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Esponja para tratar os ossos

Pesquisadores criam material que pode ser moldado facilmente quando aquecido e, depois, volta a ficar rígido. A expectativa dos inventores é utilizar o produto para preencher fissuras nas estruturas do crânio e da face

Vilhena Soares
postado em 29/08/2014 11:27

Cientistas americanos criaram um material esponjoso que promete revolucionar as cirurgias que buscam corrigir falhas ósseas, especialmente no crânio, na face ou no maxilar, como a fenda palatina ou ocasionadas por traumas. O novo polímero foi apresentado durante o 248; Encontro da Sociedade Americana de Química, realizado este mês em San Francisco, e, ao ser testado com sucesso em tecidos ósseos no laboratório, mostrou-se com potencial para facilitar a vida de cirurgiões e pacientes.

Pesquisadores criam material que pode ser moldado facilmente quando aquecido e, depois, volta a ficar rígido. A expectativa dos inventores é utilizar o produto para preencher fissuras nas estruturas do crânio e da face

Atualmente, segundo os autores do trabalho, as técnicas para preenchimento de ossos na região craniomaxilofacial apresentam uma série de limitações. O método mais comum, o autoenxerto, por exemplo, consiste na retirada de um pedaço do osso de outra área do corpo, normalmente o quadril, para preencher a falha. ;O problema é que o autoenxerto lida com material rígido, muito difícil de moldar-se a esses defeitos irregulares, além de poder gerar complicações no local de onde o osso foi tirado;, explica ao Correio Melissa Grunlan, líder do estudo e professora do Departamento de Engenharia Biomédica da Texas A & M University.

Outra possibilidade é utilizar materiais sintéticos parecidos com argamassa. Porém, além de quebradiços, esses produtos não são porosos e não permitem que novas células ósseas os penetrem e recuperem a área prejudicada. O novo polímero, por sua vez, não apresenta nenhum desses problemas.

O material foi fabricado a partir da junção de moléculas de policaprolactona, uma substância elástica e biodegradável já utilizada em alguns implantes médicos. O resultado do processo foi um produto da classe dos materiais com memória de forma, ou seja, que mudam sua estrutura quando sofrem variações de temperatura. Quando a esponja é aquecida a 60;C, ela se torna macia e maleável. Mas ao resfriar, torna-se rígida. ;Polímeros com memória de forma são bastante conhecidos. No entanto, utilizar uma espuma com essa característica e com capacidade de autoajuste em um defeito ósseo é algo novo;, destaca a autora do trabalho.

Os pesquisadores também revestiram o material com polydopamine, substância adesiva que ajuda a fixá-lo no osso. Ao testar o invento em osteoblastos humanos (células ósseas), ela estimulou o crescimento celular e, por ser biodegradável, desapareceu após um tempo. ;Estamos muito encorajados pelos nossos resultados iniciais. Eles mostram que a espuma é capaz de ser moldada e corrigir defeitos ósseos. E os osteoblastos, que são as células formadoras de osso, responderam bem, principalmente quando unidos ao polydopamine;, acrescenta Grunlan.

Promissor
Ana Cândida Martins Rodrigues, professora do Departamento de Engenharia de Materiais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), acredita que o trabalho pode trazer sucessos na área médica futuramente, caso o mesmo resultado obtido em laboratório continue nos próximos testes. ;Um polímero biodegradável, em uma forma cheia de poros e que consegue se adaptar ao formato da lesão, tem tudo para ser um material eficiente para implantes;, analisa a especialista, que não participou do estudo.

Ela também salienta que, para certas aplicações, o material precisa ter resistência mecânica comprovada. ;Os autores não abordam a fundo a resistência mecânica do material. Apenas dizem que não é frágil. Para lesões como as maxilofaciais, esse aspecto não é tão importante, mas, para outras, é necessária;, acrescenta Rodrigues.

Para Marcelo de Almeida Ferrer, ortopedista, cirurgião e traumatologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, o novo material tem características que podem ser úteis. ;Um produto mais maleável, que possa ser moldado em uma área como os ossos, que possui detalhes de curvas, é uma ideia muito inteligente e bem-vinda;, diz. ;O autoenxerto, além de possuir um material mais duro e difícil de ser moldado, pode trazer riscos ao paciente durante a coleta óssea. Ele pode ser retirado de bancos de ossos, de cadáveres, mas, mesmo assim, a textura ainda é rígida;, acrescenta.

A expectativa do médico é que a área passe ainda por muitos avanços com o desenvolvimento de novos materiais. ;Temos ideias de produtos mais elaborados, principalmente fora do Brasil, na França e na Alemanha, que devem chegar ao país com o tempo. Acredito que esse material possa ser útil futuramente, inclusive para a área de cirurgia estética;, completa.

Melissa Grunhan adianta que o trabalho terá continuidade e deverá focar em testes com animais, caso mais parceiros de pesquisa surjam. ;Novos dispositivos médicos requerem anos de estudos pré-clínicos e clínicos. No entanto, com mais parceiros , um progresso mais rápido poderá ser obtido;, adianta a cientista da Texas A & M University.

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