Trabalho e Formacao

A busca pelo trabalhador do século 21

Empresas precisam de profissionais com habilidades diferentes daquelas aprendidas pela geração anterior. As escolas têm de discutir mudanças no currículo para garantir que a mão de obra chegue preparada ao mercado

postado em 04/05/2014 10:50

Gerson participou de programa de trainee e aprendeu a ser mais proativo

O mundo mudou, mas as escolas continuam as mesmas. Os trabalhadores que elas ajudam a formar, portanto, saem despreparados para atender as exigências do mercado. Os movimentos repetitivos característicos do modelo fordista de produção deram lugar a ocupações que necessitam de funcionários capazes de ir além das tarefas cotidianas e tragam inovação para as empresas. Entre as competências buscadas, estão as capacidades de trabalhar em equipe e de lidar com a tecnologia, e até mesmo habilidades básicas de leitura, escrita e raciocínio lógico (veja o quadro).

Países em todos os continentes estão em busca de um caminho para garantir o desenvolvimento dessas habilidades desde a primeira infância, durante a educação básica e ao longo da vida profissional. Na última semana, Brasília sediou um seminário que discutiu o tema. O Pisa e Piaac: melhores competências, melhores empregos apresentou resultados de dois estudos internacionais promovidos pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (ODCE) para mostrar o desempenho em educação de algumas das nações que participam da organização e como ele tem impacto nas competências dos trabalhadores (veja o gráfico).

Um dos documentos que serviu de base para o evento deixou claro que, sem o investimento adequado em competências, as pessoas permanecem às margens da sociedade, e o progresso tecnológico não se traduz em crescimento econômico. Dessa forma, os países não têm condições de competir no mercado global. A saída apontada é a restruturação dos currículos escolares, de maneira a contextualizar melhor o conteúdo ensinado e adaptá-lo ao que os estudantes realmente vão precisar saber para entrar no mercado de trabalho.

Empresas precisam de profissionais com habilidades diferentes daquelas aprendidas pela geração anterior. As escolas têm de discutir mudanças no currículo para garantir que a mão de obra chegue preparada ao mercado

Apesar de o Brasil não ter participado da Pesquisa de Competências de Adultos (Piaac, na sigla em inglês), o presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais, José Francisco Soares, acredita que o fato de o evento ter ocorrido em Brasília ajudou a acender o debate aqui e em toda a América Latina ; dos 24 países avaliados no estudo, nenhum representa o continente. ;O estudo mostra a experiência de alguns países que estão na liderança e que recebem uma geração menos preparada para o mercado de trabalho;, disse, no fim do evento. Soares explicou que, se o governo optar por participar das próximas edições da pesquisa, será necessário um esforço conjunto e que, além do Inep, órgãos como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) devem participar da coleta de dados.

Engajamento
Para Lígia Pereira, vice-presidente de Relações com Organizações Privadas da Associação Brasileira de Recursos Humanos no Distrito Federal (ABRH-DF), o que as organizações precisam hoje é de pessoas capazes de resolver problemas. Além disso, eles precisam ser trabalhadores globais, que olhem as coisas de forma mais ampla, entendam a tecnologia e dominem outros idiomas ; requisito necessário em razão das constantes internacionalizações e aquisições de empresas. ;O mundo mudou, e nós temos que acompanhar essas mudanças. Alguns países estão em níveis muito mais avançados do que nós. Eles se planejaram melhor, conseguiram ver esse problema com antecipação e estão mais preparados para enfrentá-lo. Nós esperamos pelo crescimento do país, mas nunca nos preparamos para ele, e, agora, estamos correndo atrás.;

A dificuldade em encontrar esse tipo de profissional faz com que muitas empresas invistam, cada vez mais, em capacitação. ;Mas as pessoas ainda se prendem muito ao descritivo do cargo, o que limita não somente a empresa, mas também a carreira do profissional, o que é mais preocupante. Elas não entendem a relação com a empresa como uma parceria: à medida que eu contribuo, eu tenho crescimento;, explica. Do lado das empresas, a especialista acredita que falta ainda mais empenho na qualificação dos funcionários, principalmente em Brasília.

Foi durante a participação no programa de trainee da empresa em que trabalha que Gerson Menandro Júnior, 32 anos, adquiriu uma das principais competências da carreira: a proatividade. A liberdade para fazer as tarefas, o estímulo a assumir riscos e o exemplo dos líderes com que trabalhou foram fatores determinantes para o crescimento na organização, segundo ele. ;Tem líderes nos quais eu me espelho até hoje;, conta.

