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Dama das flores era homem

Revisão de dados sobre um fóssil escavado há 10 anos sugere que a descoberta, considerada à época uma das mais importantes do século, não pode ser atribuída a uma espécie diferente. O indivíduo, na verdade, teria síndrome de Down

postado em 05/08/2014 12:23
A caveira do LB1 original foi reconstituída em duas versões para ilustrar a assimetria facial, característica que sugere um distúrbio de desenvolvimento  (Image: A, E. Indriati, B, D.W. )
A caveira do LB1 original foi reconstituída em duas versões para ilustrar a assimetria facial, característica que sugere um distúrbio de desenvolvimento


Há 10 anos, a escavação de restos de um esqueleto na Ilha de Flores, na Indonésia, excitou a comunidade científica. Antropólogos australianos e indonésios anunciaram a descoberta de LB1, a ;Pequena Dama de Flores; ou ;Flo;, uma criaturinha com volume craniano de apenas 380ml, o que fazia seu cérebro mais similar ao de um chimpanzé. Mas determinou-se que essa era uma espécie humana ante então completamente desconhecida, considerada, à época, a ;descoberta mais importante da evolução do homem em 100 anos;. Agora, porém, surgiu uma tese polêmica. Para pesquisadores da Universidade de Adelaide e da Universidade de Penn State, o fóssil era, na verdade, de um Homo sapiens com síndrome de Down.

Robert B. Eckhardt, professor de genética e evolução em Penn State; Maciej Henneberg, especialista em anatomia e patologia da Universidade de Adelaide; e Kenneth Hsü, geólogo e paleoclimatologista do Instituto Federal de Tecnologia Suíço, garantem que o LB1 não representa uma nova espécie. Ao analisar novamente o fóssil, eles afirmaram, na edição de ontem da revista Pnas, que as características anatômicas significam um desenvolvimento esquelético anormal, com traços consistentes com o diagnóstico de Down. ;A amostra da caverna de Liang Bua contém fragmentos de muitos indivíduos, e o LB1 é o único espécime com caveira e fêmur entre todos. Nenhuma descoberta substancial de novos ossos foi feita no local desde a escavação do LB1;, disse Eckhardt.

As descrições iniciais do fóssil, cuja espécie foi batizada de Homo floresiensis, focaram nas características anatômicas diferentes: o volume cranial diminuto e dos ossos da coxa encurtados foram usados para reconstruir uma criatura de 1,06m que viveu há 15 mil anos. Nessa época, o Homo sapiens já havia surgido há tempos: por volta de 200 mil anos atrás, o homem moderno habitava a Terra.

Uma década depois da descoberta, os cientistas reexaminaram as evidências no contexto de estudos clínicos, sugerindo uma explicação diferente, publicada em dois artigos da Pnas. Em primeiro lugar, eles sustentam, o volume craniano e a estatura do LB1 foram subestimadas, ;marcadamente menores que qualquer outra tentativa posterior de confirmá-las;, escreveram.

Para Eckhardt, Henneberg e os outros pesquisadores, o volume craniano seria, na verdade, de 430mm. ;É uma diferença significativa, condizente com uma pessoa com síndrome de Down pertencente àquela região geográfica;, sustenta Eckhardt. De acordo com ele, a estimativa original da estatura do fóssil foi baseada em uma fórmula derivada da população pigmeia africana. Mas humanos com Down também têm fêmur mais curto.

;Embora sejam características diferentes, diferente não quer dizer único. O traços físicos reportados no artigo original não são tão raros a ponto de exigirem a invenção de uma nova espécie de hominídeo;, disse. Em vez disso, esse indivíduo teria nascido com uma das mais comuns síndromes humanas, marcada por problemas no desenvolvimento do feto. ;Quando vimos esses ossos, muitos de nós imediatamente pensou em um transtorno do desenvolvimento;, disse Eckhardt. ;Mas não fizemos nenhum diagnóstico específico porque as peças eram muito fragmentadas. Ao longo dos anos, porém, diversas linhas de evidências convergiram para a síndrome de Down.;

Indicadores
O primeiro indicador é a assimetria craniofacial, uma disparidade entre os lados direito e esquerdo da caveira, que caracteriza essa síndrome, entre outros distúrbios do desenvolvimento. Ainda em 2006, Eckhardt notou esse traço no LB1, mas os relatórios iniciais da escavação do fóssil não o descreviam. Mais tarde, a explicação oficial foi que esse era o resultado dos muitos anos que os ossos ficaram enterrados.

Segundo Eckhardt, medidas anteriores da circunferência occipitofrontal ; tirada logo acima do topo das orelhas, rodeando o crânio ; nunca publicadas permitiram comparar o LB1 a dados clínicos coletados de pacientes com distúrbios do desenvolvimento. Aqui também o tamanho do cérebro que foi estimado está dentro do que se espera para um indivíduo daquela parte do planeta com síndrome de Down. O pesquisador argumenta que os ossos curtos da perna não apenas condizem com a redução de estatura vista em pacientes da síndrome, mas, quando corrigida, seria 1,26m, um tamanho verificado entre algumas populações que habitam, hoje, a Ilha de Flores e seus arredores.

Essas e outras características estão presentes apenas no LB1 e não foram vistas nos outros restos mortais escavados em Liang Bua, mais uma evidência de que LB1 não teria se desenvolvido normalmente. ;Esse trabalho não foi apresentado na forma de uma história fantasiosa, mas para testar uma hipótese: os esqueletos de Liang Bua são suficientemente diferentes a ponto de caracterizarem uma nova espécie humana?;, disse Eckhardt. ;Nossa reanálise mostra que não. A explicação mais convincente é a de um distúrbio do desenvolvimento. Aqui, os sinais apontam claramente para síndrome de Down, que ocorre em mais de um em cada mil nascimentos em todo o mundo.;



"Embora sejam características diferentes, diferente não quer dizer único. O traços físicos reportados no artigo original não são tão raros a ponto de exigirem a invenção de uma nova espécie de hominídeo;
Robert B. Eckhardt, professor de genética e evolução em Penn State

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