Belo Horizonte ; A preocupação com o aquecimento global e as mudanças climáticas no planeta motivou pesquisa de execução curiosa. Para entender como o aumento do gás carbônico (liberado também pela queima de combustíveis) na atmosfera pode influenciar a capacidade de a floresta resistir às oscilações do clima, uma área de floresta próxima a Manaus será submetida a uma concentração de CO; maior que a habitual. Iniciativa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o projeto Amazon Face é executado pelo Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa).
;Isso vai permitir maior entendimento dos processos de funcionamento da floresta que seriam alterados com o aumento do CO; na atmosfera. O projeto permitirá antecipar os efeitos da mudança climática que está por vir sobre a Amazônia, que é de grande importância para a regulação do clima não só na América do Sul, mas possivelmente em todo o planeta. Poderemos simular a resposta do ecossistema a diferentes cenários futuros e, assim, fomentar a tomada de decisões e criação de políticas públicas;, afirma Carlos Alberto Quesada, coordenador institucional do Amazon Face, sigla para Free Air CO; Enrichment.
A iniciativa será testada em uma floresta na Estação Experimental de Silvicultura Tropical, localizada a cerca de 60km ao norte de Manaus e administrada pelo Inpa. Em parcelas da mata, a simulação vai aumentar para 600 partes por milhão (ppm) a concentração de gás carbônico (200ppm acima da concentração atual na atmosfera). Pesquisadores observarão até que ponto a fertilização pela oferta extra do CO; ; usado pelas plantas para fazer fotossíntese ; aumenta a resiliência florestal (capacidade de recuperação em função de distúrbio), compensando fatores como aquecimento e alterações de regime pluvial.
Um dos pontos cruciais desse estudo será compreender o modo pelo qual o carbono extra adquirido por essa fertilização será utilizado pelas plantas. ;Se for usado para crescimento do tronco das árvores, podemos esperar que isso resulte em um dreno do CO; atmosférico, porque essas estruturas vivem por longo prazo. Se a maior parte do carbono extra for utilizado para produzir raízes e folhas, que vivem por um curto prazo, saberemos que a capacidade de drenar o gás da atmosfera será menor, porque esse carbono será devolvido rapidamente para a atmosfera depois da decomposição dessas estruturas;, analisa Quesada.
Ainda assim, nem tudo depende apenas do CO;: disponibilidade de água e nutrientes também influenciam esse ciclo. Grande parte das florestas da Amazônia se encontra sobre solos pobres, o que pode limitar a resposta da mata ao efeito de fertilização pelo gás. ;Mas, como nem tudo é tão simples na natureza, pode-se também esperar que a vegetação utilize recursos extras para obter mais nutrientes, como produzindo raízes extras e/ou incrementando a associação com micorrizas, que são fungos fornecedores de nutrientes para as plantas;, diz.
Ganho de biomassa
Essa pesquisa não é exatamente uma novidade e já foi aplicada previamente em países de clima temperado. Entretanto, é a primeira vez que será realizada numa área de floresta tropical. ;O Oak Ridge Face, nos Estados Unidos, por exemplo, mostrou-se limitado pela disponibilidade de nutrientes, mas com a vegetação investindo em produção de raízes para adquiri-los. A maior parte dos experimentos demonstrou uma estimulação inicial de crescimento, seguida de adaptação à nova condição. Os sistemas variam em sua resposta, seja continuando a aumentando taxas de produtividade ou buscando formas de superar outras limitações, como água e nutrientes;, afirma Quesada.
Segundo ele, estudos baseados no monitoramento de árvores amazônicas e de outras regiões tropicais do planeta têm demonstrado que florestas nativas estão ganhando biomassa ao longo dos últimos 30 anos, quando o esperado seria que elas estivessem em equilíbrio. Uma das hipóteses para esse aumento na produtividade é a fertilização por CO;. ;Como o dióxido de carbono é o principal substrato para a realização da fotossíntese, é possível que o vilão do aquecimento global também tenha influência positiva sobre a floresta por meio de maior disponibilidade de recursos para a fotossíntese;, explica.
O Amazon Face foi iniciado recentemente e, no momento, os esforços estão direcionados à implementação do projeto piloto, que vai durar três anos. Nessa primeira fase, estão previstas duas unidades amostrais que correspondem a um anel de 30m de diâmetro, com torres de onde o CO; será liberado para a floresta. Um anel do mesmo tamanho será usado como controle. Lá, será mantida a concentração habitual de gás carbônico.
;Na fase piloto, faremos também um monitoramento por dois anos de diversos processos que possivelmente poderiam sofrer alterações devido ao aumento de CO; na atmosfera, o que inclui fotossíntese, crescimento e produtividade da floresta; produção de raízes; ciclagem de nutrientes e dinâmica de micro-organismos do solo, entre outros processos ecossistêmicos;, acrescenta Quesada. Na segunda fase, o experimento será expandido, replicado em mais três anéis com aumento de CO; (e mais três anéis de controle), com monitoramento durante uma década pelo menos.
Para o pesquisador, o Amazon Face também tem forte viés político e estratégico, podendo ser expandido para outros países: ;A ciência explorada nesse projeto é de grande relevância para outras nações tropicais com florestas em seus territórios, assim como tem uma importância para o ciclo de carbono global e desdobramentos das mudanças climáticas em nível planetário. O projeto é estratégico para o país no sentido de aprofundar nosso conhecimento sobre os impactos das mudanças climáticas sobre os ecossistemas brasileiros e os serviços ambientais que eles fornecem, como atividade agrícola e geração de energia hidrelétrica, por exemplo.;
Estrangeiros
A fase piloto do projeto foi orçada em US$ 11 milhões e tem como financiadores o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas. Já os recursos para o experimento de longo prazo, orçado em US$ 78 milhões, ainda não têm fonte definida. Participam do trabalho pesquisadores brasileiros e estrangeiros, vindos de países como Holanda, Inglaterra, Escócia, Alemanha e Estados Unidos.