Carteira assinada é uma conquista almejada por muitos profissionais, mas, para quem está no ramo da estética, esse modelo não é o favorito. ;Prefiro o que nós chamamos de aluguel de cadeira. Dá muito mais liberdade e autonomia. Você faz seu horário e trabalha como quiser;, explica o cabeleireiro Júlio Martins, 49, há 27 anos no ramo. Ele comprou o próprio salão no Guará em 2015, mas, antes disso, trabalhou como empregado celetista uma única vez. ;Fiquei com carteira assinada por dois anos e, quando saí de lá, nunca mais quis emprego nesse formato. A parceria é bem melhor, dá mais espaço para marcar com as clientes horários que são bons para mim e para elas, sem ter que cumprir uma carga horária fixa. Agora que sou dono, procuro fazer o mesmo tipo de contrato com as pessoas que trabalham comigo. Dou autonomia a elas, isso é um diferencial;, explica.
O problema para quem escolhe esse tipo de contrato é a falta de regulamentação. A Lei n; 12.592/2012 reconheceu as profissões de cabeleireiro, barbeiro, esteticista, manicure, pedicure, depilador e maquiador. Contudo, a norma não informa quais são os tipos de contrato que podem ser estabelecidos pelos trabalhadores. Assim, as parcerias existem apenas na informalidade. Para corrigir esse desvio, a Câmara dos Deputados aprovou, em setembro do ano passado, o Projeto de Lei da Câmara (PLC) n; 133/2015, de autoria do deputado Ricardo Izar (PV/SP). O projeto tramita no Senado sob relatoria da senadora Marta Suplicy (PMDB/SP).Em 25 de fevereiro, o texto foi aprovado na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado. A pauta foi incluída em reunião da Comissão de Assuntos Sociais marcada para a próxima quarta-feira (16). Se aprovado nessa pasta, deve seguir para a Comissão de Assuntos Econômicos. Se passar sem recursos, o projeto volta à Câmara dos Deputados. Se houver recurso feito por senadores, a proposta será apreciada no Plenário da Casa e depois será reencaminhada às comissões para ser reformulada.
Caso aprovado, o projeto dará maior segurança jurídica às relações existentes entre salões de beleza, clínicas de estética e profissionais do ramo, prevê Jucimei Costa, advogado especialista em legislação. ;O cerne da proposta é a mudança de foco da relação entre profissional-parceiro e salão-parceiro, que deixa de ser vista como trabalhista e passa a ser encarada como comercial;, explica.
;É de conhecimento público que a maior parte dos trabalhos desse ramo de atividade são desenvolvidos de maneira informal. Com a regulamentação, profissionais poderão se regularizar como MEI (microempreendedores individuais) para formar parcerias. A medida trará para a formalidade milhares de pessoas;, argumenta. ;De acordo com a proposta, o contrato deverá ter cláusulas de transparência, principalmente sobre o percentual de comissão e a periodicidade do pagamento. Outro ponto é a responsabilidade administrativa e de manutenção, que ficará por conta do salão;, explica.
Na prática
Trabalhando com contratos de parceria há seis anos, Luciana Ribeiro, 36, é manicure, fez três cursos técnicos no ramo, mas só trabalhou com carteira assinada uma vez. ;Com esse modelo, eu estabeleço quando tiro folga ou quando trabalho e, na maioria dos salões, nós fazemos nosso horário. Assim, quando preciso cuidar do meu filho ou fazer um curso de capacitação, é bem mais fácil dialogar;, explica. Outra questão apontada por ela é o salário. De acordo com Luciana, a maioria dos salões que contrata pela CLT oferece baixa remuneração. ;Aqui, eu tenho o controle de quanto vou faturar. Se trabalhar muito, ganho mais. Em lugares com carteira assinada, trabalhamos bastante e ganhamos o mesmo todo mês;, compara.
Em acordo
Elisabeth Batista, dona do estúdio de beleza em que Luciana trabalha, na Asa Norte, afirma que todas as colaboradoras preferem esse tipo de contrato. ;Tenho este salão há cinco anos, e ninguém quer mais trabalhar como empregado. Acredito que é por causa da maior liberdade e dos maiores rendimentos: elas ganham por produtividade e fazem parceria por causa do espaço. É como se alugassem a cadeira;, diz. ;Para mim não faz diferença. Sempre que vou contratar, sento com as pessoas e converso. Tentamos encontrar uma saída que seja melhor para os dois, por meio da CLT ou do acordo de parceria. Mas a escolha dos profissionais, em geral, tem sido pela última opção;, revela.
Segundo Rosalba Maciel, diretora financeira do Sindicato dos Salões de Barbeiros, Cabeleireiros, Profissionais Autônomos na Área de Beleza e Institutos de Beleza para Homens e Senhoras do Distrito Federal (Sincaab/DF), a opinião é quase unânime entre a categoria. ;É vantajoso para os dois. Por um lado, o salão não precisa arcar com custos trabalhistas, mas pode oferecer serviços a mais para os clientes. Por outro lado, os profissionais que não querem ou não podem ter o próprio estabelecimento têm todo o aparato para atender os clientes sem gastar muito mais para isso, com a liberdade de um trabalhador autônomo;, avalia.
Controvérsias
Apesar da grande aceitação no meio profissional dos contratos de parcerias entre empresários e profissionais, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) enxerga o projeto como uma medida precarizadora das condições de trabalho da categoria. ;Um dos principais problemas é que essas pessoas não terão direito a férias, décimo terceiro salário, fundo de garantia ou auxílio-doença;, alerta Valeir Ertle, secretário de Assuntos Jurídicos da CUT.
;Recebemos duas queixas diárias, no mínimo, sobre abusos de donos de salões nesses contratos de parceria. Existem relatos de pessoas que precisaram faltar ao trabalho em um dia e, quando chegaram no outro para trabalhar, foram dispensados pelos patrões. Além disso, 90% desses profissionais não fazem contribuição para a previdência social, ficando sem nenhum amparo em caso de necessidade;, explica Daniel Borges, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Salão de Beleza e Clínica de Beleza e Institutos de Beleza do Distrito Federal (Sindbeleza/DF), que também é contra a implementação do projeto.
O que diz o projeto de lei
Termos legais da parceria previstos no PLC n; 133/2015:
; As duas partes devem entrar em acordo e firmar contrato
; O contrato deve ser homologado pelo sindicato da categoria ou pelo órgão local do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)
; Caso não seja estabelecido contrato, ficará comprovado vínculo empregatício entre o profissional e o estabelecimento
; O profissional não pode assumir responsabilidades da administração
do salão
; Para se regularizar, o trabalhador poderá se cadastrar como microempreendedor individual (MEI)
; Ainda que na condição de pessoa jurídica, o profissional deverá ser assistido pelo sindicato da categoria
Fonte: Jucimei Costa, consultor do Sebrae/DF