No Dia Internacional da Mulher, o Brasil tem pelo menos um motivo para comemorar: entre os países do G-20, o país fica em 5; lugar em quantidade de mulheres em funções de liderança no setor público, de acordo com pesquisa da consultoria Ernst & Young (EY). Com 34% de participação feminina nos postos de chefia, o Brasil só fica atrás do Canadá, da Austrália, da África do Sul e do Reino Unido (veja quadro). No entanto, quando se leva em conta a participação feminina no setor privado e no Congresso Nacional, o resultado brasileiro é bastante inferior: 5% e 9%, respectivamente, o que classifica o país em 15; e 19; lugares nesses quesitos. ;Temos de quebrar paradigmas para conquistar mais representatividade feminina em todos os campos da sociedade brasileira. Faltam programas afirmativos;, afirma Liliane Junqueira, líder de Governo e Setor Público da consultoria de negócios EY.
De acordo com pesquisa da Escola Nacional de Administração Pública (Enap) sobre servidores públicos federais do Poder Executivo, a participação de mulheres chegou a 46% em 2014, o que corresponde a mais de 248 mil trabalhadoras. Elas também são maioria em cargos de chefia, em percentuais que vão de 59% a 54%, de acordo com o tipo de cargo ou gratificação. ;Houve evolução, no entanto há mais servidoras com ensino superior e pós-graduação e isso não se reflete na distribuição das gratificações mais altas;, comenta o diretor de Comunicação e Pesquisa da Enap, Pedro Luiz Cavalcante. Nos cargos de Direção e Assessoramento Superior (DAS) níveis 5 (R$ 10.429,65) e 6 (R$ 12.972,50), os mais altos, o percentual de mulheres era de apenas 28% e 19% em 2014.
Para a coordenadora-geral de Pesquisa da Enap, Marizaura Camões, processos seletivos objetivos são fundamentais para aumentar o equilíbrio. ;A atribuição da maioria dos cargos de chefia é por indicação, mas há experiências mais meritocráticas na administração pública, em que são realizados processos seletivos;, afirma. Outro fenômeno observado pela pesquisa é a concentração feminina em áreas sociais. No Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), por exemplo, o índice de chefes do sexo feminino chega a 52%, enquanto, no Ministério da Defesa, a liderança de mulheres é de apenas 15%. ;Em parte, isso reflete escolhas profissionais, mas também é influenciado pela cultura organizacional;, afirma Pedro Luiz Cavalcante.
A distribuição se repete no comando de ministérios. Nesta gestão da presidente Dilma, quatro das seis ministras estão em pastas sociais: Desenvolvimento Social e Combate à Fome; Secretaria de Direitos Humanos; Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e Secretaria de Políticas para as Mulheres.
Movida a desafios
Servidora do Tribunal de Contas da União (TCU) há 15 anos, Simone Barbosa, 49 anos, é também diretora de Integração Regional no Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo (Sindilegis). No TCU, ocupa o cargo de oficial de gabinete do ministro Augusto Nardes. Antes disso, Simone chefiou diversos setores do tribunal, como a gráfica, o cerimonial e a folha de pagamento. ;Sou movida a desafios e tenho facilidade para me adaptar a mudanças;, diz ela, que acredita que essas características foram importantes para obter cargos de liderança. Simone admite que, muitas vezes, o gênero ainda é um empecilho no ambiente de trabalho. ;O grande desafio no serviço público é se impor e ser respeitada. Já recebi várias cantadas... É preciso ser segura e ter consciência da própria capacidade.;
Competência
No Superior Tribunal de Justiça (STJ) há 25 anos, Sulamita Marques, 48, é secretária de Orçamento e Finanças do órgão, à frente de uma equipe de cerca de 50 pessoas. Formada em direito e em contabilidade, Sulamita foi uma das primeiras de sua família a ingressar no serviço público, assim como a completar o ensino superior. ;No setor privado, há diferença salarial para as mulheres e é mais difícil ascender na carreira;, avalia. Ao longo dos anos, Sulamita viu o número de representantes femininas crescer em cargos de liderança no STJ. ;Aqui, não percebo discriminação. O critério é a competência, o que faz sentido, porque as mulheres vêm se qualificando cada vez mais;, diz. O estudo, assim como a dedicação, são peças-chave para o sucesso profissional. ;Se você se atualiza, mostra que é determinada e tem capacidade, o reconhecimento é natural.;
Flexibilidade
Economista formada pela Universidade de Brasília (UnB), Anamélia Seyffarth, 51 anos, é secretária executiva da Câmara de Comércio Exterior (Camex) desde janeiro deste ano. Chefiando uma divisão com cerca de 40 funcionários, Anamélia é responsável por prestar assessoria direta ao ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), Armando Monteiro Neto. Na visão da servidora, planos de carreira bem estruturados e a adoção de políticas, como creche no local de trabalho, são benéficos às mulheres. ;Uma progressão profissional mais lenta e meritocrática é melhor para as mulheres, pois elas não precisam ter medo de perder um cargo muito alto conquistado cedo demais.;
Mãe de dois filhos, de 23 e 13 anos, ela passou por órgãos com mais e menos suporte às mães. Na época em que a filha mais velha era pequena, Anamélia morava no Rio de Janeiro e trabalhava na comissão de comércio exterior do Ministério da Fazenda em um cargo comissionado. ;Lá, havia creche no próprio prédio, o que dá mais segurança e conforto. Quando meu segundo filho nasceu, em Brasília, me mudei para mais perto do trabalho e, assim, podia ficar com ele no almoço;, conta. Ela destaca a flexibilidade que encontrou no retorno da licença-maternidade. ;Fui promovida pouco tempo depois de voltar à Assessoria de Assuntos Internacionais da Fazenda;, relembra.
