Trabalho e Formacao

Trajeto mais curto para o trabalho

Trabalhar perto de casa é opção para evitar as dificuldades do transporte. O profissional que mora próximo ao emprego é atraente na visão do empregador, mas especialistas afirmam que qualidades do candidato também influem

postado em 24/08/2014 12:22
O analista de sistemas Giovane Prado trocou uma casa no Guará por uma quitinete na Asa Norte para ficar mais próximo da empresa (André Violatti/Esp. CB/D.A Press     )
O analista de sistemas Giovane Prado trocou uma casa no Guará por uma quitinete na Asa Norte para ficar mais próximo da empresa


Sair de casa e pegar engarrafamentos intensos na ida e na volta do trabalho é o tipo de rotina que os trabalhadores estão cada vez menos dispostos a enfrentar. Isso explica o rápido crescimento de iniciativas como a startup Easy Emprego, site que utiliza a geolocalização para indicar vagas mais próximas à residência do usuário. Em operação desde janeiro deste ano, o serviço gratuito conta com cerca de 700 empresas cadastradas e 2 mil usuários.

Morador do Rio de Janeiro, o criador da empresa passava diariamente pelo problema. ;A ideia surgiu da minha experiência. Já morei muito longe do trabalho e chegava a ficar até seis horas por dia parado no trânsito;, revela Renan Godinho, 24 anos. Para usar o serviço, basta fazer um cadastro indicando o CEP da residência ou da empresa. Outras opções de busca incluem área profissional e faixa salarial desejada. Além das vagas de emprego, há uma sessão dedicada à contratação de freelancers.

No Distrito Federal, o site oferece número limitado de oportunidades, com aproximadamente 10 negócios e 450 utilizadores cadastrados, mas há planos de expandir e consolidar a iniciativa nacionalmente. ;Tivemos respostas muito positivas tanto de empresas quanto de usuários. Muitos mandaram mensagens dizendo que a ideia é realmente útil;, diz.

A vendedora Vanessa perde horas no trajeto entre Ceilândia e o trabalho itinerante entre diversas cidades do DF (Juliana Espanhol/Esp. CB/D.A Press)
A vendedora Vanessa perde horas no trajeto entre Ceilândia e o trabalho itinerante entre diversas cidades do DF


Mais perto de casa

Ainda que não enfrentem problemas de mobilidade tão graves quanto os de cidades como Rio e São Paulo, brasilienses começam a buscar proximidade com o local de trabalho. ;O foco de quem decide morar perto do serviço é qualidade de vida. Brasília conta com uma população numerosa, e o trânsito fica muito complicado, o que leva as pessoas a terem esse desejo;, afirma Thiago Ferreira, consultor-sênior de Recrutamento e Seleção do grupo Empreza.

Foi exatamente para fugir do trânsito que Claudia Campos Caxito, 40 anos, se mudou de Sobradinho para a Asa Norte. Ela é gerente de equipe de um banco e atualmente mora a duas quadras do trabalho. ;Eu e minha família fomos para Sobradinho pela necessidade de ter espaço. Eu sentia falta de morar em uma casa. Depois de cinco anos, a questão do trânsito começou a nos desgastar. Acordávamos às 5h30 para fugir do trânsito. Agora, tenho mais tempo pela manhã e posso almoçar em casa, levar meus filhos para a escola.; A mineira, que já morou em cidades como Belo Horizonte e São Paulo, acredita que a mudança foi positiva. ;Estou muito satisfeita agora, pois ganhei mais tempo com minha família;, conclui.

Entre morar em um espaço maior afastado do trabalho ou estar a alguns passos do serviço, mas em uma quitinete, o analista de sistemas Giovane Prado, 50 anos, optou pela segunda alternativa. Ele morou por apenas seis meses no Guará antes de se mudar para a Asa Norte, onde trabalha. ;O Guará é um bom bairro, fui para lá para ter um espaço maior, mas o trânsito começou a me cansar;, conta.

