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Desrespeito histórico nas 700

Espaços na Asa Norte, que deveriam ser usados de forma comunitária, como áreas verdes, são invadidos por construções irregulares. Para especialistas, falta conscientização dos moradores e diálogo com o governo. Administração diz atuar conforme denúncias

postado em 27/05/2014 12:00


Na 707, a primeira irregularidade foi a árvore cortada; depois, o fogo (Oswaldo Reis/Esp. CB/D.A Press)
Na 707, a primeira irregularidade foi a árvore cortada; depois, o fogo


A área verde atrás do prédio virou estacionamento na 705 Norte (Oswaldo Reis/Esp. CB/D.A Press)
A área verde atrás do prédio virou estacionamento na 705 Norte


Na 703, árvore derrubada e brita para chegar aos fundos da casa (Oswaldo Reis/Esp. CB/D.A Press)
Na 703, árvore derrubada e brita para chegar aos fundos da casa
Esqueça o verde de outrora, substitua o gramado por cimento, ignore os pedestres e abra pistas improvisadas para carros. Assim, em ritmo acelerado, as quadras 700 da Asa Norte vão perdendo o conceito original de promover a integração da vizinhança por meios de agradáveis espaços públicos. Mais de cinco décadas após a construção da capital, o que se vê no local é um completo desvirtuamento. Em praticamente todas as quadras, há irregularidades. Algumas delas são antigas e absurdas, perpetuaram-se com o tempo e agora se agravam.

Um exemplo do descaso ocorre na 703. Há cerca de quatro anos, a Administração Regional de Brasília instalou estacas de madeiras para impedir o acesso de carros à área verde, mas os obstáculos foram arrancados. Assim, moradores e visitantes voltaram a fazer da grama verde uma via àss garagens pelos fundos das residências. O trânsito provocou lamaçal. Para minimizar os efeitos durante as chuvas, espalharam brita pela estrada clandestina. Continuaram a destruir a área verde e improvisaram uma rampa de concreto em um local que deveria ser fechado para carros.

Das 25 casas entre os conjuntos M e L, 23 têm garagem com entrada pela área verde ; o projeto original prevê acesso de veículos só pela frente. Sem querer se identificar, uma servidora pública residente na região há 20 anos tentou explicar as alterações. ;O Estado não promove políticas de preservação e incentivo de uso das áreas. O projeto original é lindo, mas, na prática, o que se vê é sujeira e circulação de bandidos. Pelo menos, há movimento;, justificou.

Puxadinhos e puxadões

Na 705 Norte, o problema é semelhante. Deveria existir grama no chão, mas, há algum tempo, pistas de brita apareceram. O festival de mazelas não para por aí. Puxadinhos e puxadões estão por toda a parte. Ainda na 705, no Bloco M, a calçada foi parcialmente ocupada por uma obra. Uma placa de aço abocanhou metade do passeio.

Um pouco mais à frente, na 707, alguém usou o tronco de uma árvore recém-cortada para atear fogo em lixo. As chamas se espalharam e atingiram flores e árvores. Mais abaixo, um morador usou a área de convívio para fazer uma horta particular. A interferência, à revelia da administração pública, se tornou um obstáculo.

Na 710, o que predomina são os jardins particulares. Em geral, são áreas bem cuidadas, mas cercadas. Enquanto a reportagem do Correio esteve no local, um morador de uma das casas questionou, de forma áspera, o motivo da presença da equipe no ;jardim dele;. Ao perceber que falava com jornalistas, encerrou a conversa. Na 711, o responsável por uma obra de um imóvel de dois andares mandou fincar um contêiner no meio da área verde. Com a falta de cuidado dos operários ao depositar os restos de material de construção, muita sujeira fica espalhada pelo chão.

Desvirtuamento

O presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (Departamento do DF), Thiago de Andrade, aponta uma sucessão de erros históricos que, progressivamente, desvirtuaram os espaços verdes das 700. ;É cada vez menor o número de moradores que enxergam as áreas como pontos de integração. Sem essa consciência, a tendência é a ocupação irregular;, afirmou. Thiago de Andrade citou ainda a falta de diálogo entre o governo e a comunidade para manter o projeto original. ;Em muitas dessas quadras, existe a necessidade de implementação de equipamentos comunitários que dê vida a esses espaços e que, consequentemente, estimule as pessoas a usá-los.;

Por meio da assessoria de comunicação, a Administração Regional de Brasília disse atuar com base em denúncias. E, como não tem poder de polícia, aciona a Agência de Fiscalização (Agefis). O órgão não informou quantas ocorrências têm em relação às 700 Norte, mas garantiu que pretende enviar uma equipe de técnicos para vistoriar os locais apontados.

Faça a sua parte

Para denunciar irregularidades, o morador pode ligar no telefone 156 do GDF

Palavra do especialista

;Há várias formas de resolver;
;Qualquer tipo de modificação nessas áreas deveria ser submetida ao exame das instâncias técnicas da administração pública. Há várias formas de resolver certos problemas que incomodam os moradores e que não afetam a legislação urbanística. Sem diálogo, a tendência é assistirmos à deterioração desses espaços. A Administração Regional tem responsabilidade de eliminar todas as tentativas de destruição dos espaços verdes para o privado. Ou temos lei que faça as pessoas respeitarem os espaços públicos ou vamos perder Brasília. O não cumprimento da legislação ambiental alimenta o desrespeito. O grande problema é não conseguirmos ter administrações com padrão firme de manter a ordem. E, sem a mão pesada do poder público, o que se vê é a completa desordem, como barreiras arquitetônicas de toda ordem. É alarmante acompanhar o envelhecimento de Brasília e a queda na atenção dos seus princípios de urbanismo. Se a omissão continuar, a ;barbárie; tomará conta de vez da cidade modernista.;

Frederico Flósculo, arquiteto, urbanista e professor da Universidade de Brasília (UnB)

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