Recado ;A arte deve ser mentira verdadeira, não falsa verdade.;
Jean Rostand
Sem medo de brilhar
A unanimidade é burra? Nelson Rodrigues jurava que sim. Mas, como toda regra tem exceção, Hebe é uma delas. A loura não poupava gargalhadas nem brilhos. Pescoço, orelhas, mãos, dedos carregavam gargantilhas, brincos, pulseiras e anéis enormes, exagerados, com pedras que luziam e fascinavam pobres e ricos. Sentar-se no sofá da loura era sinônimo de carinho e generosos elogios.
Muitos a qualificavam de brega. Ela respondia com gostosas risadas. Um dia, quis saber a origem do adjetivo. Explicaram-lhe. É possível que tenha vindo do português antigo bregado. Na língua de Camões, o trissílabo nomeava pão velho, duro, que ninguém quer comer. Por extensão, passou a designar pessoa antiquada, fora de moda ; matusalém, como dizem os personagens de Avenida Brasil. Em bom português: brega é o contrário de chique, elegante, moderno.
Uma letra troca sentidos
Leitores ficaram com a pulga atrás da orelha. A pulga? Não. Muitas pulgas. A razão: título de matéria publicada na Veja: ;O dinheiro imigrou;. Imigrar é entrar. Mas ocorre o contrário. As multinacionais do petróleo estão saindo do Brasil. Logo, o dinheiro emigra.
Dois times
;A bola rola redonda;, escreveu Juca Kfouri. Quem leu bancou o Proust. Lembrou-se de outra frase, pra lá de popular: ;Skol, a cerveja que desce redondo;. Minhocas se instalaram na cabeça das atentas criaturas. A razão: as frases se parecem. Mas, numa, redonda sobressai. Noutra, redondo. Qual delas obedece à norma culta? Resposta: ambas. Os períodos jogam em times diferentes:
1. Numa, redondo é adjetivo. Indica o modo de ser do sujeito no momento em que pratica a ação (predicativo). Aí, concorda em gênero e número com o sujeito: A bola rola (e está) redonda. Os turistas chegaram (e estavam) satisfeitos. A cerveja desce (e está) redonda. Maria subiu as escadas (e estava) rápida.
2. Na outra, redondo foca o verbo. Diz como a ação se realiza. É adjunto adverbial: Skol, a cerveja que desce redondo (redondamente). A bola que rola redondo (redondamente). Maria subiu as escadas rápido (rapidamente).
Pinto no lixo
O julgamento do mensalão faz furor. A audiência bomba na tevê. Felizes como pinto no lixo, comentaristas deitam e rolam. Assunto não lhes falta. Não falta, também, quem se aventure nas searas do verbo viger. É aí que a porca torce o rabo. Advogados, jornalistas, ministros, estudantes flexionam-no como se pertencesse à 3; conjugação. Bobeiam. Vigir não existe. A forma é viger: O novo salário vai viger a partir de maio. A lei não pode ser aplicada porque ainda não vige. Essa lei vigeu poucos meses. Sei que o decreto não vige, não vigeu e nunca vigerá.
Viger tem um defeitão. É intolerante. Detesta o a e o o. Resultado: só se conjuga nas formas em que essas vogais não aparecem depois do g. A 1; pessoa do singular do presente do indicativo (eu vigo) não tem vez. Nem o presente do subjuntivo. Que eu viga? Uhhhhh! Nas demais, conjuga-se como viver: ele vive (vige), vivemos (vigemos), vivem (vigem); vivi (vigi), viveu (vigeu), vivemos (vigemos), viveram (vigeram); vivia (vigia); viveriam (vigeriam).
Complicado? Parta pra outra. Que tal vigorar? Ou entrar em vigor? Eis exemplos: O novo salário vai vigorar (entrar em vigor) em maio. A lei não pode ser aplicada porque ainda não vigora (não entrou em vigor). Sei que o decreto não vigora, não vigorou e nunca vigorará (não está em vigor, nunca esteve e nunca estará).
Leitor pergunta
Poderia me dizer as regras do hífen depois do anti?
Alvarez, Brasília
Anti- joga no time da maior parte dos prefixos. Pede hífen quando seguido de h ou quando duas letras iguais se encontram (anti-histórico, anti-islamismo). No mais, é tudo colado (anticorrupção, antiético, antirregional).
Ops! Olho vivo! Como a língua não admite maiúsculas no meio da palavra, a saída é o tracinho: anti-Dilma, anti-Serra, anti-Haddad.