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Mais quente e perigoso

Pesquisador americano encontra correlação entre temperaturas mais altas e criminalidade. Para ele, mudanças climáticas podem elevar a violência em até 5,5% até 2090

Isabela de Oliveira
postado em 10/04/2014 16:00

Dizem que alguém está de ;cabeça quente; quando, após uma experiência de contrariedade, perde o controle da situação e age impulsivamente. Nessa hora, ;o sangue ferve;, e, muitas vezes, o caso só é resolvido na delegacia. Um estudo publicado recentemente pelo periódico Environmental Economics and Management indica que a criminalidade realmente tem relação com o ;calor do momento;. Matthew Ranson, autor da pesquisa, afirma que épocas com temperaturas mais altas registram mais ocorrências policiais. Para ele, esse é o sinal de que os efeitos do aquecimento global não resultarão apenas em perdas naturais, mas também gerarão custos sociais robustos, decorrentes do aumento da violência nas cidades.

Ranson, que é diretor de projetos da Abt Associates, empresa de consultoria ambiental em Massachusetts, estima que as mudanças climáticas vão custar US$ 115 bilhões somente para os Estados Unidos. O estudo, que foi defendido durante o doutoramento do pesquisador na Universidade de Harvard, é baseado em 891 mil ocorrências policiais e boletins climáticos registrados entre 1980 e 2009 em 2.297 condados americanos. Com a aplicação de algoritmos, o autor, que é economista, estimou como o clima afetaria as taxas de criminalidade em cada região. Ele utilizou previsões de 15 modelos climáticos que prediziam um cenário no qual o planeta ficaria 2,8;C mais quente até 2100.

Depois de cruzar os dados, o pesquisador estimou que, até 2090, os índices para a maioria dos crimes aumentarão entre 1,5% e 5,5 %. Os US$ 115 bilhões de custo calculados para os EUA deverão cobrir o prejuízo de um adicional de 22 mil assassinatos, 180 mil estupros, 1,2 milhão de assaltos, 2,3 milhões de ofensas simples, 260 mil roubos, 1,3 milhão de furtos e 580 mil casos de roubo de veículos naquele país.

Apesar das estatísticas, Ranson não conhece a consistência dessa relação inesperada. Segundo ele, há duas teorias principais. A primeira sugere que o calor proporciona mais oportunidades para que alguém cometa um delito. O costume de deixar janelas abertas para ventilar a casa, por exemplo, facilita a entrada e a saída de um ladrão. A outra propõe que o aumento da temperatura agrava a impulsividade. Pode ser, ainda, que temperaturas altas aumentem a interação social e elevem as chances de ocorrerem desentendimentos.

Diante desses dados, o pesquisador acredita que o aumento de 1% na força policial dos EUA só reduziria os crimes violentos em 0,3%, e os atos contra a propriedade em 0,2%. ;Embora minha pesquisa utilize dados dos Estados Unidos, esses mecanismos podem se tornar a realidade de outros países também. Então, eu acho que a mudança climática afetará muitos lugares de várias maneiras, e um deles é o Brasil;, avalia Ranson.

Outros pesquisadores também perceberam a correlação entre dias quentes e desrespeito às leis. O calor, notam alguns estudos, tem o potencial de afetar a fisiologia humana. Para pior. No livro Clima e criminalidade: ensaio analítico da correlação entre a temperatura do ar e a incidência de criminalidade urbana (Editora UFPR), Francisco Mendonça, professor da Universidade Federal do Paraná, diz que as pessoas ficam mais agressivas porque, entre outros motivos, há o aumento dos ritmos cardíacos, a elevação da temperatura corporal, a dilatação dos vasos e maior transpiração. Tudo isso provocaria hesitação, agressividade e explosões emocionais que podem virar caso de polícia.

Ressalvas
Alguns especialistas, contudo, fazem muitas ressalvas a essa relação. Marco Aurélio Florêncio Filho, professor doutor de direito penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo, refuta a previsão de Matthew Ranson. ;Essa teoria é determinista e tenta buscar fatores decisivos, mas a criminologia não é assim. A Rússia tem temperaturas baixas e um índice alto de crimes. O Japão, por exemplo, tem uma oscilação climática grande. Mesmo assim, não foram registrados saques após o último tsunami (em 2010);, rebate. Para ele, o crime é multifatorial e envolve questões psiquiátricas, psicológicas, sociais e econômicas, entre outras.

Para o psiquiatra do Hospital de Base do Distrito Federal Thiago Blanco, não há uma relação causal direta entre aumento de temperatura e violência. Blanco, que também é pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), admite que a temperatura influencia algumas situações, mas não é determinante. ;Alguns países em que o Sol não aparece com frequência registram mais suicídios do que os outros;, exemplifica. ;No entanto, não podemos atribuir essas ocorrências ao clima, mas sim a uma série de fatores que podem ser influenciados por ele, como mais tempo dentro de casa sem convívio social, o que pode levar à depressão;, observa.

Cada caso de violência é influenciado por diferentes fatores, lembra o psiquiatra. ;Os crimes passionais podem revelar um grau afetivo muito grande. Mas crimes perversos, como os dos serial killers, indicam que há uma capacidade empática prejudicada e até estruturas corticais diferentes que favorecem a crueldade, o que nada tem a ver com o tempo.; Blanco acrescenta que, apesar das ressalvas, o trabalho de Ranson tem o mérito de levantar a reflexão sobre o comportamento humano. No entanto, é preciso cuidado para ;não estabelecer expectativas ou fronteiras definitivas para o futuro;.


No corpo
As expressões ;cabeça quente; e ;o sangue ferve; têm uma relação real com a fisiologia e remete à resposta biológica ao estresse em humanos e em animais. ;Em situações estressantes, o organismo se prepara para lutar ou fugir, aumentando a circulação de sangue no coração, no cérebro e nos músculos;, explica Yara Aguiar, cardiologista do Hospital do Coração do Brasil. ;A expressão, portanto, se dá pelo aumento da vascularização da musculatura, do coração e do cérebro. Essas respostas, quando crônicas, sobrecarregam o organismo, podendo causar doenças;, completa a médica.


No Pará
Pesquisadores da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) e da Universidade de Federal do Pará (UFPA) encontraram resultados semelhantes em Belém. Ao comparar as ocorrências criminais da capital entre 1998 e 2007 com dados meteorológicos, observaram correlação entre crimes contra a pessoa e a temperatura. Quanto mais quente, mais ocorrências nas delegacias. ;O crime de lesão corporal foi o que apresentou a maior correlação com a temperatura. Isso indica que as condições meteorológicas podem ter grande influência no comportamento do ser humano;, defendem os autores no estudo. Apesar disso, ressaltam que ;a temperatura será apenas um fator dentre muitos outros;.

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