Trabalho e Formacao

Setor privado quer mais diálogo no Fies

Instituições particulares de ensino superior criticam mudanças feitas de "baixo para cima" pelo governo e reclamam da falta de transparência. Recentes alterações têm causado insegurança nos estudantes

postado em 24/03/2015 10:34
A estudante de arquitetura Daniela Silva teme que a formatura atrase em um ano devido às mudançasEntidades representantes das instituições de ensino superior particulares criticaram a falta de diálogo e de transparência na alteração mais recente do Programa de Financiamento Estudantil (Fies). Depois de anunciar diversas restrições desde dezembro do ano passado, o Ministério da Educação (MEC) iniciou agora um grupo de trabalho para acompanhar os preços das mensalidades em cursos financiados pelo programa. O objetivo é detectar práticas abusivas. De acordo com as novas regras, as instituições não podem fazer reajustes acima de 6,4% se quiserem continuar cadastradas.

[SAIBAMAIS]Para Amábile Pacios, presidente da Federação das Escolas Particulares (Fenep), as faculdades deveriam ter sido incluídas no grupo. ;Continua uma relação de cima para baixo;, afirma, apesar de haver previsão de consulta às entidades. Amábile defende que o valor estipulado pelo governo a partir do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) não é compatível com a realidade do setor, cujos reajustes são definidos pelos custos e investimentos na melhoria do ensino.

Sólon Caldas, diretor executivo da Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (Abmes), reforça que as constantes mudanças provocam um desgaste. ;Isso tudo poderia ter sido evitado se tivesse um planejamento adequado para que as mudanças fossem feitas paulatinamente;, afirmou. Nas últimas semanas, tribunais federais de Alagoas, Distrito Federal e Rondônia concederam liminares revogando algumas das regras. A Advocacia-Geral da União (AGU), contudo, reafirmou a validade das mudanças e os processos foram extintos.

As alterações têm provocado angústia nos universitários. A estudante de arquitetura Daniela Silva, 38 anos, não cursará as sete disciplinas que precisava neste semestre porque cursou quatro no último período e as novas regras impedem a ampliação. Ela teme que o mesmo aconteça sucessivamente, o que pode atrasar a formatura em um ano. ;Vai me custar muito, porque é um tempo a mais que eu estou fora do mercado;, lamenta. Se fosse pagar por fora, cada disciplina custaria pelo menos R$ 800, valor que não cabe no orçamento.

A estudante de agronomia Rafaella Russolyne, 18 anos, não tem como pagar as mensalidades caso não renove o benefício. Ela tem tentado sem sucesso fazer a inscrição no site há quase um mês. O FNDE recomendou que a jovem aguardasse mais alguns dias porque o sistema poderia estar sobrecarregado. ;Não deram garantia de que vou conseguir;, conta. Até a última sexta-feira, 230 mil contratos ainda não havia sido renovados.

Ajustes
Na semana passada, a presidente Dilma Rousseff admitiu que o governo errou ao deixar a distribuição das matrículas a cargo do setor privado. Nos últimos anos, o Fies cresceu expressivamente, passando de 76,2 mil contratos em 2010 para 1,9 milhão. Em 2014, foram desembolsados R$ 13,75 bilhões com o programa. O MEC reconheceu recentemente que as medidas foram tomadas também devido a restrições orçamentárias.

De acordo com Juliana Pereira, secretária nacional do Consumidor (Senacon), o objetivo do grupo de trabalho é evitar práticas abusivas, como cobranças extras aos alunos devido à redução dos repasses ao governo ao Fies. Esse valor chega a representar até 70% da receita de algumas entidades. ;Não pode haver um desvirtuamento do programa;, afirma. As punições incluem multas e suspensão dos cursos, entre outras medidas. O grupo tem 60 dias para concluir os trabalhos.

Desde as mudanças no sistema, foram registradas queixas nos Procons de todo o país tanto em relação às novas regras quanto aos reajustes. O grupo ainda pode sugerir alterações. Para Célio Cunha, assessor da Unesco, a medida é positiva e pode fazer com que se chegue a um ponto de equilíbrio. Ele ressalta, contudo, que não se pode impedir ;a inclusão dos mais desfavorecidos (financeiramente) na educação superior.;

230 mil

Quantidade de contratos que não haviam sido renovados até a última sexta-feira

MPF recorre à Justiça
O Ministério Público Federal em Minas Gerais (MPF/MG) ingressou ontem com ação civil pública para impedir que estudantes deixem de participar do Fies por causa das alterações. De acordo com o MPF/MG, os interessados não foram comunicados das mudanças com antecedência. A ação ressalta que as alterações estão causando ;angústia e desespero em milhares de estudantes em todo o país;. A ação pretende que calouros e veteranos que tiverem interesse em participar ou permanecer no programa estejam sujeitos às ;mesmas regras e diretrizes do ano letivo de 2014;.

Mudanças recentes
Março de 2015
; Grupo de trabalho: uma comissão com integrantes dos ministérios da Educação e da Justiça monitorará os preços das mensalidades a fim de detectar práticas abusivas.

; Avaliação: cursos com nota máxima (5) no CPC (avaliação do ensino superior) terão atendimento pleno ao Fies, já os cursos com notas 4 e 3 sofrerão restrições. Antes bastava nota 3.

; Prioridades: cursos considerados prioritários para as necessidades do país, como matemática e física, terão preferência nos financiamentos.

Fevereiro de 2015
; Teto: os repasses só serão feitos para instituições em que as mensalidades forem corrigidas em até 6,4%. A regra vale tanto para novos contratos quanto para renovações. Antes não havia esse limite.

Dezembro de 2014
; Enem: para novos contratos a partir de 30 de março, os alunos precisão de, no mínimo, 450 pontos no Enem e de não ter zerado a redação. Antes, bastava ter participado da avaliação.

; Outros programas: não será permitido aos alunos acumularem o benefício com outros programas, por exemplo, o Prouni.

; Parcelas: o MEC repassará as verbas paras as entidades de ensino superior em oito parcelas, em vez de 12. A medida só vale para 2015.

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