Promissor, o mercado voltado ao público gay no Distrito Federal ainda engatinha, mas, com a expansão do direito à união estável e o avanço da sociedade na aceitação da diversidade sexual, o público LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros) surge como importante nicho de empreendimento na capital federal. Um exemplo é a empresa Toujours, inaugurada em novembro de 2014, pioneira na organização de festas de união civil entre homossexuais no Centro-Oeste. Entre os serviços oferecidos, estão assessoria jurídica, organização de cerimônias, convites, recepção, locação de veículos, dicas de personal stylist e até planejamento da viagem de lua de mel. A iniciativa é dos sócios Francisco Biondo, 56 anos, Gabrielle Bennet, 37, e Claudia Hahon, 44. Segundo Gabrielle, quem souber aproveitar o potencial dessa clientela só tem a lucrar. Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que indicam que os homossexuais constituem 10% da população de Brasília, confirmam a previsão. Os percentuais podem ser ainda maiores, já que o levantamento mais atualizado foi realizado em 2009.
;A classe social e o nível de cultura desse público são mais elevados. Consequentemente, gays e lésbicas tendem a ser mais exigentes. Isso demanda maior criatividade e excelência na prestação de serviços. Além disso, um casal homoafetivo costuma participar mais nas decisões acerca do casamento. Ter sensibilidade, buscando atender às expectativas de cada um, é crucial;, revela Gabrielle. ;A ideia surgiu após dados de uma pesquisa sobre o público gay no país. Com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de oficializar o casamento entre iguais, decidimos oferecer a esse público um serviço mais direcionado;, conta Francisco.
Apenas em 2013, segundo a Estatística de Registro Civil, ocorreram 3.701 casamentos homoafetivos no país, cerca de 10 por dia. Só no Distrito Federal, foram realizados 83 registros. O número é tímido e representa 0,35% do total de mais de 1.052.477 uniões civis realizadas no Brasil em 2013. Segundo Evaldo Amorim, secretário regional da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), a quantidade deve aumentar. ;Com o passar do tempo, esse número tende a crescer, já que, graças à maior liberdade conquistada, a vontade de formar uma família parece mais natural;, afirma.
De acordo com a Associação Brasileira de Turismo para Gays, Lésbicas e Simpatizantes (Abrat-GLS), o perfil movimenta R$ 150 bilhões por ano no Brasil. Além disso, 78% dos gays têm cartão de crédito e gastam 30% a mais que héteros em bens de consumo. Com renda per capta acima de R$ 3 mil, 47% desse público pertence à classe AB. ;Existem mercados para todos os públicos. O turismo para a terceira idade, para os que buscam aventura e para o público homossexual estão em alta;, afirma Rossi Campos, membro da associação.
Gay-friendly
Estão em alta as instituições chamadas de gay-friendly ; termo usado para identificar locais onde a presença de gays é bem-vinda. De acordo com Alexandre Penna, publicitário e analista de mercado do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), porém, é um engano acreditar que um empreendimento precisa, necessariamente, direcionar serviços e produtos a determinado público para agradar os LGBT. Em vez disso, o empreendedor deve criar um ambiente favorável e receptivo a fim de chamar a atenção, procurando atender as necessidades dessa clientela. ;O ideal é compreender que existem diferentes graus de diversidade no perfil de cada consumidor, que independem da sexualidade;, orienta.
O especialista afirma, ainda, que quem pensa em empreender não deve temer rótulos. ;Marcas famosas, como Itaú e Nike, se consolidaram como gay-friendly. Em 2012, no Dia dos Namorados, o banco publicou uma foto composta por três casais ; um hétero, um gay e um de lésbicas ; com os dizeres: Feliz Dia dos Namorados do seu jeito. Na era das redes sociais, dialogar com clientes, sem discriminação, além de gerar respostas positivas por parte de uma geração mais aberta à diversidade, tende a atrair a atenção de um público que costuma ser fiel quando se sente representado;, ressalta.
Voltada ao público alternativo há 15 anos, A Loja.com se consolidou como marca de roupas vinculada ao projeto Casa de Criadores, formado por jovens estilistas de todo o Brasil. A grife acabou há cinco anos, mas a iniciativa foi ressuscitada pelo DJ Fernando Cunha, 33, há três anos na 307 Sul. A boutique de grifes famosas continua a agradar o público homossexual, mas não é voltada apenas a ele. ;Estamos conectados a tendências, o ambiente é acolhedor, e as portas estão abertas a todos. O objetivo não é criar uma ditadura de quem pode consumir nossos produtos, mas sim oferecer opções a um público com bom gosto e que sabe o que quer;, conta a gerente comercial Carolina Ribeiro, 35.
Referência entre gays da cidade, o ponto aposta na receptividade, e os colaboradores são orientados a manterem postura profissional e a serem receptivos, independentemente da sexualidade dos fregueses. ;Treino os funcionários pessoalmente. Uma ofensa contra um cliente é uma ofensa pessoal. Além disso, o estabelecimento pode enfrentar processo legal por uma atitude tão primitiva que pode ser evitada;, explica o proprietário Fernando Cunha.
A Kathedral, casa de festas localizada no Park Sul, preza pela pluralidade. ;Somos livres de rótulos: todos são bem recepcionados;, garante o dono Caio Barbieri, 34 anos. ;A receptividade tem sido gratificante;, comenta. Sobre os LGBT, o empresário é enfático: ;O público é maravilhoso. São pessoas que gostam de diversão. Como consumidores, não poupam investimentos em atividades de lazer;, constata.
Pela diversidade
O estudante de administração Vinícius Bragança, 22 anos, encara a adequação comercial com otimismo. ;Algumas lojas, apesar de não serem voltadas a um público específico, acabaram caindo nas graças dos gays, tanto pela receptividade quanto pela inserção dessa minoria no quadro de empregados. Mais importante do que oferecer produtos exclusivos a homossexuais é trabalhar o aspecto da inclusão, com treinamento funcional;, opina. O vendedor Julio Cardoso, 24, é consumidor assíduo do mercado gay da capital e constata problemas. ;Já sofri e presenciei atos de homofobia em ambientes ditos inclusivos, como shoppings e restaurantes. Mais do que o título de receptividade, é importante que o treinamento seja claro: diferenças existem e devem ser respeitadas;, relata.
O Beirute é um dos mais tradicionais pontos entre LGBTs na Capital Federal. Em vez de inclusivo, José Angélico de Jesus, 57 anos, garçom do bar há 23, prefere o termo democrático. ;Estamos abertos a todos os tipos de consumidores, sem discriminação. Quanto ao treinamento, ele é passado por tradição. Sabendo que o público gay é tão presente, os funcionários precisam abrir a mente para se adequar, sem qualquer tipo de preconceito;, conta.
Palavra de especialista
É importante que as empresas se atentem à adequação de produtos e serviços para homossexuais, sem que isso signifique o desenvolvimento de uma linha específica. Em um ambiente gay-friendly, além de a presença de gays ser bem-vinda, os funcionários precisam ser treinados para atender tanto o público gay quanto o não gay, ratificando a importância da isonomia para a construção de uma sociedade justa e digna. O mais importante é que transpareça o posicionamento de intolerância à homofobia. O respeito à dignidade e à diversidade devem ser constantes em qualquer empreendimento sério.
Manoela de Assís Neto, professora de administração da UnB