Ministra aos 50
A força da mulher negra
Nascida em Belo Horizonte, Nilma Lino Gomes assumiu o posto de ministra da Igualdade Racial em janeiro deste ano. Das salas de aula do curso de pedagogia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ela chegou à reitoria da Universidade de Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), situada em Redenção (CE). Foi a primeira mulher negra a assumir tal cargo em uma universidade federal no país, em 2013. Com uma carreira acadêmica marcada por estudos que envolvem tanto gênero quanto relações étnico-raciais, a ministra ressalta a posição da mulher negra nessa data comemorativa. ;No Dia Internacional da Mulher, muitas vezes ouvimos falar da mulher de forma genérica. Mas nessa data, acho importante destacar a força das mulheres negras. Desde as nossas ancestrais, que foram trazidas para cá escravizadas e ajudaram a construir a família dos próprios colonizadores, até hoje, nos diversos espaços em que atuamos;. Confira entrevista com a ministra.
Como você vê a representatividade da mulher negra em posições de liderança?
Esse representatividade ainda é pouco significativa perto do que somos quantitativamente como mulheres negras na sociedade brasileira e perto também da formação que já possuímos. É uma grande falácia que deve ser superada é a ideia de que as mulheres negras, e os negros em geral, não estão representados em certos lugares de poder, seja na dimensão pública quanto na privada, porque nós não temos quadros qualificados. Talvez nós não tenhamos a quantidade de quadros qualificados que deveríamos ter no momento em que vivemos na sociedade brasileira hoje, mas as lutas, as políticas de promoção de igualdade racial têm conseguido colocar mais em evidência para a sociedade de que nós podemos participar de lugares públicos, do mercado de trabalho, com mais qualificação do que 20, 30 anos atrás. Essa é uma discussão muito séria que ainda temos de fazer sobre a construção de oportunidades iguais, entre machismo, sexismo e racismo.
O que te motivou a estudar relações étnico-raciais?
Eu venho de uma família de negras e negros que sempre tiveram orgulho de serem negros. Depois fui normalista e continuei no caminho da educação. Me formei professora e fui trabalhar em escolas públicas, onde a maioria dos alunos eram negros. Numa certa altura da minha trajetória, eu também fui trabalhar numa escola particular, com estudantes da classe média alta de Belo Horizonte. Talvez seja ali, naquele momento, que eu tenha levado um certo choque entre ser uma mulher negra e professora, vir de uma família que tinha uma presença afirmativa da questão racial e começar a lidar com as questões do racismo no campo profissional. Na forma como eu era vista, na forma como eu tinha de reeducar tanto os estudantes da escola pública quanto os alunos da escola privada. Foi aí que comecei a perceber que a educação era um espaço importante para a reeducação nas relações étnico-raciais. Há 20 anos não havia tantos discussões e pesquisas sobre o assunto no campo acadêmico. Havia uma lacuna no campo de estudos em que eu podia contribuir. Na minha opinião, a educação tem um papel primordial de formar e reeducar uma prática anti-racista.
Quais foram os principais desafios na sua trajetória profissional?
No campo acadêmico, avançamos muito nas pesquisas em ciências sociais e humanas que debatam as questões raciais. Mas outras áreas, exatas, biomédicas e de tecnologia são ainda descobertas de estudos sobre como as questões étnico-raciais têm relação com temas específicos dessas grandes áreas. Nós hoje temos mais estudantes negros nas universidades públicas e privadas, mas há o desafio da permanência. Eu considero que esses desafios também são meus, pela posição que ocupo hoje e pela minha trajetória de luta e militância. Outra questão é a presença do negro na pós-graduação. E depois tem o mercado de trabalho, que tem relação com igualdade de oportunidades. E aí, se fizermos um recorte de gênero, as mulheres negras estão estão ainda pouco inseridas no mercado de trabalho formal. Esses desafios não são de hoje. Eu os vivi isso durante a minha trajetória e hoje assisto esses desafios com níveis de complexidade diferentes, com avanços.