Mergulhadores seguram o crânio de Naia, que caiu na caverna há 12 mil ou 13 mil anos. O rosto da jovem será reconstituído no próximo mês |
Em algum momento entre 12 mil e 13 mil anos atrás, a adolescente Naia despencou para a morte em um lugar onde hoje é a Península de Yacután, no México. Provavelmente, a família da menina de 15 anos procurou, em vão, por ela. Seu corpo submergiu e só foi encontrado em 2007, quando três mergulhadores californianos exploravam o Buraco Negro, uma caverna de 60m de diâmetro, a 40m do nível do mar. Lá, eles se depararam com um crânio intacto, rodeado por ossos de animais ; sinal de que o local em que a garota escorregou era bastante perigoso.
Passado tanto tempo na obscuridade, o fóssil de Naia ; ninfa marinha, em grego ; vai entrar para a história. Um grupo de 15 pesquisadores de 13 instituições acredita que ela faz a ligação definitiva entre os primeiros habitantes do continente e os nativo-americanos modernos. A análise do DNA mitocondrial da garota ; material genético herdado da parte materna ; está de acordo com a teoria segundo a qual os colonizadores da América chegaram em uma única onda migratória a partir da Beríngia, porção de terra que juntava o Alasca e a Sibéria. A outra hipótese sobre o povoamento do continente sustenta que houve vários fluxos separados, originados de diferentes lugares da Eurásia.
Em uma coletiva de imprensa, o arqueólogo e paleontólogo James Chatters, principal autor do estudo publicado na revista Science, lembrou que decifrar a ancestralidade dos nativos americanos tem sido um desafio. Graças a estudos genéticos recentes, acredita-se que eles descendem de um grupo de siberianos que saiu da Beríngia entre 26 mil e 18 mil anos atrás. Depois de alcançar o norte da América, esse povo se espalhou pelo restante do continente ; inclusive para o Brasil.
Apesar de as evidências apontarem para esse lado, a questão ainda é debatida porque as características faciais dos esqueletos antigos não se assemelham às dos americanos modernos. Isso tem levado alguns cientistas a especularem que populações de diversos lugares foram responsáveis pela colonização da América. Outro problema é a falta de esqueletos bem preservados dos ancestrais. O crânio de Naia, segundo Chatters, vai ajudar a pôr fim ao mistério.
Cápsula do tempo
De acordo com ele, a câmara submarina em que o fóssil foi encontrado é uma verdadeira cápsula do tempo. Lá, os cientistas encontraram ossos de pelo menos 26 animais da era do gelo, como tigres-dente-de-sabre, preguiças gigantes e ursos. Financiados pela National Geographic Society, os pesquisadores exploraram esse tesouro oceânico, onde também estava o crânio com dentes preservados e o osso do quadril de Naia. Dessas partes do esqueleto, os pesquisadores retiraram material para análise de idade e de genoma.
Os depósitos minerais acumulados no osso do quadril da adolescente indicaram que ela tem pelo menos 12 mil anos, o que a coloca entre os seis humanos mais antigos encontrados até agora nas Américas. Já o DNA mitocondrial extraído do molar mostrou que ela pertence a uma linhagem encontrada em muitos povos americanos, incluindo os do sul do continente. ;Descobrimos que a garota pertencia a uma linhagem que deriva de asiáticos, mas que só existe atualmente na América. Aproximadamente 11% dos nativo-americanos exibem essa linhagem genética que está bem espalhada pelo continente, sendo encontrada no norte, no centro e no sul da América;, explicou Deborah Bolnick, geneticista da Universidade do Texas em Austin, que fez a análise do DNA.
Segundo James Chatters, acredita-se que essa linhagem se desenvolveu na Beríngia, a faixa de terra que agora fica sob o mar, depois que os ocupantes da era do gelo se tornaram geneticamente isolados do resto da Ásia. ;Então, Naia sugere que os paleoamericanos (os povos ancestrais) e os nativo-americanos descendem da mesma terra natal, na Beríngia;. Ele explicou que as diferenças na aparência se deram em decorrência de mudanças evolutivas ocorridas depois que os habitantes da Beríngia se divergiram dos ancestrais siberianos.
No próximo mês, a equipe fará uma reconstituição facial da garota. Por enquanto, o crânio revela que Naia tinha um rosto pequeno e anguloso, com olhos largos, testa proeminente, nariz achatado e dentes projetados. ;De muitas formas, ela tinha um perfil não muito diferente de algumas pessoas da África, mas não estou dizendo que parecia com um africano, apenas que tinha algumas características semelhantes;, ressaltou Chatter. ;Era uma pessoa com aparência bem diferente;, afirmou.
;Lugar incrível;
O mergulhador e arqueólogo Alberto Nava, que encontrou o fóssil de Naia, contou na coletiva de imprensa que, no momento em que entrou na câmara submarina, sabia que estava em um ;lugar incrível;. ;O chão desapareceu sob nossos pés e não podíamos ver o outro lado. Tudo o que víamos era a escuridão;, narrou. Alguns meses depois, ele voltou ao local e alcançou a área onde o esqueleto jazia.
;Quando meus olhos se acostumaram ao ambiente, comecei a perceber que havia grandes ossos de animais. O primeiro que encontramos foi um fêmur. Em todas as direções, havia fósseis;, recordou Nava. Então, um dos mergulhadores apontou para um crânio humano. ;Era um pequeno crânio com um conjunto perfeito de dentes com os buracos pretos dos olhos nos encarando. À medida que caminhamos para perto dos restos mortais, batizamos o esqueleto de Naia. Tivemos muita sorte de descobrir um lugar tão fenomenal;, disse.