Enem

Provas inacessíveis

Ministério Público Federal convoca Ministério da Educação e Cespe para debater a dificuldade que deficientes têm enfrentado em processos seletivos. Intenção é mudar a postura e firmar compromisso por melhorias

postado em 30/07/2012 12:00
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A ansiedade e o nervosismo são sensações comuns aos vestibulandos. Com Tomás Verdi Pereira, 20 anos, não foi diferente. Ao tentar ingressar na Universidade de Brasília (UnB), o jovem precisou driblar inseguranças habituais de quem deseja entrar no ensino superior. No entanto, para Tomás as dificuldades foram ainda maiores. Cego de nascença, ele enfrentou problemas com a falta de acessibilidade às provas. Obstáculos superados, Tomás cursa atualmente o 5; período de Letras e integra o quadro dos 2.711 cegos que estudam em universidades brasileiras.

A situação vivida por Tomás será debatida em audiência dia 7 de agosto no Ministério Público Federal no Distrito Federal (MPF-DF), convocada a pedido da Organização Nacional dos Cegos do Brasil (ONCB). Participarão da reunião o Ministério da Educação (MEC) e o Centro de Seleção e de Promoção de Eventos (Cespe), órgão da UnB responsável pelo vestibular, bem como pelas principais avaliações do MEC, entre elas o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

O procurador da República no DF Peterson de Paula esclarece que será uma oportunidade para ampliar a discussão sobre acessibilidade. ;Queremos entender em qual ponto o Cespe tem faltado. Eles alegam que oferecem o necessário. No entanto, pessoas que tiveram dificuldades vão poder dar seus depoimentos.; O procurador diz que o objetivo não é justificar uma ação judicial, mas mudar a postura por meio de um compromisso formal das instituições. A audiência servirá como embrião para a normatização de avaliações e concursos brasileiros.

Na opinião de Moisés Bauer, presidente da ONCB, legislação existe, falta aplicá-la. De acordo com Bauer, o atendimento especial para cegos em vestibulares, concursos e no Enem é bastante precário. ;O Brasil precisa avançar muito. Os ledores aqui não têm a qualificação mínima para auxiliar os candidatos. Eles têm muitos problemas com temas mais complexos, como simbologia de química, física, matemática. Isso traz prejuízos ao rendimento do aluno.; Bauer garante que o descaso do Cespe é antigo. ;Temos relatos de 10 anos atrás. Se isso está acontecendo em Brasília, o que não deve estar acontecendo em outras cidades mais distantes e sem estrutura do país?;, questiona.

Obstáculos

Apesar de engajados na busca por melhores condições de acessibilidade para o filho, os pais de Tomás acreditam que o problema não é falta de dinheiro e, sim, pouco interesse do Cespe em atender bem essas pessoas. ;Sabemos que o Tomás é um dos poucos que conseguiu vencer as barreiras impostas a ele. E isso só aconteceu depois de muita briga;, conta Maria Lígia Ferreira Verdi, 46 anos.

A primeira tentativa do jovem para ingressar na UnB foi no segundo semestre de 2009. Os problemas teriam começado ainda no edital do vestibular. ;O edital tem de ser acessível. A pessoa precisa conseguir ler de forma independente;, defende Ronan Alves Pereira, professor da UnB. Outro obstáculo foi a redação. Na época, o Cespe não autorizava o uso de computador com o software de leitura de tela, por isso, ele precisou ditar todo o texto para o ledor. No Enem, o método ainda é utilizado.

Diante da reprovação, Maria Lígia e Ronan compararam a prova em braille do filho com a versão impressa. Segundo eles, foram encontrados mais de 28 pontos divergentes. Entre os erros, sinais matemáticos trocados, equações incompletas e falhas de digitação. Em 2010, mais preparado, o casal solicitou atendimento especial na inscrição. Além do laudo comprovatório, obrigatório para pessoas com deficiência, Maria Lígia e Ronan pediram a prova adaptada em braille, notebook com o programa de leitura de tela, auxílio do ledor e autorização para uso da máquina braille e da soroban ; calculadora manual. O pedido foi atendido. ;A maioria das pessoas nem sabe que pode solicitar essas ferramentas;, argumenta Ronan.

Em nota, o Cespe informou que fornece uma série de recursos aos candidatos que solicitam atendimento especial. Para cegos, são disponibilizados serviços de ledores e auxiliares para o preenchimento da folha de respostas, além de provas ampliadas, superampliadas, em braille e o uso de computador com software específico.

Inep promete reparar erros

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), também aplicado pelo Cespe, faz parte do rol de reclamações de pessoas com deficiência visual. Conforme o Correio revelou em reportagem publicada em 14 de junho, os cegos têm dificuldades que vão desde a inscrição no site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) até as condições precárias de atendimento no dia da prova. A página virtual do Inep não é acessível para candidatos sem visão. Além disso, estudantes reclamam do treinamento dado aos ledores e do mau atendimento do serviço telefônico gratuito.

Após denúncia do Correio, o presidente do Inep, Luiz Cláudio Costa, garantiu que o órgão está preocupado em melhorar as condições para a próxima edição da prova. Segundo ele, os ledores serão mais bem preparados e o site se tornará acessível. No ano passado, o instituto pagou mais de R$ 17 milhões ao Cespe para atender às demandas dos candidatos que solicitaram atendimento especial.

Para a edição de 2012, o Enem recebeu 126.916 pedidos de atendimento especial. Entre os solicitantes, estão 14.728 candidatos que desejam garantir salas com acesso facilitado destinadas a pessoas com mobilidade reduzida; 3.048 que precisam de auxílio de ledor; 4.058 que pediram auxílio para preenchimento do cartão de respostas; 1.951 com necessidade intérprete da Língua Brasileira de Sinais (Libras) e 365 que realizarão a prova em braille.

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