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Terra dos dinossauros pode virar geoparque

Pesquisadores dedicam-se a projeto para transformar bairro de Uberaba, no Triângulo Mineiro, em área de patrimônio geológico sob chancela da Unesco. A região é uma das mais ricas em fósseis do país

Pedro Rocha Franco
postado em 23/07/2014 14:00
Fóssil do Uberabasuchus terrificus, parente distante dos crocodilos e jacarés atuais, encontrado no bairro de Uberaba, em Minas Gerais
Fóssil do Uberabasuchus terrificus, parente distante dos crocodilos e jacarés atuais, encontrado no bairro de Uberaba, em Minas Gerais

Belo Horizonte ; Destacado polo de pesquisa paleontólogica no Brasil, Uberaba, no Triângulo Mineiro, trabalha para se tornar um geoparque devido à presença de consideráveis fósseis de dinossauros. O título é concedido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) a sítios geológicos com significativa relevância científica e natural. Em fase inicial, a proposta é popularizar a terra dos dinossauros a partir do reconhecimento do título da Unesco.

A ligação de Uberaba com a paleontologia teve início, por acaso, em 1945. A empreiteira contratada para mudar o traçado da ferrovia Campinas-Goiânia encontrou uma ossada durante as obras. O paleontólogo brasileiro Llewellyn Ivor Price foi chamado para analisar o material. In loco, descobriu que se tratava dos restos de dinossauros e de que ;a bola; encontrada era, na verdade, o primeiro ovo do animal achado em continente americano.

Price, então, buscou qual seria o local mais propício da região para a procura de outros exemplares. No bairro Peirópolis, às margens da BR-262, a ocorrência de pedreiras de calcário poderia ser um indicador das peças antigas. Apesar da possibilidade de escavações feitas por funcionário facilitarem o trabalho do paleontólogo, ele temia que o tipo de atividade poderia atrapalhar os estudos. ;Eram pessoas que só olhavam para o cal, poderiam ter dificuldade de identificar o que era um fóssil;, diz o atual coordenador das pesquisas, Luiz Carlos Borges Ribeiro.

Uma equipe de escavações foi montada por Price para, a cada ano, buscar mais material de pesquisa. Os trabalhos se estenderam de 1946 a 1974, anos antes da morte do pesquisador. Todo o material recolhido no Triângulo Mineiro era levado para análise no Rio de Janeiro, onde está até hoje compondo a coleção do Museu de Ciências da Terra do Serviço Geológico do Brasil (CPRM). Na década de 1990, o paleontólogo Luiz Carlos foi convidado para assumir o Centro de Pesquisas Paleontológicas Llewellyn Ivor Price e o Museu dos Dinossauros, retomando, assim, as buscas por fósseis. Atualmente, a equipe é a única do país a fazer escavações regulares (a cada ano).

No Brasil, atualmente, há 20 espécies identificadas, sendo três com ocorrência em Uberaba: Baurutitan britoi, Trigonosaurus pricei e Uberabatitan ribeiroi. Outros três grupos foram apontados, mas é preciso achar novos fósseis para caracterizar a espécie. ;É a maior concentração de achados porque aqui se tem trabalho mais sistemático;, afirma Ribeiro, que tem uma espécie de dinossauro em sua homenagem. O Uberabatitan ribeiroi é um dos três titanossauros descritos na região. Trata-se do maior brasileiro, com mais de 20 metros de comprimento e seis metros de altura.

Dele foram recuperados mais de 200 fósseis. Assim como no caso da descoberta de 1945, o achado do vestígio se deu durante as obras de duplicação da BR-050. As escavações foram feitas entre 2004 e 2006, com a retirada de mais de 300 toneladas de rocha. ;Os dinossauros saurópodes, representados essencialmente pelo grupo dos Titanosauria, têm destacada representatividade entre todos os táxons presentes nos sítios paleontológicos de Uberaba. Seus fósseis ocorrem em abundância, diversidade e grau de preservação singulares;, diz trecho da tese do professor sobre a paleontologia em Uberaba.

Conservação
Apesar da predominância de dinossauros, que representam mais de dois terços dos achados, a coleção dos sítios de Uberaba tem 4,5 mil exemplares fósseis, incluindo crocodiliformes (crocodilos), quelônios (tartarugas), anfíbios, peixes, mamíferos, moluscos e crustáceos, entre outros. Tudo isso somado colabora para a relevância da região como importante sítio arqueológico, o que funciona como impulso para desenvolver o projeto do geoparque de Uberaba.

;Desde meados do século passado, a região vem sendo alvo de intensas investigações paleontológicas. O motivo é que todo o município compõe um dos maiores e mais importantes sítios paleontológicos do Cretáceo continental brasileiro, com registros fósseis datados de 80 milhões a 65 milhões de anos de idade;, aponta trecho do livro Geoparques do Brasil ; Propostas, organizado por Carlos Schobbenhaus e Cassio Roberto da Silva, que reúne propostas para 17 geoparques no Brasil. Hoje, há apenas um, no Ceará.

Segundo o diretor de publicações da Sociedade Brasileira de Paleontologia, Juan Carlos Cisneros Martínez, apesar de o geoparque não ter o intuito de transformar a região em área de conservação, quando o projeto é bem implementado, como se dá na China e na Europa, acaba por provocar esse efeito. ;Além de ajudar a proteger, contribui para que a comunidade se sinta identificada com o patrimônio;, afirma o pesquisador. No mais, o título pode funcionar como incentivo para fortalecer as pesquisas, quebrando um dos principais problemas da área no país: a falta de recursos para financiamento.

Segundo Martínez, em outros países, os pesquisadores atuam com exclusividade, enquanto, no Brasil, o tempo é dividido com o trabalho em sala de aula. A proposta de transformar a terra dos dinossauros mineira em geoparque ainda não foi enviada à Unesco. ;Ela exige relatórios demais. Por isso, nossa ideia não está suficientemente amadurecida;, explica Ribeiro, que pensa em unir ao projeto outros dois elementos referentes à cidade: os zebuínos e o espírita Chico Xavier.


Estreia
Em 2006, foi formado o primeiro geoparque no continente americano. Trata-se da unidade de Araripe, no Ceará, que tem a principal jazida de fósseis cretáceos do país. Em Minas Gerais, além do geoparque dos dinossauros, é aspirante à rede mundial da Unesco o projeto do quadrilátero ferrífero, reconhecido pelos enormes depósitos de minério de ferro nas cidades que o integram. O projeto ocupa área de aproximadamente 6,5 mil quilômetros quadrados. Um passo à frente da candidatura de Uberaba, a equipe do quadrilátero ferrífero já encaminhou o dossiê para avaliação do braço da ONU.


Para saber mais

O que é um geoparque?
É uma área geográfica em que o patrimônio geológico faz parte de um conceito holístico de proteção, educação e desenvolvimento sustentável. Deve levar em conta a configuração geográfica de toda a região, não apenas incluir os locais de importância geológica. A sinergia entre a geodiversidade, a biodiversidade e a cultura, tangíveis e intangíveis do patrimônio, são tais que os temas não geológicos devem ser destacados como parte integrante do geoparque, especialmente quando sua importância em relação à paisagem e à geologia possa ser demonstrada para os visitantes. Em muitas sociedades, a história natural, cultural e social, são indissociáveis e não podem ser separadas.
Fonte: Unesco

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