O debate sobre assédio moral e abuso de autoridade no ambiente de trabalho ganhou relevância no mundo inteiro. As reclamações se avolumam dentro e fora dos tribunais e revelam a triste estatística de milhares de funcionários fragilizados por humilhações. A violência cotidiana ocorre em todas as esferas, alastrou-se no serviço público, chamou a atenção do Congresso Nacional e foi tema de audiência na Comissão de Direito Humanos e Minorias (CDHM), da Câmara dos Deputados. Às vezes acobertado por colegas das vítimas, esse mal causa sérios prejuízos à saúde dos trabalhadores e aos cofres públicos, com indenizações e terapias pagas a aposentados e pensionistas precoces.
A procuradora regional do trabalho Adriane Reis Araújo reforça que o ato tem alto custo social, pois afeta a produtividade e leva ao afastamento prematuro. ;O assédio é uma prática violenta contínua com efeito de ofender a dignidade da pessoa, de desqualificá-la e de humilhá-la;, descreve.
Estudos do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional) mostram que, entre dez afastamentos de auditores da função, pelo menos oito são relacionados a esse tipo de constrangimento. Entre os casos de abusos diários denunciados pelo Sindifisco, em empresas públicas e privadas, há registros de xingamentos, gerentes que obrigam funcionários que não cumprem metas a latir, a se deitarem em um caixão ou a rebolar em reuniões, além de proibições descabidas, como funcionários que não podem ir ao banheiro mais de duas ou três vezes ao dia. O grande problema é que esse terrorismo contra o lado mais fraco é difícil de provar.
Quando uma pessoa é hostilizada, ridicularizada ou desacreditada, os colegas, por medo e vergonha de serem identificados com a fraqueza da vítima, fazem um pacto de tolerância e silêncio coletivo e, às vezes, reproduzem os atos do agressor. Esse é o chamado bullying horizontal, ou mobbing. ;Esse tipo de problema ocorre quando um grupo passa a praticar assédio psicológico contra um colega de mesmo nível hierárquico, por exemplo, por meio de críticas e comentários, disseminação de rumores ou pela ridicularização. Por vezes, esse comportamento parte de pessoas que buscam, de formas pouco profissionais, agradar aos superiores, repetindo, quando possível, seus atos;, analisa Susana Falchi, diretora executiva da HSD Consultoria em Recursos Humanos.
Ações judiciais
Foi registrada na 12; Vara do Tribunal Regional do Trabalho da 10; Região, em Brasília, uma reclamação trabalhista de um servidor da Caixa contra vários membros da diretoria . Na ação, o advogado Silvio Pereira informa que um alto funcionário cometeu assédio por mais de três anos e foi considerado culpado pela comissão de ética da empresa. De acordo com o advogado, apesar de servidor exemplar, seu cliente foi transferido diversas vezes e perdeu gratificações. A Caixa não revelou a quantidade de processos sobre o assunto, o número de condenados nem o montante pago em indenizações. Em nota, informou que aguarda instrução e julgamento do caso e que ;não admite situação de assédio moral em seus quadros;.
Leilane Ribeiro, presidente do Sindicato dos Servidores do Plano Especial da Polícia Federal, relatou, durante a audiência na CDHM, a discriminação entre os servidores administrativos da Polícia Federal em relação aos policiais. Ela diz ser grande o número de assédios morais, mas comenta a dificuldade de se conseguir provas para fazer denúncias, além dos próprios servidores reconhecerem o assédio e terem coragem para tomar iniciativa. Entre os trabalhadores do setor, a depressão é constante.
Nem mesmo a Justiça foge à regra. Em carta, o Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário e do Ministério Público da União (Sindjus-DF) narrou que a atual gestão do Superior Tribunal Militar (STM), presidido pelo ministro general de Exército Raymundo Cerqueira, provocou um processo de militarização dentro do órgão ; um tribunal civil. Cidadãos são humilhados no restaurante por militares que chamam civis para o confronto físico. Muitos marcham e bradam pelos corredores jargões da caserna. Há casos sendo investigados pelo Ministério Público de servidores obrigados a ;pagar 10 flexões; como punição. De acordo com a assessoria de imprensa do STM, após a publicação da carta do Sindjus, foi encaminhada mensagem aos servidores reafirmando o compromisso de apuração dos desvios de comportamento.
Entenda o que é
Para ser considerada assédio moral, a exposição dos trabalhadores a situações constrangedoras precisa ser repetitiva e prolongada durante a jornada de trabalho e no exercício das funções, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e antiéticas de longa duração, por parte de um ou mais chefes.