postado em 04/06/2012 10:00
O universitário Diego Nardi teme que a decisão leve à padronização do pensamento jurídico
Aspirantes à carreira jurídica de todo o país deverão ficar mais atentos ao que pensavam os filósofos Jean-Jacques Rousseau e Immanuel Kant. O exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) terá em seu conteúdo, a partir de 2013, duas questões sobre filosofia do direito. A decisão foi aprovada na última segunda-feira (28) pela diretoria do Conselho Federal da OAB e diz respeito às provas da primeira fase, que têm caráter eliminatório. A OAB definiu que, inicialmente, apenas dois ramos da disciplina serão abordados: ética e hermenêutica.
Segundo Marcus Vinicius Coêlho, secretário-geral do Conselho Federal da OAB, a inclusão da filosofia do direito no Exame de Ordem vinha sendo estudada há um ano e é um instrumento importante de valorização dessa área do conhecimento. %u201CA filosofia é um dos pilares do direito, e é essencial que os futuros advogados se deem conta disso.%u201D Coêlho adianta que a disciplina será cobrada de acordo com a prática profissional. %u201CNós entendemos que o advogado não deve ser um mero decorador de leis, mas um cidadão reflexivo sobre a sociedade em que se vive%u201D, explica. Presidente da comissão de estágio e Exame de Ordem da OAB-DF, Gustavo Gaião acredita que a inclusão da matéria seja um divisor de águas. %u201CAo cobrarmos essa disciplina, deixamos a prova ainda mais completa e trabalhamos para que haja a revalorização da profissão de advogado%u201D, avalia.
Autor do blog Exame de Ordem (www.portalexamedeordem.com.br/blog), que conta com mais de 20 mil acessos diários, o advogado Maurício Gieseler discorda da justificativa dada pela OAB para a inclusão de mais um assunto no rol das disciplinas cobradas na prova. %u201CO advogado mero repetidor das leis é, na verdade, uma decorrência do próprio exame, que não exige capacidade de articulação do raciocínio dos candidatos.%u201D Para ele, a solução para o problema da formação dos bacharéis é outra. %u201CÉ preciso alterar o grau de dificuldade e elaboração das questões, para que não se caia apenas na memorização.%u201D
Críticas
Estudante do 10º semestre de direito na Universidade de Brasília (UnB), Diego Nardi, 23 anos, acredita que cobrar uma disciplina de caráter subjetivo em uma prova de múltipla escolha pode padronizar o pensamento jurídico. %u201CA filosofia do direito é estudada para dar a capacidade de pensar os fenômenos jurídicos e argumentar de forma criativa, dando espaço para diferentes visões%u201D, argumenta. Em hermenêutica, disciplina que pressupõe interpretação pessoal, a necessidade de encontrar uma única resposta certa é um dos incômodos de Nardi. %u201CÉ como se a minha interpretação de um determinado assunto tivesse que ser a mesma da banca.%u201D
Rafael Garcia, 23 anos, também aluno do curso de direito da UnB, desaprova a inclusão dos conteúdos. %u201CEssa medida poderia ter grande utilidade se o Exame de Ordem não fosse tão raso em sua cobrança, tratando todos os assuntos de forma dogmática e acrítica%u201D, alfineta. Na sua opinião, o que deve acontecer é a instrumentalização da filosofia do direito dentro das universidades. %u201CEssa disciplina é, tradicionalmente, um dos únicos ambientes reservados à crítica e, agora, pode ser que, para se adaptar à prova, transforme-se em um conhecimento de manual%u201D, diz o estudante, que deverá fazer o concurso no próximo ano.
Uma vez que as provas ainda não foram realizadas, as especulações sobre como o conteúdo será cobrado são grandes. Por se tratarem de assuntos diversos e que, na maior parte das vezes, exigem reflexão pessoal, os temas da filosofia do direito são vistos como difíceis de serem colocados em termos objetivos. %u201CÉ possível que a elaboração das questões de forma a não dar margem a duplas interpretações seja uma das principais dificuldades da banca%u201D, comenta Paulo Paiva, professor de filosofia do direito do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). No entanto, ele pondera que os examinadores não deverão se aventurar em temas tradicionalmente espinhosos, como a história da filosofia.
Já Alessandro Sanchez, que dá aulas de filosofia do direito no curso preparatório LFG, diz ser possível colocar a disciplina em termos objetivos. De acordo com ele, as duas matérias escolhidas possuem, sim, conteúdos pragmáticos. %u201CEm ética, o edital deve trazer linhas como a conceituação da ética e da moral, seguindo a linha do que se encontra no estatuto profissional da Ordem.%u201D Já em hermenêutica, as diferentes modalidades de interpretação da norma %u2014 sistemática e sociológica, por exemplo %u2014 são as apostas de Sanchez. A dica de Carlos Eduardo Batalha e Marcos Renato Schahin, ambos autores do livro Filosofia do direito, é para que os estudantes procurem as provas da Defensoria Pública da União (DPU), do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) e do Ministério Público Federal (MPF), concursos que já exigem o domínio desse assunto (veja Passe bem abaixo).
Dica de leitura
Filosofia do direito %u2014 coleção Os 10%2b
Autores: Carlos Eduardo Batalha e Marcos Renato Schahin
Editora: Saraiva; Edição: 1ª
Páginas: 96; R$ 19,90
A proposta do livro é revisar os 10 pontos essenciais da filosofia do direito de forma simples e direta, voltando-se para quem está prestes
a prestar uma prova ou um concurso. Ambos professores da disciplina na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), os autores fazem um apanhado de grandes temas, como raciocínio jurídico, positivismo jurídico e tridimensionalidade do direito.