Se enxergarmos cada pessoa como um mosaico, as várias pecinhas coloridas poderiam representar aspetos da vida como carreira, relacionamentos, lazer e outros interesses. Se só há pedras de determinada cor, é sinal de problemas. A beleza está justamente em construir uma miscelânea com pastilhas de diversos pigmentos e equilibrar, com maestria, atividades distintas. Então, no dilema entre priorizar a carreira ou a vida pessoal, a balança não pode pender demais para um lado ou outro. ;Em momentos determinantes como no caso de ter um familiar doente, passar por um divórcio ou uma crise na empresa , você pode se dedicar mais a uma área do que a outra, mas, para ter uma existência plena, é preciso se acostumar a focar tanto no trabalho quanto na vida pessoal;, observa a administradora com MBA em RH e especialização em orientação de carreira Alessandra Paulelli.
Consultor organizacional, especialista em desenvolvimento das competências de liderança e presidente do instituto que leva seu nome, Eduardo Shinyashiki acredita que, em geral, ;as pessoas se atentam mais ao lado profissional movidos por medo de fracassar, autocrítica e auto-exigência excessivas.; Pode ser que essa tendência, no entanto, seja minimizada, pelo menos quando se trata dos mais jovens. Jacob Rosenbloom, CEO da Emprego Ligado, site de empregos via geolocalização, observa que a importância dada a carreira, dinheiro e qualidade de vida varia conforme a idade. ;A geração X valoriza mais estabilidade e ganhos financeiro. Já as pessoas da Geração Y prestigiam a satisfação pessoal e o sentimento de ;agregar; algo ao trabalho.;
Alto preço
O resultado de focar demais na profissão é uma agitação interior. ;Vive-se mais a preocupação do que a ocupação em si. Em vez de se concentrar no que está fazendo, o indivíduo fica inquieto com atividades que ainda terá que fazer. Por isso, a produtividade cai e o nível de retrabalho é altíssimo. Quando chega em casa, também não passará tempo de qualidade ali, pois não estará focado;, diagnostica Shinyashiki. ;Com o estresse, o ser humano fica desvitalizado e não rende. O sono não adianta para recuperar essa energia, pois o remédio para isso é rir, trocar afeto, ter prazer, reunir-se com amigos.
Arranjam-se tantas justificativas para não se dedicar ao lazer sem perceber que não é feito na vida pessoal vai sobrecarregá-lo na vida profissional;, descreve. Segundo o palestrante, muitos transformam a vida pessoal na lata de lixo da vida profissional ; por exemplo, recusando-se a interagir com familiares, amigos e o parceiro e descontando frustrações neles.
;Cria-se o hábito de acreditar que não se engajar em atividades de lazer é o que vai dar mais disposição para dar um passo em direção ao sucesso profissional e esquece-se que a vida pessoal também é um espaço de realização;, critica. Sócia da Projeto de Carreira, Alessandra Paulelli diz que não é possível dissociar de uma pessoa suas diversas facetas. ;Se algo te deixou chateado, no trabalho ou em casa, você vai levar essa emoção para o outro lugar; não tem jeito. O importante é aprender a lidar com isso. Arranje uma metodologia que te ajude, como dar uma volta, fazer respiração cachorrinho, se exercitar;, diz.
Organização
;O tempo no ambiente laboral é um dos maiores da sua agenda, por isso é importante se planejar para conseguir se entregar a outras atividades. Isso é algo que, em linhas gerais, o brasileiro não faz, pois acha que não é necessário ou que vai perder tempo com esse tipo de organização;, diz Alessandra Paulelli. Com uma boa logística, é possível economizar minutos e horas, tanto na empresa quando em casa.
;Algo com que se perde muito tempo é responder e-mails o tempo inteiro. Reserve um momento do dia para ler as mensagens eletrônicas. Além disso, as reuniões precisam ser pragmáticas e controladas, com hora para começar e terminar;, exemplifica.
