postado em 02/07/2014 14:00
Quando ainda era uma aluna de graduação em física na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Marcelle Soares-Santos se apaixonou por um dos fenômenos mais misteriosos da ciência: a energia escura. Hoje, os especialistas sabem que essa força forma cerca de dois terços do Universo e é responsável por mantê-lo em expansão acelerada. Contudo, ainda não fazem ideia do que algo tão fundamental é feito.
O interesse da brasileira pelo tema a levou a fazer mestrado e doutorado no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP) e, mais tarde, a ser contratada como pesquisadora pós-doutoranda do Fermilab, um dos mais importantes centros de estudo sobre física de partículas do mundo, localizado no estado de Illinois, nos Estados Unidos.
No laboratório, ela integra o Dark Energy Survey (DES), projeto que busca compreender a energia escura a partir da observação de supernovas e galáxias. Soares-Santos ajudou a construir uma supercâmera para esse fim, hoje instalada no Chile, e criou um método para detectar aglomerados de galáxias.
Por seu trabalho, ela venceu recentemente o Prêmio Alvin Tollestrup, concedido anualmente para a melhor pesquisa de pós-doutorado no Fermilab ou em colaboração com cientistas do laboratório. Na entrevista a seguir, a pesquisadora de 32 anos, nascida em Vitória (ES), fala sobre essa conquista e sobre o trabalho que vem desenvolvendo, além de revelar os planos para o futuro: ;formar um grupo de pesquisa e liderar um experimento;.
A senhora ganhou o Prêmio Alvin Tollestrup por pesquisas na área da energia escura. Qual seu trabalho no Fermilab?
Eu trabalho no projeto Dark Energy Survey (DES), cujo objetivo é mapear 300 milhões de galáxias e 4 mil supernovas para estudar a energia escura. Para isso, foi preciso construir uma das maiores câmeras do mundo, a DECam, que conta com 570 mega-pixels. Eu participei da construção da DECam aqui no Fermilab e também do processo de instalação dela no Telescópio Blanco, no Chile. A instalação foi um sucesso e, desde 2012, a DECam tem obtido dados de alta qualidade. Minha contribuição para a DECam e o DES foi o que me rendeu o prêmio.
A energia escura é uma hipótese para explicar a expansão acelerada do Universo, certo? O que já se sabe sobre essa força?
Sim, é isso. No entanto, nós ainda não sabemos as propriedades físicas da energia escura. Sabemos apenas que ela constitui cerca de dois terços do nosso universo atual e que parece ser a energia do vácuo, do espaço-tempo em si.
Como surgiu seu interesse pelo tema?
Eu me interessei por esse tópico durante minha graduação em física. O problema da energia escura me foi apresentado pela primeira vez em meu projeto de iniciação científica e, desde então, o desafio de compreender esse fenômeno tem motivado minha carreira.
Hoje, a senhora utiliza o equipamento que ajudou a construir para procurar galáxias a partir do Chile. Pode contar mais sobre o que está fazendo no momento?
Eu agora estou analisando os dados do DES para entender a energia escura. Eu desenvolvi um método para detectar aglomerados de galáxias e o utilizo para criar uma amostra de aglomerados para estudo da energia escura.
Como esse catálogo pode ajudar na compreensão do Universo?
A formação de aglomerados de galáxias se dá via atração gravitacional, um processo lento que ocorre enquanto o Universo está em expansão. Se a taxa de expansão aumenta, esse processo é inibido. Eu uso esse fato para estudar a energia escura, usando os aglomerados de galáxias.
Ultimamente, a participação de pesquisadores brasileiros em projetos de grande porte tem sido mais comum. A que se deve isso?
Projetos de grande porte tipicamente envolvem parceiros internacionais. A participação do Brasil nesses projetos é uma consequência natural disso.
Como está o desenvolvimento da física no Brasil hoje?
Na área de cosmologia e física de partículas, o Brasil conta hoje com vários grupos e tem uma presença forte em vários experimentos.
Quais suas ambições a médio e longo prazo?
Eu penso em seguir na carreira acadêmica, formar um grupo de pesquisa e liderar um experimento no futuro.