A Ferragens Pinheiro deu os primeiros passos no Distrito Federal em 1960, quando o jovem Getúlio Pinheiro de Brito, 83 anos, passou a comercializar ferro para construção. Hoje, é um grupo de empresas, administradas, desde 2010, pela filha dele, Janine Brito, 51. ;Eu me sinto responsável e pronta para o cargo. Desde jovem, venho me preparando para prestar serviços para a empresa da minha família;, conta ela, que tem graduação em administração, é pós-graduada em direito e acumula experiência de gestão nas principais associações comerciais e sindicatos da cidade. Além de Janine, a Ferragens Pinheiro conta com nove membros da família na diretoria.
De acordo com pesquisa da PwC divulgada no fim do ano passado, 79% das empresas familiares no Brasil cresceram em 2014, número maior que a média mundial (veja quadro), e 76% projetam crescimento igual ou superior ao de 2014 nos próximos cinco anos. A maioria dos empreendimentos brasileiros (46%) tem faturamento acima de US$ 100 milhões e está entre a segunda (49%) e a terceira (24%) geração familiar. A pesquisa avaliou 122 empreendimentos no Brasil e 2,4 mil em mais de 40 países. Foram consideradas empresas familiares aquelas cujo fundador detenha a maior parte do capital e, pelo menos, um representante da família esteja envolvido na administração.
Janine admite que dá preferência para a contratação de parentes. ;Em família, desde muito pequenas, as pessoas são ensinadas a amar o negócio e a buscar vocações livremente, contanto que se encaixem dentro dos cargos que a firma oferece;, conta.
Trabalho sempre
Esse é também o caso da Farmacotécnica, grupo de farmácias de manipulação atuante no mercado do DF desde 1976. Rogério Tokarski, 65 anos, encabeça a administração dos negócios com a esposa, Romelita Tokarski, 61, e duas filhas. Ele conta que a família morava na chácara em que são produzidas as ervas medicinais. ;Desde crianças, as meninas conhecem o ciclo das plantas e decoram fórmulas químicas;, comenta.
Rogério aponta o nível de envolvimento. ;Qualquer organização precisa de responsabilidade. Em outra empresa, os funcionários levam os problemas para a diretoria. Aqui, nós temos que tomar atitude, porque a responsabilidade é nossa.; A filha Romy, 29 anos, explica que não há como se desligar da vida profissional. ;Muitas vezes, a divergência que deveria ter ficado na empresa acaba sendo levada para casa.; Ela explica que ser filha do dono é diferente do que se imagina. ;As pessoas acham que você está lá porque é filho, mas a responsabilidade é até maior. Não posso dizer que tenho um atestado: para quem é da família, não existe folga.;
Laços
De acordo com a pesquisa da PwC, o maior desafio para o crescimento apontado pelos líderes de negócios em família é a necessidade de constante inovação (71%). ;Mesmo organizações mais fechadas estão se profissionalizando e capacitando pessoal para se tornarem mais competitivas;, explica Fabiano Tessitore, sócio da PwC. O professor de administração da Universidade de Brasília (UnB) Francisco Coelho Júnior argumenta que a inserção no mercado e a profissionalização da gestão são as grandes dificuldades em negócios familiares. ;Pelo fato da transmissão de poder ocorrer de pais para filhos, nem sempre a companhia é profissionalizada, o que faz com que a taxa de mortalidade dessas empresas seja muito alta nos primeiros dois anos.;
Tanto Rogério Tokarski, da Farmacotécnica, quanto Janine Brito, da Ferragens Pinheiro, prezam pelas boas práticas. ;Se elas não tivessem competência, não tocariam o negócio, mesmo sendo minhas filhas;, defende Tokarski. Contar com um quadro de profissionais qualificados está entre as prioridades de Janine. ;Defendo que a equipe não tem que vir exclusivamente do mercado: familiares podem se capacitar para ocupar cargos na organização;, argumenta.
Na Farmacotécnica, os membros da família não têm cargos específicos. De acordo com Takarski, todos fazem parte da administração e se alocam em tarefas nas quais se sentem mais à vontade. Para o professor Francisco Coelho Júnior, essa não é a situação ideal. ;O que se recomenda é a definição dos papéis ocupacionais e das competências, independentemente do parentesco. Deve-se efetuar um arranjo formal da estrutura da organização, definindo responsabilidades, hierarquia decisória, relações de poder e de autoridade.;
Nesse aspecto, as empresas familiares brasileiras demonstram avanço. De acordo com a pesquisa da PwC, 91% têm, pelo menos, um instrumento formalizado para solução de conflitos, enquanto, globalmente, 83% das organizações adotam essa prática. Entre os diversos mecanismos, o mais comum nas empresas familiares brasileiras é o acordo de acionistas (61%), seguido pela provisão para entrada e saída (53%) e por disposições para casos de morte ou incapacidade (52%).
Sucessão
Os negócios familiares brasileiros não mostraram dados satisfatórios quanto ao plano de sucessão: 34% dos entrevistados dizem ter um plano de sucessão em vigor, mas apenas 30% deles estão formalizados. ;Um plano não assinado não passa de uma ideia;, argumenta Fabiano Tessitore, sócio da PwC. Somente 11% dos negócios em família contam com um plano bem estruturado. Na Ferragens Pinheiro, o processo de sucessão da primeira para a segunda geração será formalizado agora que o fundador da empresa não tem capacidade de dar continuidade ao trabalho. ;O processo é lento porque ele não foi desenvolvido pelos meus pais, mas está sendo preparado pelos próprios sucessores, e isso é muito delicado. Se o meu pai tivesse deixado um plano de sucessão, teria sido muito mais fácil;, admite Janine. Na Farmacotécnica, o planejamento sucessório não é uma preocupação no momento. ;Quando abrimos a farmácia, não sabíamos que teríamos duas filhas e nunca imaginamos que teríamos tantas lojas. Entendemos que estamos em pleno vigor físico e temos com o que contribuir, mas, assim que estiver tudo organizado, queremos passar o bastão para a prole;, conta Rogério Tokarski.
Fernando Brandariz, advogado especialista em planejamento sucessório, explica que o plano é importante para dar continuidade à empresa, evitar conflito entre herdeiros e impedir o ingresso de outros na diretoria da empresa. ;O documento deve prever o ingresso ou não de herdeiros e cônjuges na diretoria da empresa, apresentar formas de exclusão da sociedade dos herdeiros e a maneira de pagamento para o sócio excluído;, explica. Tessitore defende que o plano é apenas um dos instrumentos de gestão que as empresas familiares devem aprimorar para se estruturar. ;A profissionalização e a estruturação permitem que elas inovem, sejam competitivas e cresçam. Isso faz parte de um projeto de médio e longo prazos que empresas familiares precisam levar em consideração de maneira contínua.;