Também é possível tentar eliminar distrações e desperdícios de tempo de outras maneiras. ;Ao residir próximo ao trabalho, o profissional gasta menos tempo em deslocamentos e consegue ter mais tempo para si;, explica Jacob Rosenbloom. Foi nisso que apostou o chef Leandro Nunes, 30 anos. Formado em hotelaria, ele estudou na renomada escola de gastronomia Le Cordon Bleu, em Paris, e estagiou no Noma, restaurante dinamarquês eleito quatro vezes o melhor do mundo pela revista britânica Restaurant.
No Brasil, passou por hotéis, bufês e restaurantes até abrir, há 1 ano e 10 meses, o Jambu, na Vila Planalto. A erva picante nativa da Região Norte dá nome à casa cujo cardápio homenageia as raízes de Leandro, que é paraense. ;Em empregos anteriores, fui aconselhado a ser chef executivo, mas não dono, pois, nessa função, perde-se a vida pessoal. Mas eu queria fazer alta gastronomia com pratos do Pará, algo que eu só poderia ter num restaurante próprio;, lembra.
Apesar de estar ciente de que um estabelecimento desse tipo demanda muito esforço, Leandro não temeu o desafio e achou soluções para não deixar a vida pessoal de lado: ele se mudou para uma casa perto do restaurante, e o trajeto a pé dura três minutos. ;Quando eu morava no Guará e no Jardim Botânico, não conseguia me desligar do trabalho quando ía para casa, então tinha que estar sempre presente. Agora, caso algo urgente aconteça, estou pertinho, à disposição. Isso me dá tranquilidade.; Além disso, o paraense criado em Brasília não abre a casa aos domingos e às segundas-feiras.
;Na segunda, cuido da parte burocrática, então, ficava sem nenhuma folga. Por isso, optei por não ter expediente em mais um dia;, explica o chef, que conta com 13 funcionários e recebe 300 clientes por semana. No tempo livre, ele gosta de ir a eventos de choro e samba, escalar, jogar videogame e, claro, se dedicar à noiva. Leandro tira férias anuais, quando dá descanso coletivo à equipe, no fim do ano. Ele não se arrepende das escolhas. ;Eu gosto do que faço, sou feliz e não tenho nenhuma pretensão de ser rico.;
O caminho certo
Antes de tomar qualquer decisão importante, é preciso analisar como aquilo impactará a vida pessoal e a profissional. ;As escolhas precisam ser conscientes. Quando alguém resolve ser empresário, precisa saber que terá menos tempo para a família. Se a mulher decide dar uma pausa na carreira para cuidar dos filhos pequenos, deve ter em mente que isso pode atrasar o desenvolvimento dela como trabalhadora;, define Alessandra Paulelli, que é exemplo desse tipo de escolha. ;Fui executiva e workaholic durante muito tempo. Quando resolvi virar consultora, paguei alguns preços, como ganhar menos, mas posso cuidar mais da educação do meu filho e mandar nos meus horários. Foi uma opção que vale a pena;, garante ela, que foi diretora de RH em empresas como Siemens, Microsoft, Telefônica e grupo RBS de Comunicação.
Os ganhos financeiros impactam os caminhos selecionados, mas é preciso ponderar prioridades. ;Quando você se acostuma com um estilo de vida mais alto, é difícil diminuir, mas é preciso perceber que é possível viver bem com menos;, analisa. ;O importante é que o profissional seja o protagonista da sua vida em qualquer um dos temas. Não se faça de refém de nenhuma empresa e pare de arrumar desculpas para a sua falta de planejamento. As instituições não querem que você fique no trabalho o tempo todo, o que importa é a entrega de resultados. Se não for o caso, você pode se planejar e buscar outro lugar;, ensina. Autor de livros, como Transforme seus sonhos em vida (R$ 19,70), Eduardo Shinyashiki observa que um dos maiores mires mitos é a crença de que é preciso escolher entre ser feliz e ganhar dinheiro. ;As pessoas não acreditam que isso é possível e acabam focando muito em uma única área da vida, mas somos capazes de criar realização profissional e pessoal;, defende.
