Em resposta às intensas transformações sociais, o mercado de trabalho começa a reunir esforços na luta pela equidade de gênero. No entanto, os ganhos são tímidos ; e o caminho para a superação dos desafios ainda é longo. Mesmo mais escolarizadas, com média de 0,4 anos de estudo a mais do que os homens, os salários das mulheres chegam apenas a 72,3% do que eles recebem, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em cargos de liderança, apenas um em cada seis postos não são ocupados por homens. Com o intuito de transformar esse cenário, a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) lançou a quinta edição do Programa Pró-Equidade. Com inscrições abertas até 30 de agosto, o projeto estimula a criação de iniciativas em prol da igualdade de gênero em empresas públicas e privadas. As instituições interessadas devem se inscrever pelo site www.spm.gov.br. Após elaborar um plano de ações, as companhias participantes recebem um selo de responsabilidade caso cumpram 70% das metas estabelecidas.
Segundo Gláucia Fraccaro, coordenadora-geral de Autonomia Econômica das Mulheres da SPM, o Pró-Equidade aumenta a percepção dos trabalhadores em relação a questões de gênero e eleva o policiamento contra ações de intolerância. Na última edição, 57 instituições foram contempladas com o selo. Gláucia afirma que o principal objetivo para este ano é ampliar o número de adesões. ;Queremos elevar o número de empresas participantes e, em médio prazo, criar indicadores de mulheres em cargos de liderança, além de reduzir as diferenças salariais;, pontua.
Além do trabalho
Professora de psicologia da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora pelo Instituto de Pesquisa Aplicada da Mulher (Ipam), Tânia Fontele vê no Pró-Equidade um estímulo ao debate. ;O projeto traz reflexões e mudanças, porque tem criado uma mentalidade nova em diversas companhias que nem sabiam o que era gênero;, conta Tânia, que é autora do livro Mulheres no topo de carreira (Secretaria de Políticas para Mulheres / 92 páginas / Distribuição gratuita).
Exemplo disso é o grupo hospitalar Cene. Após uma série de discussões sobre o conceito de gênero, a empresa aplicou uma pesquisa de clima organizacional, mapeando as principais demandas sobre o tema. Celina da Trindade, gestora de pessoas, explica que simples atitudes de conscientização geraram resultados consideráveis na rotina da empresa. ;Hoje, os funcionários estão mais atentos. Tivemos transformações em nossa linguagem. Piadinhas preconceituosas e certas ;brincadeiras; são policiadas pelos próprios colaboradores;, diz.
Contudo, para superar as estatísticas desiguais, as transformações precisam ser mais profundas. Essa é a opinião da empresária Juliana de Andrade, militante do movimento feminista. Para ela, é preciso romper o silêncio e ouvir as minorias. Juliana acredita que só medidas tomadas dentro do ambiente de trabalho serão insuficientes. ;São vários os prontos a serem trabalhados. É preciso reeducar os homens, fornecer melhores condições de transporte público e de segurança, ampliar o número de creches em nossas cidades. Tudo isso contribui para a liberdade da mulher e sua conquista no mercado;, pontua.
Mercado exigente
Ao contrário do que muitos pensam, a construção de um cenário igualitário dentro das empresas não cumpre uma função unicamente social. Com o mercado consumidor cada vez mais diversificado e exigente, levam vantagem os negócios que conseguem entender o público e propor alternativas variadas aos anseios dos clientes. Para a diretora de sustentabilidade do Walmart, Camila Valverde, contar com mulheres em cargos executivos não é apenas uma questão de equidade. ;Uma mulher em cargo de liderança é estratégico. O equilíbrio de gêneros enriquece as decisões executivas;, explica.
A rede de hipermercados foi uma das primeiras instituições a aderir à licença-maternidade de seis meses. Camila explica que a empresa procura compreender as individualidades dos funcionários sem enxergá-las como obstáculos para o crescimento. ;Eu mesma fui promovida para o meu cargo de diretoria quando estava grávida. Saí de licença, cuidei do meu bebê e retornei para minhas atividades normais;, conta.
No Balaio Café, as funcionárias recebem folga no primeiro dia de menstruação. Para Helena Oliveira, 25 anos, a atitude da empresa ajuda a melhorar o rendimento. ;Me sinto respeitada, quando preciso, encontro apoio. Isso me motiva e me faz trabalhar com mais conforto e tranquilidade;, diz a atendente.
Em Brasília, apenas empresas e órgãos públicos aderiram a última edição do Pró-Equidade, em 2011. Uma delas foi o Banco de Brasília (BRB), que também procurou nas singularidades o caminho para a implementação dos projetos. Além do mapeamento de mulheres e ações de conscientização, o banco criou um canal multidisciplinar para o recebimento de denúncias de assédio e implementou a redução de carga horária para servidoras na volta da licença-maternidade. A medida beneficiou a analista Ana Virgínia Torres, 30 anos, mãe de gêmeas. ;Trabalhando menos, consegui organizar melhor minha volta à empresa. Foi um ato simples do banco, porém, de grande impacto;, conta. Ana diz que se sente segura na instituição e que benefícios desse tipo são essenciais para ficar satisfeita com a empresa.
Sem preconceito
Além da figura feminina, outras questões de gênero são delicadas no meio profissional. O tema equidade também esbarra no preconceito contra gays, lésbicas, travestis e transexuais. Em muitos casos, a intolerância e o medo de conviver com o diferente geram situações extremas de discriminação. João Pedro, 23 anos, conta que já foi demitido de dois empregos como garçom por ser homossexual. ;Muitas vezes o preconceito vem velado, em outras, ninguém faz questão de esconder. No meu último trabalho, por exemplo, fui demitido quando meu chefe descobriu minha opção sexual. Fui desligado imediatamente por não ;combinar com o estilo do bar;;, lamenta.
E os desafios continuam. Segundo a psicóloga Alessandra Arrais, especialista em maternidade, vive-se ainda em um modelo patriarcal, em que a figura do homem provedor se destaca. ;É preciso superar a dimensão do homem que apenas trabalha, e se esquece de ser acolhedor. Temos que chegar a uma visão de um companheiro que não apenas ajuda a mulher dentro de casa mas também compartilha as tarefas;, explica Alessandra.
Nesse sentido, a psicóloga aponta a licença-paternidade como uma das principais demandas a serem conquistadas. De acordo com a especialista, a participação do homem no processo materno constrói uma relação de respeito e valorização do papel da mulher, além de fornecer um suporte importante.
Exemplo disso é o engenheiro agrônomo Antônio Leite, 31 anos, que acaba de ter a segunda filha. Mesmo unindo a licença-paternidade ao período de férias, ele diz não ter tido tempo suficiente para ajudar a esposa após o parto. Segundo o engenheiro, além de ficar mais distante da criança, o cansaço é a pior parte. ;Não consigo dormir, porque ela chora à noite, e preciso acordar cedo para chegar ao trabalho. Situação semelhante à da minha mulher, que não tem ajuda durante o dia e se desgasta bastante;, relata Antônio.
Desigualdade em números
O salário feminino
corresponde a
72,3%
do masculino
A taxa de desemprego
entre as mulheres é de
7,5%
e, entre os homens, de
4,7%
35,5%
das mulheres trabalham com carteira assinada contra
43,9%
dos homens