.

A psicóloga Simone Roballo, professora do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), também destaca a importância de um acompanhamento multidisciplinar. Segundo ela, crianças diagnosticadas com o quadro devem ser acompanhadas por médicos, psicólogos, fonoaudiólogos e até fisioterapeutas se houver necessidade. ;Existem casos em que a intervenção por meio de remédios pode ajudar ou até ser necessária, mas deve ser discutida por uma equipe que vai avaliar os efeitos do medicamento e que benefícios ele pode trazer para o tratamento;, diz.

Até hoje, nenhuma abordagem medicamentosa se mostrou capaz de reverter o problema. ;Os medicamentos disponíveis parecem ajudar alguns pacientes, mas não todos. Os benefícios também são limitados, e essas drogas certamente não curam a doença;, afirma Paul Wang, vice-presidente da instituição norte-americana Autism Speaks (Autismo Fala, em tradução livre). Wang reconhece que seria muito valioso se existissem medicamentos mais eficazes para o mal, mas ressalta que os remédios não funcionam da mesma forma em todas as pessoas. ;É muito difícil provar o quanto os medicamentos realmente podem ajudar. Pesquisas nesse campo têm muita importância, mas não temos nenhuma expectativa de que drogas como os ansiolíticos possam curar o autismo;, reforça.

Edson Saggese também acha que mais dados são necessários para determinar a eficácia da abordagem proposta. ;Até o momento, sua utilidade é muito limitada. Trata-se de algo experimental, utilizado em ratos de laboratório. Para se tornar algo significativo, restam ainda muitas etapas experimentais;, afirma o professor da UFRJ.

Scheuer e colegas, contudo, estão confiantes de que a proposta merece ser investigada. Além de apresentar uma alternativa às abordagens que usam drogas que inibem a atividade excitatória ; cujos resultados são modestos ;, a nova forma de tratamento, argumentam os autores do trabalho, é feita com uma droga bem conhecida e já considerada segura.

Difícil diagnóstico

O distúrbio afeta cinco em cada 10 mil crianças, sendo mais recorrente em meninos do que em meninas (em uma proporção de 2 a 4 vezes maior). Os sintomas costumam surgir até os 3 anos. Especialistas recorrem a exames psicológicos nos quais observam o comportamento do pequeno e seu desenvolvimento para determinar se os sintomas se enquadram na tríade que classifica o autismo: deficit na interação social, transtornos de linguagem e comportamentos estereotipados. Não existem exames laboratoriais que comprovem a doença.