Trabalho e Formacao

Cilada digital

Surfar na internet durante o expediente pode comprometer o rendimento do profissional e virar dor de cabeça para a empresa

postado em 22/04/2013 10:18
A auxiliar administrativa Priscila Rodrigues concorda com a restrição ao acessoSites de relacionamento, portais com os melhores vídeos da semana e os gols da rodada, blogs de assuntos divertidos e e-mails para parentes e amigos fazem parte do cotidiano de qualquer internauta. Porém, o acesso a essas páginas durante o horário de trabalho pode comprometer o rendimento do profissional e também da empresa. Com redes sociais cada vez mais atraentes e aparelhos celulares com aplicativos para web, tanto gestores quanto funcionários têm buscado soluções para evitar que ferramentas que só deveriam facilitar a vida do usuário se tornem motivo para dor de cabeça.

Algumas empresas encontram na conversa franca uma forma de aumentar a produtividade no expediente sem precisar comprometer o clima amistoso no trabalho. Benevaldo Barreiros é diretor comercial e financeiro da Multilife, empresa de medicina e segurança do trabalho, e conseguiu a atenção das auxiliares administrativas sem impor proibições. ;Tento conscientizar os funcionários para aproveitarem melhor o tempo. Às vezes, passo por elas para ver como está o andamento do serviço e, se vejo que estão distraídas na internet, converso;, conta.

Quando o próprio volume de trabalho já deixa o profissional sem tempo para acessar sites não relacionados à sua função, ele consegue controlar melhor as tentações on-line. ;É tanta coisa para fazer que a gente nem se lembra de acessar alguns sites;, comenta Danielle Cavalcanti, 27 anos, auxiliar administrativa da Multilife. Para ela, que sempre trabalhou em escritórios onde o acesso era irrestrito, a liberdade ajuda o empregado a ficar mais ciente da função que deve desempenhar. ;O uso da internet fica por conta da nossa consciência;, afirma.

No entanto, Priscila Rodrigues, 20 anos, que também é auxiliar administrativa da empresa, prefere quando há o bloqueio. ;O problema é que você entra só para ver sites bem rapidamente e acaba ficando ainda mais tempo;, argumenta. Para evitar distrações, Priscila programou o celular para avisar quando recebe algum novo e-mail ou mensagem de texto e lê assim que recebe. ;É melhor do que ficar curiosa e checando de hora em hora a internet;, comenta.

O professor de administração especialista em recursos humanos, Henrique Veloso, autor de Estresse Ocupacional (Elsevier/176 páginas/R$ 49,90), acredita que gestores como Benevaldo acertam ao não proibir ou bloquear acesso a sites alheios à função do profissional. ;O bloqueio não funciona por completo porque, hoje em dia, há como utilizar smartphones para entrar em redes sociais;, afirma. Para Veloso, a chefia deve alertar sobre os riscos do uso da rede no horário de trabalho. ;Quando um funcionário posta algo em sites de relacionamento durante o expediente, fica público que ele não estava atuando naquele momento;, diz.

Questão de bom senso

Pequenas pausas em horário de trabalho para checar sites e e-mails são normais. Porém, quando há exagero, o funcionário pode ser demitido por justa causa. Mesmo empresas que adotam uma postura mais voltada à conversa, sem restrições rígidas, precisam tomar medidas enérgicas em situações extremas. ;Uma moça entrou como auxiliar administrativa e já no primeiro dia ignorou o treinamento para ficar no Facebook. Tentamos conversar com ela algumas vezes, mas ela não prestava atenção. Foi logo demitida, porque todo o trabalho que ela não fazia ficava acumulado com a gente;, conta Danielle Cavalcanti.

O advogado especialista em direito empresarial Ricardo Trotta afirma que a demissão em casos como esse é legítima. ;O empregador deve dar primeiro uma advertência ao funcionário e, quando a situação se torna insustentável, pode demiti-lo;, explica. Para ele, o ideal é quando a empresa cria um código de conduta em que disponibiliza horários de intervalo dedicados ao acesso livre à rede. Mesmo assim, a chefia deve tomar cuidado com abusos e medidas que coloquem em risco a boa convivência no ambiente de trabalho. ;Bloquear sites é razoável, mas recolher smartphones, por exemplo, já seria um exagero;, afirma Trotta.

Ainda assim, possibilitar acesso a alguns sites pode também ser positivo para o aproveitamento do funcionário na companhia. ;Um profissional que utiliza o banco on-line durante o trabalho não precisa se deslocar no horário de expediente, por exemplo;, comenta Henrique Veloso. De acordo com o especialista em psicologia social Odair Furtado, as empresas devem se lembrar de que há o uso profissional de alguns sites considerados não relacionados ao serviço. Muitas empresas possuem, por exemplo, páginas em redes sociais. ;É importante que o funcionário esteja bem informado;, comenta.

Porém, segundo Furtado, deve haver disciplina para que os minutos fora do trabalho não se transformem em horas. ;Esses pequenos intervalos deslocam a concentração da pessoa para aquilo que é mais agradável;, explica. O especialista em educação e internet da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (FE/UnB) Lucio Teles afirma que o funcionário deve se comprometer para não perder o fio da meada no serviço. ;Alguns conseguem se concentrar em várias coisas ao mesmo tempo, mas, mesmo assim, o trabalhado fica mais suscetível a erros.;

Prioridade à empresa

Nem sempre questões disciplinares são o motivo de bloqueios a certos sites e softwares. No Banco Central do Brasil, por exemplo, páginas de redes sociais e de compartilhamento de vídeos e arquivos ficam desbloqueados para todos os funcionários por três períodos de 10 minutos por dia. ;Foi a solução que encontramos depois que o tráfego na nossa rede ficou congestionado com a quantidade de downloads e links sobrecarregados;, explica Haroldo Cruz, chefe-adjunto do Departamento de Tecnologia da Informação do banco.

De acordo com Cruz, cada supervisor no Banco Central coordena como a equipe pode utilizar a internet para assuntos alheios ao trabalho. Apesar das cotas de 30 minutos, os profissionais podem usar smartphones para acessar a internet, por exemplo. ;A instituição julgou que o bloqueio total seria antipático para os funcionários;, afirma. Apenas sites pornográficos ou que ofereçam riscos aos sistemas do banco são bloqueados. Segundo Cruz, a recepção foi positiva. ;Houve quem não gostasse no começo, assim como teve gente que preferia o bloqueio total, mas, hoje, os servidores aceitam a alternativa e administram seu tempo on-line;, diz.

Para Lucio Teles, pausas como as de 10 minutos intercalados, como as propostas pelo Banco Central, são positivas para manter a concentração no trabalho. ;Além de usar esse tempo para acessar os sites, é também uma oportunidade para se levantar e caminhar pela sala ou fazer algum tipo rápido de exercício físico;, exemplifica.

Adrianne Barbosa, 25 anos, e Marcelo Balk, 32, são analistas do Banco Central e consideram que fazem uso disciplinado do tempo. ;Sou bem conectada quando estou fora do expediente, mas, como sempre fui muito disciplinada, é natural não me sentir tentada a acessar a internet o tempo todo;, garante Adrianne. Já Marcelo aproveita para chegar mais cedo quando precisa checar no Facebook quais são os amigos aniversariantes naquele dia. ;As cotas de 30 minutos funcionam como colocar limite em cartão de crédito: quando ele não existe, as pessoas tendem a não ter muito controle do uso;, compara.

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