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Insônia de outro mundo

Pesquisa indica que, no espaço, mais da metade dos astronautas toma remédio para dormir. A prática, também comum na Terra, pode comprometer a capacidade de aprendizagem e se tornar um vício

Isabela de Oliveira
postado em 25/08/2014 11:23


Após aterrissar na Lua em 1969, Neil Armstrong disse não ter conseguido dormir em nenhum momento da noite. Buzz Aldrin, um outro viajante do espaço, contou que 120 minutos foram o máximo de descanso que teve durante as 21 horas em território lunar. O caso dos veteranos não é isolado, afirma um estudo publicado recentemente na revista The Lancet Neurology. A privação do sono continua sendo uma das queixas mais comuns dos cosmonautas. E também de quem está na Terra. Apenas nos países em desenvolvimento, 150 milhões de adultos passam noites em claro. Seja aqui ou no espaço, a solução do problema costuma ser a mesma: os remédios para dormir.

A Nasa determina que os astronautas tenham pelo menos oito horas e meia de sono. Entretanto, a pesquisa liderada por Laura Barger, do Brigham and Women;s Hospital (EUA), revelou que não é isso que acontece. O estudo investigou 101 astronautas que somaram mais de 4 mil noites de sono na Terra e 4,2 mil no espaço. De acordo com os resultados, membros da tripulação em voo espacial ; que fazem viagens intermitentes ; dormem em média 5,9 horas. Os que passam temporadas na Estação Espacial Internacional (ISS), seis horas. Apenas 12% dos episódios de sono nas missões intermitentes e 24% na ISS duraram sete horas ou mais. Em casa, por outro lado, o primeiro e o segundo grupos registraram, respectivamente, 42% e 50% de noites com no mínimo sete horas de descanso.

Barger também constatou o uso generalizado de medicamentos para dormir, em especial os produzidos a partir das substâncias zolpidem e zaleplon. Três a cada quatro membros da tripulação da ISS e 78% dos astronautas em missão intermitente, em algum momento, lançaram mão desse recurso. De forma geral, as substâncias hipnóticas foram usadas em mais de metade (52%) das noites em missões espaciais. O uso rotineiro desses medicamentos é particularmente preocupante porque a FDA ; uma espécie de Anvisa norte-americana ; adverte que ingestão dessas pílulas impede o envolvimento em ocupações perigosas.

Experimentos conduzidos em ratos pela brasileira Karina Zanin, pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), reafirmam os efeitos adversos desses medicamentos nos processos de aprendizagem. ;Eu administrava o medicamento antes de a cobaia aprender uma tarefa, mas ela não se lembrava do que deveria ter aprendido. Isso é uma coisa que já era observada em práticas clínicas;, detalha. Para ser seguro, o medicamento, segundo a biomédica, deve ser usado imediatamente antes de a pessoa dormir. Ao contrário do que acontece, jamais deve ser prescrito a pessoas que trabalham com altos níveis de atenção, como astronautas e policiais.

Segundo Zanin, o zolpidem é menos agressivo ao corpo. Mesmo assim, estudos relatam que algumas pessoas podem ficar dependentes dele. ;Não é tão comum, como ocorre com outros remédios, mas isso não significa que a pessoa conseguiria responder a um alerta após ter tomado uma substância para dormir. Os ratinhos, pelo menos, ficaram completamente sedados;, adverte. O Instituto Brasileiro do Sono estima que cerca de 51 milhões de brasileiros com mais de 18 anos têm dificuldades para dormir e pelo menos 1,5 milhão só dorme com auxílio de medicamentos.


"Não é tão comum, como ocorre com outros remédios, mas isso não significa que
a pessoa conseguiria responder a um alerta após ter tomado uma substância para dormir;


Karina Zanin,
pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo
Ligação com o suicídio


Um estudo publicado recentemente pelo Journal of American Medicine Association demonstra que adultos mais velhos que sofrem de distúrbios do sono são mais propensos a morrer por suicídio. O alerta serve principalmente para os profissionais de saúde, já que os distúrbios do sono, além de altamente tratáveis, são menos estigmatizantes do que outros fatores que indicam risco de tirar a própria vida.

Pesquisadores da Universidade de Stanford (EUA) estudaram 420 pessoas com idade média de 75 anos por 10 anos. Eles descobriram que aquelas que não tinham o sono ;restaurador; ; capaz de promover o descansando cerebral ; tinham 1,4 vez mais chance de morte por suicídio. O mais curioso é que essas pessoas não sofriam de doenças psiquiátricas.

Thiago Blanco, psiquiatra do Hospital de Base do DF e pesquisador da Universidade Federal de São Paulo, pondera que, embora esse risco aumentado seja pequeno, ele é significativo. ;O que chama atenção é que não existiu associação com o humor;, diz o médico. Blanco ressalta a importância de diferenciar a ansiedade normal de distúrbios do sono que se sinalizam mais sérios, como a depressão e a esquizofrenia.

;A ansiedade é um processo normal de reações orgânicas. O problema é quando isso causa muitos prejuízos. Nos casos leves, técnicas de relaxamento e recursos não medicamentosos, como alimentos e chás, ajudam. Às vezes, produtos naturais também. Mas isso não quer dizer que dispensem cautela, pois também geram malefícios, dependendo da forma como são usados.; (IO)

Cuide da higiene do sono


;A insônia pura é mais difícil de diagnosticar. Geralmente, acontece em decorrência de alguma coisa, como depressão, transtorno de ansiedade e até menopausa. As mulheres são as que mais sofrem com ela. A vida que a gente leva, com certeza, influencia nesse problema. As pessoas têm mais acesso à informação, dormem tarde, são agitadas e ainda deitam vendo televisão ou mexendo no celular. O organismo não entende que é hora de dormir. É preciso tentar outras alternativas antes do remédio, como a higiene do sono, que basicamente é preparar-se para o descanso. Por mais seguros que sejam, medicamentos como o zolpidem também podem gerar vícios. É raro, mas acontece.;

Karina Zanin,
biomédica pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)

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