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A refinada atenção dos pombos

Pesquisadores americanos demostram que as aves aprendem a distinguir objetos pela forma, o que as ajuda a identificar os alimentos

Vilhena Soares
postado em 14/05/2014 14:00
 Religiosa alimenta pombos em Nairobi: capacidade de reconhecer formas e classificar os objetos é uma importante estratégia de sobrevivência desses pássaros (Thomas Mukoya/Reuters)
Religiosa alimenta pombos em Nairobi: capacidade de reconhecer formas e classificar os objetos é uma importante estratégia de sobrevivência desses pássaros

Ao ver algo no chão da praça, um pombo não precisa se aproximar para verificar se é alimento ou sujeira. O animal reconhece comida de longe, graças a uma avançada capacidade de aprender a diferenciar a forma dos objetos, aponta um estudo norte-americano. Segundo os cientistas, as aves possuem um tipo de atenção seletiva que, até pouco tempo atrás, parecia ser exclusiva dos humanos e parece ser essencial para a sobrevivência delas.

Leyre Castro, pesquisadora do Departamento de Psicologia da Universidade de Iowa, explica que a ideia de desvendar a atenção dos pombos surgiu após um experimento semelhante, realizado também com humanos, mas que não obteve o sucesso esperado. ;É complexo encontrar um método para estudar a atenção dos animais, já que o objetivo é analisá-los enquanto a aprendizagem está ocorrendo. Nos estudos anteriores, pesquisadores foram inferir a atenção após a aprendizagem ter ocorrido. Nosso método permitiu analisar para onde o pássaro está olhando e dando bicadas enquanto aprende a classificar os estímulos;, destaca.

Para testar se os pombos realmente possuíam a característica de distinção, os cientistas utilizaram uma tela em touchscreen que mostrava dois conjuntos formados de quatro imagens com formas como estrelas, espirais e bolhas. Para ganhar uma recompensa, os pombos tinham de determinar a imagem que se distinguia do grupo de elementos tocando a tela. Durante os testes, as aves sempre bicavam o elemento diferente, e a aprendizagem e categorização pareciam ocorrer simultaneamente no cérebro. ;Por conta da localização do bico de um pombo, que não atrapalha a visão de seus olhos, temos uma boa ideia do para onde ele está olhando. E era para o lugar onde ele estava bicando;, conta Edward Wasserman, também autor do estudo, publicado no Journal of Experimental Psychology: Learning memory and cognition.

Para os estudiosos, essa refinada atenção é essencial para a sobrevivência desses pássaros. ;Todos os organismos , independentemente de serem humanos ou não, precisam aprender a identificar as características relevantes do seu meio ambiente, e, ao mesmo tempo, ignorar as irrelevantes;, frisa Castro. Os autores acreditam, ainda, que outras espécies possam apresentar a mesma característica, mas que detalhes referentes à fisiologia do animal podem pesar nesse resultado. ;Não podemos assumir que nossos resultados seriam verdadeiros em um animal com outras características físicas, porque os olhos podem olhar para algum lugar diferente de onde a sua mão ou pata está tocando;, explica Wasserman. Como próximo passo, os pesquisadores pretendem estudar mais a fundo a atenção seletiva dos animais. ;Queremos entender melhor a interação entre prestar atenção a alguns aos objetos e ignorar outros;, adianta Castro.

Confirmações
Para Leonardo Bôscoli, professor do Departamento de Zootecnia da Escola Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a pesquisa mostra uma suspeita que já existia no meio científico. ;Já tínhamos ideia de que essa habilidade existia nos bichos, mas faltavam provas para fazer essa afirmação sem sombra de dúvidas. Essa habilidade é necessária para que o animal possa distinguir o que pode ou não comer, o que é fruta ou não, e também para identificar seus predadores. Algo essencial para sua sobrevivência;, destaca.

Na avaliação de Bruno Garzon, biólogo especialista em aves e professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), o experimento foi feito de uma maneira bastante eficaz, baseando-se na visão dos pombos como referência de análise. ;Em experimentos similares a esse, com humanos, o acompanhamento visual é feito minuciosamente, com uma câmera, para saber onde está a atenção. Com as aves, isso é difícil, pois a mobilidade do olho delas dentro da órbita ocular é muito menos móvel. Usar a bicada como parâmetro foi uma estratégia que trouxe bons resultados ao trabalho;, analisa.

A pesquisa pode ajudar a desmistificar a crença de que os animais são muito diferentes dos humanos em certos aspectos cognitivos, segundo Bôscoli. ;A grande importância desse trabalho é contribuir para tirar a distância que colocamos entre nós e os animais. Claro que temos a capacidade de construir civilizações, por exemplo, mas, quando falamos de inteligência, isso abrange muitos outros pontos;, destaca.

Garzon acrescenta que o trabalho contribui para o entendimento da evolução das espécies. ;Essas comparações nos ajudam a decifrar um passado antigo, a nossa separação com as aves se deu no Período Paleozóico, cerca de 300 milhões de anos atrás. Comparar parâmetros para encontrar similaridades e diferenças nos ajuda a entender como as características evoluíram ao longo do tempo, além de desvendar a interação desses animais com o meio ambiente, algo que contribui bastante para entendermos também como eles interagem com o meio ambiente;, completa.

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