Isabela de Oliveira
postado em 21/05/2014 13:00
Sarah Palin, líder da ala mais conservadora do Partido Republicano dos EUA: eleitores menos progressistas resistem mais às candidatas pouco femininas |
Um traço fundamental das sociedades democráticas é a liberdade do povo de eleger seus líderes. A responsabilidade de votar cuidadosa e conscientemente em representantes competentes vem embutida nesse poder. Entretanto, um número crescente de pesquisas sugere que muitos eleitores se baseiam em sinais superficiais e não verbais para escolherem seus candidatos. Os resultados alertam que parte da população faz inferências sobre a personalidade dos políticos a partir da aparência, e que essas impressões têm influência significativa nos votos.
Uma das análises mais recentes sobre o tema foi publicada na edição deste mês da revista Social Psychological and Personality Science. Segundo o estudo, traços faciais de candidatas influenciam o sucesso ou o fracasso nas urnas. Os resultados indicam que as mulheres com feições tidas pelo senso comum como masculinas levam desvantagem na disputa e têm menos chances de serem eleitas.
Para chegar a essa conclusão, Jonathan Freeman, pesquisador da Dartmouth College, nos EUA, estudou a reação de 300 homens e mulheres ao serem expostos às fotos de 198 políticos de ambos os sexos que venceram ou perderam eleições entre 1998 e 2010. Para isso, utilizou um software que registra os movimentos do mouse (mouse-tracking), revelando em tempo real como a mão dos participantes pode tender, parcialmente e instintivamente, a alguma direções.
Os participantes tinham de apontar, dentro do menor intervalo de tempo possível, o gênero da pessoa que aparecia na tela. Cabelos e acessórios, como brincos, foram recortados da imagem. Os dados colhidos mostraram que, em diversas vezes, os voluntários levaram o mouse em direção ao botão que apontava o sexo masculino, mas, rapidamente, mudavam a direção do cursor, ao perceber que o rosto, inicialmente tido como masculino, era, na verdade de uma mulher. Tudo isso em uma curtíssima fração de tempo. ;As pessoas são altamente sensíveis a traços faciais de gênero, que são processados milissegundos depois de olhar para o rosto de outra pessoa;, explica Freeman, em comunicado à imprensa.
Incerteza sutil
Depois, comparando essas reações com os resultados reais das eleições, o pesquisador e sua equipe notaram que a confusão foi mais comum nas candidatas que foram derrotadas nas disputas políticas. ;Nós mostramos que a incerteza sutil durante o processamento inicial de diferenciação do gênero de um rosto prediz o sucesso ou o fracasso eleitoral das mulheres, e esse é um efeito único que não pode ser explicado pela percepção de competência ou atratividade que essas mulheres têm;, diz Freeman.
A técnica de mouse-tracking revelou que são necessários apenas 380 milissegundos para que o eleitor forme uma primeira impressão dos candidatos. Os testes foram replicados em diversos estados dos EUA, e a percepção da face na decisão de voto se mostrou acentuada nos estados de perfil mais conservador. Freeman diz no estudo que a explicação para esses resultados é sustentada pelo fato de que os conservadores são menos tolerantes com a incerteza, tendendo a ser mais rígidos, inclusive com o comportamento esperado de cada gênero.
Freeman ressalta que esse comportamento é restritamente direcionado às mulheres e que os fatores que o desencadeiam são desconhecidos. Pode ser que a cobertura midiática das candidatas aborde mais incisivamente a feminilidade ou que a associação histórica de homens exercendo a liderança política dos EUA reforce essa reação. ;O sucesso da candidata foi relacionado à percepção de feminilidade, uma reação que demora menos de meio segundo. Isso nos diz que feições processadas rapidamente podem se traduzir em desdobramentos políticos do mundo real;, constata.
Personalista
A transposição dos resultados para o Brasil deve ser sempre cautelosa, uma vez que há diferenças culturais ; a distinção entre conservadores e progressistas, por exemplo, é mais clara nos EUA ; e do próprio processo eleitoral a serem levados em conta. Isso não significa, entretanto, que os brasileiros não ;julguem o livro pela capa;. Felipe Borba, pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp/UerjJ), explica que, no país, o Poder Executivo fica concentrado em uma só pessoa e, por isso, tende a ser personalista.
;A quantidade de recursos que um político como o presidente controla em nosso sistema é muito grande. Ele precisa passar a imagem de alguém que entregará o que prometeu e saberá lidar com problemas que ainda não apareceram;, analisa Borba, que também é professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).
Na história recente do Brasil, há casos emblemáticos de candidatos que passaram por transformações de imagem como uma das armas de campanha. O caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é um deles. No pleito de 2002, do qual saiu vitorioso, Lula aparou a barba e passou a vestir ternos mais alinhados, o que ajudou a diluir a imagem de radical que gerava resistência em uma parcela da população.
Segundo Luciana Salgado, professora do curso de gestão de campanhas políticas na internet da Fundação Getulio Vargas, no Rio de Janeiro, a apresentação dos candidatos é uma forte preocupação do marketing político. ;A maioria dos candidatos recebe assessoria até para determinar quais cores combinam melhor com seu tom de pele;, conta. ;Barack Obama aplicou um grande investimento na imagem. Ele era um candidato negro em um país que possui populações racistas e também era desconhecido. Mas ele criou a imagem de que era bem-sucedido e tinha condição de mudar os EUA. A imagem foi tão bem trabalhada que não alcançou apenas os negros, mas vários segmentos da sociedade. Existiu trabalho de visagismo, oratória, e não houve economia de dinheiro;, acrescenta.