Há cerca de dois anos, Neila Chagas, 36 anos, deixou de trabalhar como massagista e esteticista para cuidar da avó, Janete da Silva, 82, que, após sofrer um infarto, teve um marca-passo implantado. No início de 2014, dona Janete passou 37 dias internada por causa de uma infecção bacteriana, que provocou amputação de parte do pé direito. A cirurgia diminuiu a mobilidade da aposentada, que hoje usa cadeira de rodas e depende de ajuda para fazer boa parte das atividades do cotidiano. A decisão de Neila impactou as finanças. No entanto, ela não se arrepende. ;Sair do trabalho pesou financeiramente, mas a minha prioridade é ela; diz. Além da avó, ela ajuda a cuidar de dois sobrinhos pequenos. A principal fonte de renda da família de oito pessoas é uma pensão paga pelo pai de Neila.
A situação se repete em muitos lares do Brasil. Apesar da crescente inserção da mulher no mercado de trabalho, a divisão das tarefas domésticas ainda é desequilibrada. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2011, as mulheres acumulavam, em média, uma jornada de trabalho de 58,5 horas semanais, sendo 36,2 horas fora de casa e 22,3 horas em afazeres domésticos. No mesmo período, os homens trabalhavam 52,7 horas por semana, subdivididas em 42,5 horas de serviço remunerado e 10,2 horas de tarefas em casa. E, quando é necessário se ausentar para cuidar de crianças ou de idosos, cabe a elas abrir mão do posto remunerado, na maioria dos casos.
;Praticamente não há políticas públicas de conciliação de trabalho e vida familiar no país;, afirma Andréa de Sousa Gama, vice-diretora da Faculdade de Serviço Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). ;O que temos são políticas que servem para diminuir esse conflito, como o investimento em creches e pré-escolas, além dos colégios de ensino fundamental que começam a adotar o horário integral. Quanto maior o investimento em educação básica, maior é o número de mulheres que entram no mercado de trabalho, com salários melhores e jornadas mais justas;, observa. ;A rede de cuidados aos idosos dependentes é precária. Não há cuidadores públicos, e as despesas com esse tipo de profissional oneram muito o orçamento familiar;, avalia.
Mais equilíbrio
A pesquisadora representará o Brasil em uma sessão temática sobre igualdade de gênero e o papel da mulher nos cuidados às crianças e aos idosos no contexto do bloco Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, na sigla em inglês) na próxima quarta-feira (11), às 16h, no Palácio do Itamaraty. O evento é organizado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR). De terça-feira a sexta-feira (10 e 13), em Brasília, ocorre a primeira Reunião de ministros responsáveis por assuntos pulacionais e o segundo Seminário de oficiais e especialistas em assuntos populacionais (veja quadro).
Os países do Brics guardam diferenças culturais, mas podem ser considerados semelhantes quanto à legislação sobre o assunto. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) tem três convenções sobre o equilíbrio entre vida familiar e profissional. A n; 103, sobre proteção à maternidade, foi ratificada apenas pelo Brasil e pela Federação Russa, entre os países do bloco. Já a convenção n; 156, que estabelece que trabalhadores com responsabilidades familiares não devem ser discriminados no ambiente profissional, foi adotada apenas pela Rússia. Por fim, a convenção n;183, que revisa e amplia direitos à maternidade já garantidos pelo documento 103, não é validada por nenhum dos cinco países.
;Em geral, as mulheres são vistas como responsáveis pelo cuidado das esferas reprodutiva e doméstica, enquanto o homem cuida do trabalho remunerado. Esse é um problema generalizado mundialmente;, lamenta Laís Abramo, diretora do escritório da OIT no Brasil. ;Em termos de políticas, os exemplos mais avançados estão na Europa, mas, logo em seguida, está a América Latina;, diz. A diretora ressalta, no entanto, que a questão vai além das políticas públicas.