A enfermeira Marília Fernandes Ferreira, 54 anos, é exemplo de equilíbrio entre os aspectos da vida. Servidora pública da Secretaria de Saúde e mãe de dois rapazes de 29 e 26 anos e de uma moça de 24, ela trabalha 20 horas semanais, concentradas em dois dias da semana. Quando ingressou na rede pública, no início dos anos 19990, a carga horária mínima era de 30 horas e ela comemorou a opção de redução, que veio com a proporcional diminuição do salário. ;Diversos chefes me ofereceram e convidaram para cumprir 40 horas, algo que eu fiz durante um ano e pouco, em 2002, mas não vale a pena; mesmo que eu tenha rendimentos em dobro;, acredita. ;Quando os meninos eram pequenos, eu tive tempo de ajudá-los em tarefa de casa, levar na catequese e ser presente. Não tenho parentes em Brasília e não queria deixá-los nas mãos de empregadas, então, foi uma escolha consciente;, revela a maranhense. Agora, com filhos crescidos, um deles até casado, Marília não pensa em aumentar o expediente. ;Eu malho, viajo, cuido da casa, visito e me reúno com amigas, tenho tempo para mim.;
Papel da empresa
De acordo com Shinyashiki, quando as companhias se dão conta de que um funcionário realizado pessoalmente rende mais frutos passam a investir e estimular isso. ;É o caso do Google e dos Laboratórios Aché, por exemplo, que criam espaços para que os empregados tenham prazer.; As firmas que realmente investem nisso são minoria, e o nível de cobrança tende a ser muito alto, algo que tem a ver com a nossa cultura. ;Em algumas empresas alemãs, sair do escritório às 17h30 é sinal de competência, pois fazer horas extras é resultado de não ser capaz de fazer o que precisava dentro do expediente. No Brasil, a ideia é de que os competentes ficam além do horário;, compara.
Para o mestre em neuropsicologia, é possível construir outra ideia de como correr atrás do sucesso lembrando que o funcionário é o grande responsável por equilibrar os pesos. ;O que se passa na sua vida pessoal e profissional não depende da empresa ou das pessoas com quem você convive, mas de você;, enfatiza. Tomar as rédeas significa, inclusive, dizer não. ;Quando a pessoa se compromete em agradar aos outros, mesmo que isso desagrade a si mesmo, é sinal de baixa autoestima e de não saber dar limites. E, quando isso acontece, você passa por cima dos seus valores e, para agradar o chefe, por exemplo, abre mão de tempo com a família ou o parceiro. No entanto, isso tem mais a ver com a postura individual dessa pessoa do que com a pressão da empresa.;
Depois de se dar o devido valor, o profissional pode repensar se a companhia em que está inserido serve para ele. ;Se o trabalho fere sua ética ou se você se sente desrespeitado, é hora de preparar a transição para conseguir outro lugar, mas sem deixar de desenvolver suas atividades com qualidade. Enquanto a nova vaga não chega, em vez de ficar se queixando de que o lugar é horrível, de que o chefe é psicopata, ditador e paranoico, foque em ser ainda mais competente e talentoso e, chegando em casa, valorize ainda mais as pessoas que te amam. Mantenha, acima de tudo, o compromisso não com o local em que você está, mas com o que você quer fazer da sua vida;, finaliza.
Três perguntas para
Jacob Rosenbloom, CEO da Emprego Ligado.
Para alcançar a satisfação, o que uma pessoa deve priorizar: vida pessoal ou trabalho?
O profissional de sucesso sempre busca o equilíbrio entre vida pessoal e carreira. Quando temos equilíbrio, somos mais felizes, o que nos leva a maior satisfação pessoal e maior produtividade no trabalho.
Como conciliar qualidade de vida e ganhos financeiros?
O profissional deve buscar trabalhar na carreira de que gosta e na qual se sente bem; isso garante satisfação pessoal e melhor desempenho e, consequentemente, reconhecimento financeiro.
O que as empresas consideram mais importante: um workaholic ou alguém que saiba balancear as áreas da vida?
Depende do mercado e dos valores da companhia, mas tenho notado uma valorização cada vez mais maior de um equilíbrio entre vida pessoal e trabalho. As empresas estão começando a perceber que o funcionário que encontra esse meio-termo é mais engajado e motivado, o que resulta em maior produtividade.