Atualmente, ele é gerente comercial na fabricante de bebidas Ambev e busca nos funcionários que contrata e que lidera as mesmas habilidades que desenvolveu ao longo da trajetória profissional, como liderança, capacidade de negociação, trabalho em equipe, flexibilidade e capacidade de solucionar problemas.

Educação básica

O diretor Educacional do Instituto Presbiteriano Mackenzie, Solano Portela, afirma que a educação básica no Brasil tem dado pouca ênfase às habilidades básicas ; matemática, português e uma visão global das ciências. ;Sem esse alicerce, o desempenho funcional será deficiente, independentemente da área de atuação ou de quão nova for a profissão a ser exercida;, atesta. Por outro lado, ele acredita que as escolas têm respondido adequadamente à formação de cidadãos conscientes, envolvendo os alunos em projetos que entrelaçam as diversas áreas do saber.

A principal crítica do especialista é com relação às diretrizes governamentais. Na opinião dele, o currículo obrigatório da educação básica está cada vez mais saturado, o que tem sacrificado o ensino das competências básicas e afetado o desempenho do país em avaliações como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês). ;Para suprir o mercado de trabalho, devemos conservar um olho no futuro, mas voltar às bases do aprendizado.;

Durante apresentação no seminário, o diretor adjunto de Educação da OCDE, Andreas Schleicher, reuniu dados do Pisa que mostram que o investimento em educação no Brasil tem crescido significativamente nos últimos anos e que, por enquanto, isso tem sido suficiente para garantir melhorias ao ensino do país. No entanto, ele lembrou que, em alguns anos, só o dinheiro não será mais suficiente e será preciso pensar em outra solução. Um dos passos mais importantes, segundo Andreas, não só para o Brasil como para todos os países, é ter coerência entre políticas públicas e práticas de ensino e garantir que o se faz hoje se ajustará às demandas do futuro.

Mariano Jabanero, diretor de Educação da Fundação Santillana, uma das organizadoras do seminário, defende que a escola supere o modelo clássico de ensino e mude o currículo. ;O maior esforço que temos de fazer agora é passar de um modelo de memorização para um modelo de saber fazer;, diz. Isso significa dar sentido ao conhecimento transmitido na escola e essa, segundo ele, é uma agenda mundial.

O que as empresas buscam


Confira quais são as habilidades cognitivas e não cognitivas mais valorizadas no mercado de trabalho

Leitura e raciocínio lógico

Essas são as duas habilidades cognitivas que vão contribuir para todo o conhecimento posterior. Quem não as tem encontrará dificuldades para conseguir emprego. O trabalhador precisa saber ler e interpretar textos e ter habilidade de resolver problemas, desenvolvida por meio do raciocínio lógico.

Proatividade
As empresas valorizam profissionais que mostram engajamento e ultrapassam as funções definidas pelo cargo. Quando veem uma oportunidade, essas pessoas correm atrás e a apresentam ao empregador, mesmo que não esteja dentro da obrigação delas.

Trabalho em equipe
Há uma necessidade de pessoas que mantenham relacionamentos reais, e não somente virtuais, com os colegas e com grupo o trabalho. Esses profissionais têm de ser tolerantes e amáveis. O mercado quer extroversão com respeito, e não introversão com individualismo desagregador.

Condutas, atitudes e valores

À medida que as exigências do mercado aumentam, se torna mais importante desenvolver característica de caráter, tanto aquelas ligadas ao desempenho, como adaptabilidade, persistência e resiliência, quanto as ligadas à moral ; integridade, justiça e ética.

Competências do século 21
São habilidades de alto nível, essenciais para absorver conhecimentos e para o desempenho no trabalho. Podem ser resumidas em quatro ;C;: criatividade, comunicação, colaboração e crítica (pensamento crítico).

Visão sistêmica
Está cada vez mais comum o uso do termo trabalhador global, pessoas que estejam sempre atentas a mudanças no mercado e na sociedade e que se envolvem em todas essas esferas. É importante ainda desenvolver a visão sistêmica dentro da empresa e saber se relacionar com as diversas áreas do negócio.

Tecnologia e idiomas
É necessário ter um domínio produtivo da tecnologia e manuseio natural dos recursos de conectividade. Além disso, é preciso dominar outros idiomas e conhecer culturas estrangeiras. Antes, essas características eram diferenciais no currículo. Hoje, são uma obrigação.

Fontes: Solano Portela, Lígia Pereira, Mariano Jabonero e estudo Melhores competências, melhores empregos, melhores condições de vida.

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