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Apenas o pensamento como companhia

Ficar sem fazer nada por apenas 15 minutos é insuportável para a maioria das pessoas. Há quem prefira tomar pequenos choques elétricos a cumprir essa simples tarefa, mostra pesquisa realizada nos Estados Unidos

Isabela de Oliveira
postado em 04/07/2014 14:00
No percurso até o trabalho, o rádio parece um companheiro indispensável. Ligar a televisão ao chegar em casa é um ritual quase automático para muita gente após um dia cansativo. Ler um livro ou navegar na internet pelo smartphone ocupa o tempo de quem espera o sono chegar. E tudo isso não parece ser por acaso. Ficar à toa é insuportável para grande parte das pessoas. De acordo com um estudo publicado na edição de hoje da revista Science, o ser humano prefere fazer qualquer coisa, até mesmo passar por uma situação desagradável, a ficar sozinho com os próprios pensamentos. Isso pode acontecer, segundo os autores, porque é difícil orientar e manter os pensamentos em uma direção agradável.

A pesquisa liderada por Timothy Wilson, pesquisador da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos, é uma das tentativas mais recentes de entender uma atividade neurológica exclusiva do ser humano e que ainda é cercada de mistérios: a rede neural em modo padrão. Ela é caracterizada por oscilações neurológicas que ocorrem sempre que alguém se empenha em tarefas internas, como sonhar acordado. A capacidade de se envolver consigo mesmo, diz Wilson, é uma parte essencial, talvez até mesmo uma definição, do Homo sapiens.

Ficar sem fazer nada por apenas 15 minutos é insuportável para a maioria das pessoas. Há quem prefira tomar pequenos choques elétricos a cumprir essa simples tarefa, mostra pesquisa realizada nos Estados Unidos
Basicamente, essa habilidade permite que o indivíduo se separe do ambiente e viaje para seu interior, imaginando mundos que nunca existiram. Na pesquisa, Wilson aborda duas questões que têm chamado a atenção dos cientistas: as pessoas escolhem entrar em modo padrão? E, quando estão nesse modo, vivem uma experiência agradável? Para responder essas questões, o cientista e sua equipe realizaram experimentos para observar a reação de universitários em uma sala sem adornos nem opções de entretenimento (smartphones, livros ou televisão) em períodos de seis a 15 minutos.

Os pesquisadores pediram que os alunos participantes escolhessem um assunto e refletissem sobre ele. As únicas regras é que eles permanecessem sentados e, principalmente, acordados. Após o ;período de reflexão;, os voluntários responderam a um questionário que avaliava, entre outras coisas, quão agradável a experiência havia sido e a dificuldade que tinham sentido para se concentrar. A maioria (57,5%) relatou problemas de concentração, e 89% disseram ter pensamentos irregulares e sem conexão com o tema escolhido.

Aversão
Quase 50% dos participantes disseram não ter aproveitado a experiência. Em uma das fases da pesquisa (veja quadro acima), alguns deles ; em especial os do sexo masculino ; preferiram experimentar pequenos choques elétricos a concluir a tarefa, mesmo que, no início do experimento, tivessem afirmado preferir pagar US$ 5 a passar pela sensação desagradável. ;A diferença de gênero é, provavelmente, resultado da tendência dos homens em procurar situações mais emocionantes. Mas é surpreendente que simplesmente estar sozinho com os próprios pensamentos por 15 minutos seja aparentemente tão aversivo a ponto de ter levado muitos dos participantes a autoadministrarem um choque elétrico que eles haviam dito anteriormente que iriam pagar para evitar;, observa Wilson.

O pesquisador chegou a imaginar que a reação poderia ter ocorrido pelo impacto negativo do ambiente desconhecido no psicológico dos alunos. Para acabar com a suspeita, os universitários repetiram a experiência em casa e muitos encontraram dificuldades de seguir as instruções. Trinta e dois por cento admitiram ter trapaceado e recorrido ao smartphone para navegar na internet e ouvir música. A média de satisfação foi menor ainda do que a obtida no experimento em laboratório.

Para avaliar se a dificuldade de apenas pensar é diferente ou maior para universitários, os pesquisadores repetiram os testes com voluntários de uma área rural com idades que variavam de 18 a 77 anos. Os resultados encontrados foram semelhantes aos observados com os estudantes. ;Isso significa que esse comportamento não tem relação com idade, escolaridade, renda ou frequência do uso de redes sociais e smartphones;, conclui Wilson.

Meditação
Por que a própria companhia é tão desagradável? Os autores levantam algumas explicações. Uma é que, quando deixadas sozinhas com seus pensamentos, as pessoas se concentram em suas falhas, ruminando ciclos de ideias negativas. Pode ser também que elas tenham encontrado dificuldade em desempenhar o papel de ;roteirista; do tema que escolheram. Para Wilson, é possível que os problemas fossem menores se os participantes pudessem elaborar os pensamentos com antecedência.

;Pode ser por isso que muitas pessoas procurem obter mais controle de seus pensamentos com meditação e outras técnicas. Sem esses treinamentos, elas preferem fazer qualquer coisa a pensar, mesmo que seja algo desagradável. Uma mente pouco sofisticada não gosta de ficar sozinha consigo mesma;, completa o autor.

O psicólogo Eduardo Simonini, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Viçosa (UFV), observa que a pesquisa comete o erro de conceber o pensamento como uma atividade interiorizada e alheia às interferências do mundo externo. ;Vivemos em tempos individualistas e narcisistas e, ao contrário do que o artigo sugere, o que encontramos são pessoas voltadas para suas próprias urgências, necessidades, pensamentos, sonhos e perspectivas. O artigo tenta exatamente valorizar essa experiência do ;eu; privado em detrimento do ;eu; em movimento conectivo. Parece que consideram esse ;eu; conectivo uma experiência de dispersão que se aproximaria mais de um transtorno de deficit de atenção com hiperatividade (TDAH), no qual a pessoa prefere se torturar no movimento a sofrer estando parado consigo próprio;, critica o especialista mineiro.


Duas perguntas para
Eduardo Simonini,
psicólogo e coordenador do programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Viçosa

O que é o pensamento, como ele se forma?
O pensamento não deve ser entendido como um fato exclusivamente neurológico e interior, mas um fato social e relacional. Ninguém pensa sozinho e isolado em si mesmo, mas pensa com sua comunidade, com sua religião, com sua sexualidade, com a tecnologia. Mesmo quando está só, um sujeito não se produz em um ;pensamento puro; e desconectado do universo externo. Dessa forma, pedir que uma pessoa se isole para exclusivamente pensar por 20 minutos em uma sala sem estímulos, é quebrar as conexões, é produzir tédio.

Qual é o papel das novas tecnologias e meios de interação, como redes sociais, nesse cenário?
O artigo sugere um incômodo com as tecnologias, como se elas distanciassem os humanos de si mesmos. A impressão que o artigo passa é que, na impossibilidade de construir uma experiência prazerosa na companhia de nossos próprios pensamentos, nós fugiríamos de nós mesmos com livros, músicas, computadores, televisões e rádios. Contudo, as tecnologias são ferramentas potentes para construir e destruir maneiras de pensar e de se relacionar. Em certos aspectos, elas nos ajudam a pensar sobre nós mesmos e sobre a sociedade, nos forçando a estar com nós mesmos de outras maneiras. Elas também podem ser uma maneira de fuga, a exemplo do que ocorre com os hikikomori, que é o nome que se dá, no Japão, àqueles que se isolam dentro de um quarto, retirando-se completamente da sociedade.

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