A diarista Nilza da Silva já pensa em se tornar mensalista: "Agora, nós seremos mais valorizadas" |
Patrões e empregados domésticos enfrentam momentos de tensão e ansiedade frente às incertezas advindas da aprovação da PEC das Domésticas. De um lado teme-se aumento exagerado de despesas e crescem as dúvidas sobre como proceder para cumprir todos os requisitos exigidos na lei. Do outro, há o medo de que as novas medidas forcem uma mudança radical no mercado de trabalho, com demissões em massa das domésticas, que seriam substituídas por diaristas. A empresária Adriana Oliveira, 46 anos, afirma que concorda com as conquistas, mas faz ressalvas: ;O governo está fazendo favor com o chapéu
alheio. Não concordo com as alíquotas previstas, comenta ela, para quem não houve discussão aprofundada da questão.
Adriana teme a aplicação de pontos como horas extras e adicional noturno. ;Vai ser muito problemático. Como vamos fiscalizar? Se eu não estiver em casa, quem vai garantir que a empregada estará trabalhando ou não?;, questiona a patroa, descartando a figura de vilã. ;O momento é mesmo histórico, as mudanças são muito bacanas, mas acho que criaram muitos detalhes e acabou faltando um pouco de pensamento prático;, emenda.
A doméstica Dilza Aparecida da Silva, 55 anos, concorda que houve avanço, e também vê com desconfiança os efeitos da aprovação da PEC: ;Não acredito que todos os direitos serão colocados em prática;; além disso, acrescenta, ;já ouvi falar de colegas que foram substituídas por diaristas;. Dilza está há 23 anos prestando serviços à mesma família e se considera uma ;felizarda;. Mesmo assim, se sente insegura. ;Não sei se meu emprego vai ser mantido. Ainda não conversaram comigo;. Para ela, as dispensas vão ocorrer caso não haja acordo entre empregado e empregador. ;Tudo é uma questão de conversa entre as duas partes;, avalia. Ela reconhece que os direitos previstos podem pesar no bolso do empregador. ;Às vezes, um aumento de R$ 500 no orçamento mensal de uma família pode ficar caro;.
Apesar da incerteza, Dilza afirma que a aprovação do projeto de lei foi um avanço importante: ;Eu trabalho de segunda a quinta e tenho carga horária flexível, mas conheço pessoas que ficam na labuta das 6h até as 22h. São jornadas desumanas;, conta. Na avaliação de Dilza a aprovação da PEC pode gerar demissões. Mas, para ela, à medida em que a procura por diaristas crescer, elas também serão mais valorizadas. ;Com isso, empregador vai ficar sem saber se chama uma diarista por uma ou duas vezes na semana ou se contrata uma mensalista, com o tempo, será a mesma coisa;, aposta. Ela alerta, contudo, que a aprovação da PEC abrirá caminho também para mais cobranças por parte dos empregadores. ;Se os direitos aumentam, as exigências também crescem;, diz. ;Acontece de ter empregado que não sabe cozinhar ou até mesmo atender um telefone;, declara ela, que acha justo haver mais profissionalização.
Planos
Com as mudanças na legislação, a diarista Nilza Gonçalves da Silva, 45 anos, já pensa em se tornar mensalista. Atualmente, ela atende semanalmente a quatro residências e recebe entre R$ 70 e 90, dependendo do tamanho do imóvel. Agora, cogita exercer a profissão em uma só residência. ;Acho que vai ser melhor, diarista não tem direito a nada;, protesta. Mesmo antevendo que a medida possa gerar demissões, Nilza ainda vê vantagens na proposta aprovada. ;Os direitos certamente deverão ser pagos pelos empregadores. Agora, nós seremos mais valorizadas;, afirma.
Irinete Gonçalves, 38, que trabalha há 10 anos como doméstica, também comemora a aprovação da PEC. ;Estou muito feliz. Acho que todas vão exercer o trabalho com mais amor e dedicação;. Ela conta que em uma década de profissão, passou cinco anos sem receber benefício algum além do salário. Irenete não conversou ainda com os empregadores para saber como ficará a sua situação após a aprovação da PEC. Mas está esperançosa: ;Nada de ruim vai acontecer com a pessoa que trabalha direito;.
[SAIBAMAIS]O impacto na inflação
As novas regras para a contratação de empregados domésticos, aprovadas na última terça-feira pelo Senado, vão causar impacto maior no bolso dos patrões do que na inflação. Segundo cálculos do Bradesco, a partir do segundo semestre, o aumento dos custos tem potencial para elevar o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) entre 0,3 e 0,12 ponto percentual no ano. Para especialistas, esse incremento no custo de vida, porém, não chega a ser preocupante. Mas, do ponto de vista de parte dos empregadores, a nova lei pode gerar gastos a mais de até 24% apenas com horas extras.
Pela metodologia do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os gastos com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), por exemplo ; equivalente a 8% do salário ;, não terá efeito sobre o IPCA. Mesmo a taxa representando mais custo para o patrão, ela não entra no cálculo do indicador. ;O impacto ocorrerá se trabalhadores formalizados passarem a receber horas extras de forma habitual e não esporádica;, explicou Octávio de Barros, diretor de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco. Nos cálculos de Barros, 15% dos 6,7 milhões de empregados domésticos terão ganhos mensais de 24% por horas a mais trabalhadas.
Mesmo assim, economistas avaliam que o impacto sobre a inflação não deverá ser elevado. ;Muito provavelmente, o efeito da nova legislação dos trabalhadores domésticos sobre o IPCA será limitado;, destacou Barros. A preocupação do governo e de especialistas era de que com as novas regras o custo desses trabalhadores se transformasse em peso no custo de vida e elevasse as chances da inflação estourar o teto da meta de carestia, definida em 6,5%.
*VICTOR MARTINS