Vestcon em dois momentos: enquanto, em dezembro de 2013, os alunos enchiam as salas de aula, estimulados pelas provas de início de 2014... |
... no último sábado, poucos estudantes compareceram ao local para se preparar para as poucas seleções previstas para os primeiros meses do ano |
Nunca a capital dos concursos ficou tão distante desse título. Brasília havia se acostumado com os cursinhos lotados no fim do ano. Enquanto boa parte da população curtia as festas de Natal e de ano-novo, milhares de estudantes abarrotavam salas de aula em preparação para as seleções pós-réveillon. A crise, intensificada no último mês, mudou essa lógica. Com a escassez de editais e a consequente debandada de alunos, as escolas estão tomadas pelo marasmo.
Ninguém arrisca dizer o que será da indústria dos concursos daqui para frente. Consolidada logo no início da era petista no governo federal, quando ocorreu aumento considerável de nomeações e generosos reajustes no funcionalismo, a onda de concursos tende a perder força no segundo mandato de Dilma Rousseff. Ao que tudo indica, o arrocho fiscal sinalizado pela presidente reeleita colocará ainda mais à prova as estratégias dos cursinhos preparatórios.
Copa do Mundo e eleições em um ano de conjuntura econômica desfavorável desafiaram o segmento. Em 2014, os concurseiros ficaram seis meses sem ver um edital sequer na praça, lembrou na última semana o presidente do Gran Cursos, José Wilson Granjeiro, que não esconde a preocupação com o momento atual. Assim como outros cursinhos, em Brasília e em outras cidades, o enxugamento da estrutura tornou-se imperativo.
A principal unidade do Gran Cursos, no Setor de Indústrias Gráficas (SIG), um ponto de encontro dos concurseiros na capital federal, frequentado por gente de todo o país, fechou as portas. Sem a demanda esperada, o aluguel provocou um desequilíbrio nas contas. A tradicional unidade de Taguatinga também não escapou das reformulações e teve as atividades canceladas. Foi a solução para que a escola sobrevivesse aos novos tempos.
Quatro unidades, de porte bem menor, devem ser inauguradas em janeiro de 2015, segundo Granjeiro. Os cursos oferecidos custarão até 20% menos para tentar reconquistar concurseiros evadidos. Os valores cobrados nos últimos anos, somados a um ambiente de inflação e endividamento, afastaram muitos estudantes. ;No início, matriculei-me nas matérias principais e só;, conta o concurseiro Anderson Vilanova, 24 anos, que há um ano estuda por conta própria, com o auxílio de videoaulas e materiais rateados com outros colegas.
Há 22.585 vagas abertas atualmente em certames locais e nacionais ; a maioria para universidades, com salários que chegam a quase R$ 16 mil. Mas a ausência de grandes editais desanima os candidatos. No último sábado, apenas um jovem ocupava a sala de estudos na Vestcon da Asa Norte, outra que passa por dificuldades financeiras. O estacionamento estava vazio. A secretaria, fechada. E não mais do que 15 estudantes assistiam à aula.
Neste fim de ano, de acordo com o presidente do grupo, Ernani Pimentel, 80% dos funcionários do Vestcon foram demitidos. Muitos acionaram a Justiça contra a empresa. Quem ficou cruzou os braços em protesto por atrasos no pagamento. Prejudicados pela reviravolta financeira no segundo maior cursinho do Distrito Federal, alguns alunos recorreram ao Procon.
A número de editais lançados, mais cedo ou mais tarde, voltará a crescer, na opinião do professor Mariano Borges, há 10 anos em escolas preparatórias para concursos. O problema, avalia ele, não será falta de demanda. ;As escolas precisam se readequar. A linguagem, o funcionamento, a gestão: tudo estava ultrapassado;, comenta ele.
A derrocada da indústria dos cursinhos favorece a reflexão em torno da seleção de funcionários pelo Estado, defende o especialista em administração pública José Matias-Pereira. Na última década, analisa ele, as escolas conseguiram se adaptar a um sistema focado em um eficiente ensino de técnicas, mas nem sempre o mais adequado do ponto de vista de gestão. Segundo ele, a austeridade fiscal deve mesmo atingir os concursos no próximo ano e, além dos empresários, os candidatos terão de se reinventar.
;As escolas precisam se readequar. A linguagem, o funcionamento, a gestão: tudo estava ultrapassado;
Mariano Borges, professor há 10 anos em escolas preparatórias