Bruna Sensêve
postado em 30/04/2014 19:30
Um mecanismo aquece a nicotina líquida, que se transforma em um vapor tragado e exalado pelos fumantes. Lançado com esse mecanismo em 2003, o cigarro eletrônico ainda diverge opiniões. Neste mês, a agência de vigilância sanitária dos Estados Unidos (Food and Drug Administration ; FDA) sugeriu que a regulamentação desse produto passe a obedecer às mesmas regras impostas a todos os outros derivados da nicotina. As autoridades têm dúvidas sobre os efeitos colaterais ainda não conhecidos. A indústria, por outro lado, garante as vantagens da nova tecnologia, apresentada, inclusive, como uma auxiliar no combate ao tabagismo. As evidências científicas, porém, mostram que, mesmo com modernas engenhocas, a nicotina sempre será vilã.As principais instituições de saúde pedem uma regulamentação mais restrita quanto aos e-cigarros e argumentam que os dispositivos devem ser considerados ilegais até que os ensaios clínicos para atestar a segurança do equipamento sejam finalizados. Alguns países, como Austrália, Canadá, Israel e México, já proibiram o artefato. Outros, como a França, estão no processo de legislar onde e como as pessoas poderão usá-los. No Brasil, não são permitidos o comércio e a importação de qualquer dispositivo eletrônico de fumar.
Em setembro de 2009, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou resolução nesse sentido levando em consideração a falta de comprovação científica sobre a eficácia e segurança do produto. De acordo com a agência, a decisão tem como base uma consulta pública que contou com a participação de órgãos de defesa do consumidor. A proibição abrange ainda acessórios e refis para o dispositivo, assim como a propaganda, a publicidade e a promoção, inclusive na internet, dos produtos.
A recente proposta da FDA é de inserir o cigarro eletrônico no mercado de forma regulamentada. ;Essa regra proposta é o mais recente passo em nossos esforços para tornar a próxima geração livre do tabaco;, declarou a secretária de Serviços Humanos e Saúde dos EUA, Kathleen Sebelius. Entre as medidas, está a proibição de amostras grátis.
A comercialização necessitará de restrições etárias e de identificação para prevenir a venda a menores de idade, além de requisitos para incluir advertências de saúde e proibição do comércio automático. ;A regulamentação dos produtos com base científica é uma forma poderosa de defesa do consumidor que pode ajudar a reduzir o impacto na saúde pública do uso do tabaco no público americano, incluindo os jovens;, disse Margaret Hamburgo, comissária da FDA, à imprensa.
Brecha perigosa
Segundo o coordenador da Comissão de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, Luiz Corrêa da Silva, existe um movimento mundial para o controle do tabagismo, e o surgimento de alternativas como os e-cigarros deixa um espaço longe do controle e da regulamentação do Estado. ;O jovem sempre está sujeito à mídia e às novidades, buscando o que ele não conhece. Não sabemos os riscos desses produtos porque não foram testados. No caso do cigarro eletrônico, não podemos permitir que haja acesso livre dos jovens.;
Um estudo divulgado, no mês passado, na revista Jama Pediatrics, trouxe a primeira análise de que os artefatos são mesmo uma ameaça às novas gerações. Pesquisadores da Universidade de São Francisco (EUA) descobriram que adolescentes usuários do dispositivo são mais propensos a fumar cigarros e menos a parar de fumar. O estudo com quase 40 mil jovens também concluiu que o uso do e-cigarro entre estudantes de ensino fundamental e médio dobrou entre 2011 e 2012, de 3,1% para 6,5%. Os autores concluíram que o artefato pode, na verdade, ser uma nova rota para o tabagismo e o vício convencional em nicotina.
Em artigo publicado pela Sociedade Americana de Química na Chemical & Engineering News (C), especialistas reforçam que, embora alguns pesquisadores acreditem que os dispositivos sejam uma alternativa mais segura para os fumantes de tabaco, estudos recentes sobre o conteúdo de vapor no e-cigarro levantam preocupações sobre os impactos na saúde dos usuários e do público. Os cientistas também detectaram baixos níveis de vapor de cádmio, níquel e chumbo, que podem desencadear inflamação no pulmão e na garganta. Além disso, pelo fato de a nicotina do vapor poder se misturar a compostos no ar para formar substâncias cancerígenas, os pesquisadores dizem que os pais que usam o dispositivo devem estar particularmente conscientes dos riscos potenciais à saúde dos filhos.
Silva também aponta que os e-cigarros não são uma maneira recomendável para auxiliar a interrupção do tabagismo ;pela falta de experiência, de segurança do produto;. ;Temos outros medicamentos comprovados, seguros e eficazes para ajudar os fumantes a deixarem o cigarro;, complementa. O especialista reforça ainda que está próximo o momento de o Brasil tomar uma posição mais firme sobre os e-cigarros.
A opinião é compartilhada pelo pneumologista do Núcleo de Pulmão e Tórax do AC Camargo Cancer Center (SP), Lúcio Souza dos Santos. Ele acredita, no entanto, que o e-cigarro pode ser um auxílio para quem deseja parar de fumar. ;Isso porque atua naquela replicação do movimento do fumante de pegar o cigarro e levá-lo à boca. Em vez de recorrer a uma substância tóxica, a pessoa usar o cigarro sem nicotina;, explica. Santos ressalta que o artefato nunca deve ser usado como uma reposição de nicotina. ;Até hoje, os estudos que comprovam isso mostram resultados especialmente na forma de adesivos;, alerta.
Palavra de especialista
Propagandas agressivas
;Curiosamente, apesar de ainda não ter evidência de que o cigarro eletrônico ajuda a parar de fumar e que é um produto seguro, as propagandas se apropriaram dessa informação e vêm incentivando o consumo de forma muito agressiva nos países que não regulam o comércio desse produto. Se você observar nos Estados Unidos e no Reino Unido, a propaganda é muito agressiva e utiliza os mesmos métodos uma vez apropriados pela indústria tabagista no passado, com pessoas famosas dando testemunho e, inclusive, propagando que o fumante pode voltar para o ambiente interno, como se um dia o fumante tivesse sido expulso dos ambientes fechados e agora pudesse retornar. Tudo isso porque não emite fumaça, mas vapor. Só que ainda não há certeza se esse vapor não faz mal às pessoas ao redor. A saúde pública fica dividida. Alguns defendem que o cigarro eletrônico tenha o mesmo nível de acesso que os tradicionais porque tem menos concentrados químicos. Existe um grande debate, mas continua sendo um produto que precisa ser regulado. É importante que isso aconteça.;
Tânia Cavalcante,
secretária executiva da Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para o
Controle do Tabaco do Inca