Trabalho e Formacao

Abandonando o barco

Mais da metade dos estudantes de engenharia desiste do curso. Base fraca em disciplinas de cálculo e falta de prática durante a formação desestimulam os alunos

postado em 05/08/2013 10:24
A um semestre da formatura, Nobu Kahi trocou o curso de engenharia agronômica pelo de artes cênicasCom o aumento do número de ingressantes nos cursos de engenharia do Brasil, também sobe o índice de evasão nas faculdades. De acordo com Censo da Educação Superior do Ministério da Educação (MEC), o número de matrículas cresceu 152% entre 2001 e 2011, superando pela primeira vez o curso de direito. Em contrapartida, dois estudos mostram que mais da metade desses estudantes abandona a graduação antes da formatura.

Levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), feito a partir dos dados do Censo da Educação Superior, mostrou que, dos 105.101 estudantes que ingressaram nos cursos de engenharia em 2007, 57% desistiram no meio do caminho. Já a pesquisa da Associação Brasileira de Ensino de Engenharia (Abenge), que considera seis anos como tempo de formação ideal, revela que 50% dos estudantes deixaram o curso. O aumento dos índices ocorreu tanto em instituições públicas quanto privadas. Entretanto, a taxa nas particulares foi maior: em torno de 60%, segundo a pesquisa da CNI.

Deficit de profissionais

O Brasil forma 45 mil engenheiros por ano, mas a necessidade do mercado chega a 70 mil profissionais, de acordo com a Abenge. Na análise de especialistas, o panorama é preocupante e mostra que é necessário discutir mudanças na estrutura curricular ; que ainda oferece pouca prática nos anos iniciais da graduação ;, além de promover o acompanhamento desses estudantes, que ingressam no ensino superior com formação deficiente nas disciplinas de cálculo, como matemática e física.

Segundo a Abenge, o índice de desistências salta para 80% no primeiro ano do curso. ;Temos um currículo com conotação muito forte na matemática e nenhuma sinergia com a profissão. O aluno fica dois anos estudando sem nenhum contato com a área profissional. Ele vai com uma sede muito grande de vivência e fica só na teoria;, comenta o consultor da Hoper Educação, Romário Davel. De acordo com ele, o currículo das escolas brasileiras possibilita a formação de um ;engenheiro técnico;, e não de um ;engenheiro gestor;. ;Poucas universidades conseguem formar um engenheiro gestor, que tenha autonomia, e isso é culpa do currículo brasileiro, que é muito arcaico. Há instituições no exterior que sequer apresentam cálculo em seus currículos;, exemplifica.

O estudante Wesley Martins, 20 anos, desistiu do curso de engenharia elétrica quando estava no quarto semestre. Para ele, o ritmo era desgastante. ;Não é que eu não gostasse do meu curso, mas ele não correspondia às minhas expectativas. Eu pensava que só a remuneração me motivaria, mas não foi o suficiente;, diz o estudante.
O mercado aquecido e a expectativa pela chegada dos grandes eventos, como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, incentivaram a procura pelos cursos de engenharia nos últimos anos. O piso salarial é de R$ 5,7 mil, mas o mercado chega a pagar R$ 18 mil a um profissional experiente, segundo o consultor Romário Davel.

A remuneração foi um dos fatores que estimulou o estudante Nobu Kahi, 25 anos, a optar pela formação em engenharia agronômica na Universidade de Brasília (UnB). No entanto, a apenas um semestre da formatura, Nobu desistiu do curso e prestou vestibular para artes cênicas. Apesar de estar satisfeito na área em que atua agora, ele lamenta pela remuneração robusta que receberia na outra profissão. ;O pior é que essa mudança de curso é totalmente solitária. Família, amigos; todo mundo incentiva você a ficar na engenharia por causa da remuneração. Mas a minha área era totalmente restrita em Brasília, eu teria que me tornar concurseiro ou me mudar, e isso tirou meu gosto pelo curso.;

Suporte

Para o diretor da Abenge, Vanderli Fava de Oliveira, o estudante de engenharia precisa receber apoio pedagógico e suporte socioeconômico para permanecer no curso. ;Os estudantes chegam com uma base muito fraca em matemática e física e oferecer só o curso de nivelamento não funciona. Na Universidade de Rosário, na Argentina, por exemplo, é feito um acolhimento, com reforço e acompanhamento de tutores. O estudante precisa aprender a estudar engenharia;, comenta.
Já o suporte socioeconômico seria dado por meio de bolsas de auxílio estudantil. De acordo com Oliveira, a evasão nas instituições particulares é provocada pela incapacidade do aluno de conciliar o trabalho ; de onde tira recursos para pagar a faculdade ;, com as exigências do curso.

A evasão é menor nas escolas de elite da engenharia, como o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e o Instituto Militar de Engenharia (IME), em que o índice de abandono não chega a 5%. Nessas instituições, o estudante recebe auxílio financeiro para manter o foco nos estudos. ;Nossa seleção também é rígida e quem entra tem que ter uma base muito boa. Além disso, nós já estamos discutindo a mudança no currículo. Uma forma de estimular a prática dos alunos foi incentivar as competições entre as escolas de engenharia. Isso desperta muito interesse dos estudantes;, comenta o reitor do ITA, Carlos Pacheco.
Enquanto isso, outras faculdades batalham para diminuir os índices de evasão. É o caso da UnB. Na instituição, de acordo com o diretor da Faculdade de Tecnologia (FT), Antônio Brasil, a taxa de desistência fica em torno de 28%. Para ele, a criação do curso de engenharia da FGA é um recurso para diminuir esse abandono. ;O estudante entra em um tronco comum de disciplinas e só depois de dois anos escolhe a engenharia que quiser. É uma forma de evitar que ele tome decisões muito cedo e se arrependa;, afirma.

O mercado não espera

Em nota, o Ministério da Educação (MEC) afirmou que não há evasão nos cursos, e sim ;atrasos históricos; na formação dos alunos, provocados pelo mercado, que capta a força de trabalho ainda na universidade. De acordo com o MEC, ;muitas vezes o abandono se dá por questões financeiras, pela incapacidade de pagamento. O Fies (Programa de Financiamento Estudantil) vem corrigindo essa distorção. Atualmente, são mais de 150 mil financiamentos para os cursos de engenharia;.

Entretanto, de acordo com Carlos Pacheco, reitor do ITA, a política de expansão de vagas adotada pelo ministério nos últimos anos de nada valerá se os estudantes não receberem incentivo para ficar no curso. ;O aumento no número de alunos ingressando nos cursos é bom, mas o problema não está resolvido. É preciso ter uma política pública de formação, sim, mas até as pessoas conseguirem aderir a um projeto como esse pode demorar sete ou oito anos. Só que o mercado não espera. Você precisa ter algum planejamento estratégico para manter esse aluno na escola;, comenta Pacheco.

Para o consultor da CNI Roberto Lobo, há risco de que a evasão continue, mesmo com o aumento no número de ingressantes. ;Se as pessoas que entrarem continuarem com a péssima formação que temos atualmente nas matérias de cálculo, só teremos um aumento na taxa de evasão nos próximos anos;, considera.

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