As diferenças na divisão do trabalho entre homens e mulheres se manifestam cedo, como mostram dados do Censo de 2010 e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2013. O recenseamento mostra que, naquele ano, 48,3% das jovens de 15 a 24 anos que não trabalhavam nem estudavam eram mães. A pesquisa mostra também maior índice de mulheres dessa faixa etária fora do mercado de trabalho: 27,4% contra 16% entre os homens. Os dados da Pnad, mais recentes, mostram a mesma tendência. Em 2013, 25,8% das mulheres de 15 a 24 anos não trabalhavam nem estudavam, enquanto13,6% dos homens estavam na mesma situação. ;Essa é uma demonstração clara de como está arraigada a divisão sexual do trabalho. Ainda que as jovens tenham escolaridade mais alta, quando engravidam cedo, deixam a escola e o trabalho;, analisa Tatau Godinho, secretária de Políticas do Trabalho da Secretaria de Políticas para as Mulheres. ;É um equilíbrio difícil. Ainda que as jovens tenham prioridade para conseguir vagas em creches, o apoio dado não compensa a dificuldade da gestão familiar;, afirma.
Recomeço
Quando regressar ao mercado, Neila Chagas pretende mudar de área. ;Não sei se quero voltar a ser massagista, agora meu foco é outro. Quero trabalhar com crianças especiais e ser intérprete de libras;, diz. Para isso, ela investe em formação e começou, neste mês, o terceiro semestre do curso de pedagogia. ;Voltei a estudar por influência da minha avó;, conta. Pelo espaço limitado da casa, ela nunca considerou atender na própria residência. No entanto, a abertura de um negócio no próprio lar é a solução que muitas mulheres encontram para gerar renda e manter os cuidados com a família, como destaca a secretária de Políticas do Trabalho da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Tatau Godinho. ;No Brasil, o empreendedorismo tem crescido nos últimos três anos, puxado, principalmente, pelas mulheres. O desafio é que os negócios não sejam informais. Para isso, a formalização dos empreendedores individuais tem sido facilitada;, diz.
No caso de Luciane Fiorini, 39 anos, a saída do trabalho foi uma opção. Mãe de Laura, 3, e Alice, que hoje tem nove meses, ela decidiu não voltar ao posto de secretária executiva no Ministério da Cultura depois que a licença-maternidade da primeira filha terminou. Gaúcha, Luciane cita o fato de não ter família na capital, além do custo para contratar uma babá, como elementos que pesaram na decisão. Ela não pensa em voltar a trabalhar fora de casa por enquanto. ;Minha rotina é muito diferente. Não estou mais no salto alto e na maquiagem, mas isso não é algo que me frustra. Sou realizada;, diz. Segundo ela, o ponto negativo da condição é a gestão financeira da casa. ;Tenho de me adequar às condições financeiras do meu esposo;, conta ela, que recebe uma mesada do marido e é revendedora de cosméticos e de utensílios de cozinha. Luciane admite que, no futuro, poderia voltar a trabalhar fora, caso as condições fossem favoráveis. ;Eu trabalharia em um emprego de meio período ou em um lugar que tivesse horário flexível para acompanhar de perto as minhas filhas.;
Soluções
Entre as medidas que podem ser tomadas para diminuir a desigualdade de gênero na divisão das tarefas domésticas, estão campanhas de conscientização sobre o tema, estabelecimento de horários mais flexíveis de trabalho ; tanto para homens quanto para mulheres ; e discussões sobre temas ainda considerados polêmicos, como a ampliação da licença-parternidade. ;A responsabilização familiar do homem é um dever e um direito. Afinal, o pai que não acompanha o desenvolvimento do filho também está perdendo;, argumenta Laís Abramo, da OIT. ;Existe uma falsa percepção de que o trabalho doméstico não toma tempo. Isso deve ser mudado;, diz Andréa de Sousa Gama.
Programação
Primeira Reunião de Ministros Responsáveis por Assuntos Populacionais do Brics
Data: 12 de fevereiro
Segundo Seminário de Funcionários e Peritos em Questões Populacionais do Brics
Data: 10 a 13 de fevereiro
; Ao fim dos quatro dias de evento, será apresentado um plano de trabalho conjunto, firmado entre os representantes do Brics, voltado para os assuntos de população e desenvolvimento