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Arma contra a leishmaniose

Após sequenciamento do genoma de um dos parasitas causadores da doença, grupo de pesquisa brasileiro identifica proteínas que devem ajudar a combatê-lo

Carolina Cotta
postado em 15/05/2014 15:00
Em vermelho, os vacúolos que abrigam o parasita no interior da célula: os pesquisadores buscam, agora, formas de atacar essa proteção ( Fernando Real/Divulgação )
Em vermelho, os vacúolos que abrigam o parasita no interior da célula: os pesquisadores buscam, agora, formas de atacar essa proteção


Belo Horizonte ; A identificação de duas proteínas produzida pelo parasita Leishmania amazonensis pode explicar por que ele consegue conviver harmoniosamente com células que deveriam matá-lo. O sequenciamento do genoma da espécie, uma das causadoras da leishmaniose cutânea e difusa, demorou quatro anos para ser concluído, mas viabilizou a descoberta e deve ajudar a combater a doença.

A decodificação do genoma foi realizada de maneira automatizada em um equipamento de última geração nos Estados Unidos, mas todo o processamento e a análise dos genes envolvidos são méritos de pesquisadores brasileiros. Coordenado pela doutora em bioquímica e biologia molecular Diana Bahia, do Departamento de Biologia Geral da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o estudo é uma colaboração com o Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia (DMIP) da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), além de grupos do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), de Campinas, e do Laboratório de Genômica e Expressão da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Em um artigo publicado na revista DNA Research, o grupo mostrou como duas proteínas sintetizadas e secretadas pelo protozoário reproduzem a do hospedeiro. Segundo Diana Bahia, essa imitação permite a ligação dessas proteínas a componentes do arsenal imunológico do indivíduo infectado, bloqueando sua ativação e silenciando a resposta inflamatória. O estudo também avançou na investigação dos genes relacionados à formação de um vacúolo parasitóforo, bolsa que abriga o parasita no interior dos macrófagos, células de defesa que os englobam e tentam destruí-los. Nela, o parasita se multiplica e resiste a eventuais ataques do sistema imunológico.

Segundo o doutor em microbiologia e imunologia Fernando Real, do DMIP, um dos autores do estudo, no caso da L. amazonensis e da sua espécie-irmã, L mexicana, essa bolsa é bem mais espaçosa do que as formadas por outros protozoários causadores da leishmaniose. ;Essa pode ser uma das maneiras de o parasita subverter e enganar o sistema imunológico do hospedeiro;, acredita.

;O vacúolo criado pelo parasita, quando está em sua forma amastigota, ou seja, intracelular, parece ser um mecanismo elaborado, usado para sua multiplicação e proteção contra o ataque do sistema imune. Essa é uma característica ainda pouco estudada, até o momento descrita apenas para as espécies do complexo mexicana;, acrescenta Diana Bahia. Daí a importância do genoma, que proveu os pesquisadores de informações sobre proteínas expostas ou secretadas pelo parasita, principalmente na forma amastigota, que auxiliassem na formação desse vacúolo. Dessa maneira, será possível entender o mecanismo biológico por trás de sua sobrevivência dentro do macrófago e, consequentemente, encontrar meios de neutralizar seu ciclo intracelular.

Manual de instruções

O genoma de um organismo funciona como um manual de instruções de seu funcionamento. Ele provê indicações de quais genes estão relacionados a problemas científicos e médicos na investigação desses parasitas. É preciso tomar toda a informação decorrente do sequenciamento e, pontualmente, investigar a participação efetiva dos genes preditos (aqueles anotados como tendo características de genes) na manifestação clínica da doença, por exemplo, ou na formação do vacúolo parasitóforo, para aqueles mais interessados na pesquisa básica. ;O genoma ;abre mais portas do que fecha;. Temos mais perguntas a investigar do que respostas;, acrescenta Bahia.

No estudo, os pesquisadores buscaram identificar genes que poderiam estar relacionados à leishmaniose cutânea difusa. Segundo a cientista, são pouquíssimos os pedaços de DNA encontrados apenas nessas duas espécies. Independentemente da manifestação da doença, os tipos de Leishmania são muitíssimo parecidas: mais de 90% dos genes fazem parte de um repertório comum ao gênero. Mas o que aparentemente faz a diferença é a quantidade de cópias de cada gene.

;Encontramos muitos genes expandidos (aqueles que se apresentam em maior número de cópias em dado organismo). Talvez, eles estejam envolvidos nas peculiares manifestações clínicas provocadas por esses parasitas e na homeostase (condição de relativa estabilidade da qual o organismo necessita para realizar suas funções adequadamente) entre parasita e hospedeiro;, especula.

Vida em silêncio

Esses parasitas estão adaptados para viver silenciosamente no hospedeiro, até que alguma deficiência do sistema imune permita que ele saia de sua forma latente e desenvolva as lesões. Algumas espécies, contudo, parecem mais agressivas e mais capazes de se ;esconderem; em determinados hospedeiros, fenômeno ainda pouco estudado. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), boa parte dos mamíferos reservatórios e de humanos infectados pela L. amazonensis não apresentam lesões. ;Por isso, acreditamos que esse protozoário seja uma dessas espécies que evoluíram de modo a adquirir vantagens em uma vida intracelular e a se adaptar a viver silenciosamente no hospedeiro;, explica a pesquisadora da UFMG.

Do ponto de vista médico, o sequenciamento genômico possibilita a identificação de genes importantes para o estabelecimento do parasita e para sua disseminação pelo organismo. Alguns produtos desses genes preditos podem ser potenciais alvos de vacinação (profilática ou terapêutica) ou para desenho de drogas que impeçam a continuidade da doença. Do ponto de vista biológico, o genoma pode revelar fatores para a biogênese do vacúolo largo no qual esses parasitas vivem, permitindo a investigação do estado de latência que esses parasitas podem atingir em infecções crônicas e também para a investigação do tropismo (movimentação) do parasita do sítio da picada do inseto até outras regiões na doença disseminada.

Mosquitos

Leishmania é um gênero de protozoários que inclui os parasitas causadores das leishmanioses. As espécies são transmitidas por mosquitos do gênero Phlebotomus, no Velho Mundo, e do gênero Lutzomyia, no Novo Mundo, e seus hospedeiros primários são mamíferos como cães e camundongos, além de répteis.

Difícil cura

Das mais de 20 espécies descritas, as do complexo mexicana provocam lesões crônicas, nodulares e muitas vezes são disseminadas em humanos. Já L. amazonensis encontra-se predominante no Brasil, na Bacia Amazônica, e está envolvida em manifestações cutâneas que abrangem formas simples (nódulo ou lesão simples), difusas (vários nódulos na região infectada) e disseminadas (vários nódulos espalhados por outras regiões do corpo). Essa tem maior envolvimento em uma maneira mais grave e de difícil tratamento dessas manifestações cutâneas disseminadas. A forma anérgica difusa leva a sérias lesões muito desfigurantes no indivíduo que se assemelham à hanseníase e é praticamente impossível de ser curada.

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