Ele praticamente só usa o carro quando trabalha no período noturno. Nos outros dias, vai a pé. ;Aproveito para me exercitar. Não vejo desvantagens em morar aqui, só coisas boas. Minha qualidade de vida aumentou bastante.; Na opinião de Carolina Mangoni, diretora executiva da consultoria em gestão de pessoas B2P, a mudança também pode trazer eventuais prejuízos. ;Para o trabalhador, a possível desvantagem é que a empresa passe a vê-lo como alguém mais disponível para serviços extras, já que há facilidade de deslocamento.;

De transporte público

Aqueles que dependem de condução sentem ainda mais os efeitos da distância entre local de trabalho e residência. No caso da vendedora de chip de celular Vanessa Santos, 29 anos, cada dia é uma surpresa. ;Não tenho um local fixo de trabalho, circulo em várias cidades do DF e do Entorno. Às vezes, dá para ficar até uns dois meses no mesmo local, mas não é possível prever muito;, diz a moradora de Ceilândia. ;Uma vez tive de trabalhar em Pedregal (GO). Conseguia pegar um ônibus direto saindo da rodoviária de Taguatinga, mas tinha de esperar por mais de uma hora. Era bem demorado;, conta Vanessa. ;Se pudesse escolher, gostaria de trabalhar perto de casa, para chegar mais cedo e perder menos tempo nos trajetos.; A assistente administrativa Alani Barros Mariano, 24 anos, perde horas no caminho entre Planaltina de Goiás e a faculdade onde trabalha, no início da Asa Sul. ;Com o congestionamento, gasto mais ou menos quatro horas entre ida e volta diariamente. Se não fosse o trânsito, poderia aproveitar mais o dia e ter tempo para estudar;, diz Alani.

O lado do contratante
;Morar longe do local de trabalho pode ser motivo para desistências logo após a contratação, o que leva à insatisfação dos gestores. Também identificamos que pessoas que moram afastadas costumam apresentar mais atestados por problemas de saúde que aquelas que vivem perto;, afirma o consultor de recrutamento Thiago Ferreira.

O site de recrutamento on-line Catho, por meio de pesquisa, também identificou a tendência e deve lançar serviço de geolocalização para que as empresas cadastradas possam selecionar candidatos mais próximos do local de trabalho. ;A ferramenta deve aumentar a taxa de comparecimento às entrevistas. De modo geral, empregar pessoas que morem perto da empresa aumenta a produtividade e a satisfação dos colaboradores, além de reduzir custos de transporte;, diz Bruno Roncolato, gerente de produtos da Catho. A nova funcionalidade ainda está em fase de testes, mas deve estar disponível até o fim do ano.

Para Carolina Mangoni, diretora executiva da consultoria em gestão de pessoas B2P, as empresas do DF começam a adotar a prática pouco a pouco. ;Houve um aumento desse tipo de solicitação, mas o número ainda não é expressivo. Cerca de 20% dos clientes, principalmente proprietários de pequenos e médios negócios, buscam profissionais que morem perto do local de serviço.;

Os especialistas ressaltam, porém, que o fato de o candidato morar em determinado local não pode ser fator eliminatório numa seleção (veja quadro). ;Apesar dessa preocupação, as empresas não deixam de considerar bons profissionais que moram longe;, afirma Ferreira. ;Se o candidato tem um perfil muito bom, o empregador tende a ser flexível e a contratá-lo sem problemas;, complementa Carolina.

Palavra de especialista
O que diz a lei


Uma empresa não pode colocar o local de residência próximo como pré-requisito em uma seleção de emprego. Caso seja provado que a não aceitação para um cargo se deu por esse motivo, cabe processo, inclusive por danos morais. Na prática, os empregadores não deixam isso claro e selecionam aqueles que melhor se adequam ao cargo. Isso se dá, entre outros motivos, porque quem mora próximo ao local de trabalho nem sempre tem direito a vale-transporte. O empregador é obrigado a pagar vale-transporte para o deslocamento efetivo entre residência e local de trabalho e vice-versa. O benefício é vedado aos trabalhadores que se deslocarem de casa ao trabalho a pé, de bicicleta, moto, automóvel ou qualquer outro meio que não seja o transporte coletivo público. Se o trabalhador não precisa de transporte público para chegar ao trabalho, a princípio, ele não tem direito ao vale. Na justiça, os casos são avaliados individualmente. A distância a partir da qual se pode receber o benefício não é especificada por legislação, mas pode ser definida por acordo coletivo da empresa, por sindicatos ou por órgãos de representação de classe. Quem não recebe vale-transporte, mas acredita que deveria receber precisa, primeiramente, fazer um pedido formal ao empregador. Caso o requerimento não seja atendido, o próximo passo é a abertura de processo judicial.

Eiji Yamasaki, advogado trabalhista

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