Não bastasse estar sob investigação da Polícia Civil, por suspeita de fraudes, o concurso para a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) está sendo questionado até por seu futuro presidente, Ivo Bucaresky, que foi aprovado para o cargo em sabatina realizada na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado Federal. Segundo ele, a seleção está comprometida, e ele próprio presenciou problemas quando estava no Rio de Janeiro no último 2 de junho, dia da aplicação dos exames.
Apesar das declarações de Bucaresky e de ter registrado mais de mil reclamações em sua Ouvidoria, a Anvisa se nega a prestar esclarecimentos aos 125.585 inscritos no certame. Alega que, mesmo sendo um órgão público e estando submetida à Lei de Acesso à Informação, não dará transparência às explicações dadas pelo Cetro Concursos, banca organizadora da seleção marcada por irregularidades. Os documentos foram encaminhados à agência no início desta semana, havendo, portanto, tempo suficiente para uma posição. Não se sabe o que a Anvisa quer tanto esconder.
Conforme as denúncias encaminhadas pelos candidatos à polícia, no dia do concurso, houve troca de dados, lacres violados, utilização de aparelhos eletrônicos, gabaritos com numeração errada, atraso na entrega dos exames, alterações de lugares de prova na última hora e total despreparo dos fiscais para lidar com toda a situação. Segundo a Polícia Federal, assim que receber as denúncias encaminhadas pela Polícia Civil do Distrito Federal, inquéritos serão abertos para apurar os responsáveis por tantas irregularidades. Além do DF, onde mais de 50 candidatos registraram denúncia, houve problemas no Rio de Janeiro, na Bahia e em Alagoas.
Não à toa, o certame poderá ser cancelado, frustrando aqueles que se prepararam durante meses para disputar uma das 314 vagas oferecidas pela Anvisa, com salários de até R$ 10 mil. A seleção para a agência já se apresenta como séria candidata a exemplo máximo do desrespeito que tomou conta do mercado de concursos no país, responsável por movimentar mais de R$ 50 bilhões por ano.
Imagem maculada
Na avaliação do consultor jurídico da Associação Nacional de Defesa e Apoio aos Concurseiros (Andacon), Alessandro Dantas, o concurso para a Anvisa deve ser cancelado e as taxas de inscrição, devolvidas. O órgão também precisa ressarcir, integralmente, quem teve de viajar para fazer as provas. Se a agência se recusar, basta recorrer à Justiça. ;Entre toda a gama de irregularidades, se ficar comprovado que o lacre das provas foi violado e o sigilo do concurso, maculado, certamente muitos candidatos podem ter sido favorecidos por envolvidos na preparação dos testes. Lacre intacto é o mínimo para se garantir a isonomia de qualquer certame;, afirmou.
Apesar das irregularidades não terem acontecido em todos os locais de provas, Dantas acredita que não se trata de um fato isolado. No seu entender, reaplicar os exames apenas onde houve confusão aumentaria ainda mais o problema. Sobre a recusa da Anvisa em divulgar informações do relatório preparado pelo Cetro, o advogado diz que não tem justificativa. ;Os candidatos e a sociedade em geral têm o direito de saber o que aconteceu o mais rapidamente possível. O nome já diz: concurso público, e não sigiloso. Pelo contrário, em vez de omitir informações, a Avisa deveria, voluntariamente, divulgar o que aconteceu. Esconder é pior, pois fica parecendo que tem coisa errada.;
Regulação necessária
Para a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), que questionou Ivo Bucaresky durante a sabatina dele no Senado, é preciso aprovar urgentemente uma lei para regular os concursos públicos. ;Venho acompanhando o caso envolvendo a Anvisa, pois tenho recebido muitos e-mails enviados pelos candidatos que se sentiram prejudicados com toda a situação;, disse. Segundo ela, os órgãos públicos e as bancas organizadoras devem se policiar mais para inibir irregularidades.
Campeã de ineficiência
A morosidade de processos e a burocracia estão entre os maiores problemas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), segundo a 7; edição de uma pesquisa da Câmara Americana de Comércio (Amcham), divulgada ontem. Entre as 93 empresas que participaram da consulta, apenas para as 37 do setor de medicamentos houve melhora da percepção do funcionamento da agência. No caso dos segmentos de saneantes (15 companhias), cosméticos (20) e produtos para saúde (43) houve piora.
As respostas das empresas de alimentos permaneceram estáveis em relação à pesquisa anterior. O setor de agrotóxicos, com 17 indústrias, entrou pela primeira vez na consulta e teve só 6% de respostas com notas 4 e 5, que significam aprovação. As notas 4 e 5 somaram 31% das respostas no total.
Um dos itens que teve o maior índice negativo foi a qualificação técnica dos servidores, considerada insatisfatória por 84% dos entrevistados em um dos setores que integram a amostra. Segundo o gerente de Relações Governamentais da Amcham, Felipe Magrim, o que mais incomoda os executivos ouvidos é a excessiva abertura à interpretação das regras. ;As normas deveriam ser claras e sua aplicação, homogênea;, explicou. É uma situação que contrasta com a regulação no setor de telecomunicações, por exemplo, já analisado pela Amcham em outro relatório.
A Anvisa informou por meio de sua assessoria de imprensa que acompanha os relatórios da Amcham e que vem tomando medidas para resolver os problemas apontados. Cita como exemplo a meta de zerar os casos que aguardam o início de análise há mais de 180 dias, estabelecida no novo contrato de gestão com o Ministério da Saúde. A agência também pretende tornar pública essa fila de análises.
A redução da morosidade, segundo a Anvisa, será possível com a restruturação que está sendo implementada na área de medicamentos e com a contratação de 310 novos técnicos, por meio de concurso ; sob suspeita de fraude ;, que se juntarão aos 1.869 servidores do quadro atual.