Trabalho e Formacao

Desligamento sem trauma

Tanto gestores quanto liderados podem cometer erros na hora dessa conversa. A fim de que o momento seja menos complicado, aposte em inteligência emocional e sinceridade. Confira dicas para evitar atritos

postado em 19/06/2016 13:17

À frente de uma equipe de 26 pessoas numa academia, o gerente Rubens teve que mandar seis funcionários embora

Diferentemente do que possa parecer, a demissão, um dos momentos mais delicados e temidos nas relações de trabalho, é difícil não só para o funcionário: o gestor também sofre ao ter que lidar com esse tipo de momento. Nessa hora, sentimentos ficam à flor da pele para ambos os lados, mas é preciso ter inteligência emocional para evitar que a situação se torne ainda mais complicada. Um processo de desligamento mal resolvido termina com mágoas mútuas, e as consequências só podem ser ruins.

O empregado desgostoso, especialmente caso tenha se sentido ofendido, pode queimar o filme do chefe e da empresa, além de processar a instituição. Quando o contratado demonstre um comportamento inadequado na saída, deve ficar sem uma boa carta de recomendação e também ter sua imagem desacreditada perante o mercado. Para piorar, toda a equipe é abalada por um afastamento conturbado e sem transparência: há chances de os empregados remanescentes se voltarem contra o chefe e espalharem um clima de negatividade no restante da instituição. Por mais chata que a ocasião seja, é possível encerrar a relação de trabalho de modo humano e respeitoso.

;Mesmo que seja um corte por desempenho, o chefe deve focar mais no que ela trouxe de positivo do que no negativo;, ensina a consultora da Véli RH, psicóloga com MBA em gestão estratégia de RH, formação em coaching, e consultora em recolocação e gestão de carreira.

Se o processo de demissão não for amigável ou adequado, ;a pessoa tende a dar o troco, inclusive na Justiça, seja por motivos válidos, como assédio, seja pelo fato de o desligado procurar pelo em ovo, inclusive com denúncias falsas. Tudo que a empresa fez de errado, como hora extra não paga, trabalho em situação de risco ou outros problemas, pode vir à tona nesse momento;, como observa José Augusto Minarelli, diretor presidente da empresa de outplacement e transição de carreira para executivos Lens & Minarelli

Visão de líder
Professor de squash na Academia Headway, Rubens Martins da Cunha, 34, ocupa a posição de gerente há nove meses. Na instituição, fundada há 20 anos no Lago Norte, ele está à frente de 26 empregados e 1,2 mil alunos. Durante esse período, ele teve que demitir seis pessoas por problemas comportamentais. A primeira vez foi a mais traumática. ;Era um professor que não aparecia nas reuniões da equipe, tinha uma postura de descaso com a academia, além de ser estúpido: brigava com colegas e não respeitava o pessoal da manutenção;, lembra. ;Na hora da conversa, ele não aceitou, disse que era um excelente professor. Mas eu fui para esse momento embasado em fatos: mostrei as mais de 20 reclamações sobre a grosseria dele deixadas por alunos na caixinha de sugestões;, relata.

;Meu método é conversar num local separado, falar os motivos verdadeiros da saída. Geralmente, dá certo: tanto é que vários não trabalham mais aqui e continuamos amigos;, conta. Em todos os casos, a notícia da dispensa não era surpresa. ;O último que demiti mesmo, quando pedi para conversar com ele, até falou ;pode me dar aí a rescisão que eu assino;. Então não pego ninguém de sobressalto.; Além de sempre deixar claro o que é esperado dos funcionários, Rubens dá constante retorno sobre a atuação da equipe. ;Sempre que alguém faz algo errado, dou uma advertência verbal; se ela não se corrigir, entrego uma por escrito. Nas reuniões, também converso sobre o desempenho;, diz. Para que a equipe não seja afetada, Rubens sempre explica sobre a saída e mantém um clima de união. ;Na última semana mesmo, tivemos uma reunião com um bom ânimo até porque, apesar da crise, a academia está crescendo a todo vapor.;

Por um caminho equilibrado
Vários dos passos adotados por Rubens estão entre os mais indicados para que a transição de um ex-empregado seja mais fácil de encarar, segundo José Augusto Minarelli. Entre os acertos estão clareza de expectativas, feedback constante com chance para que o trabalhador mude de atitude, conversa sobre a rescisão numa sala reservada explicando os reais motivos, mas embasado em fatos. Segundo o consultor, o jeito de demitir faz toda a diferença, e cuidado e respeito são importantes. ;Se, depois de ser demitido, o diretor vai pegar as coisas dele ou guardar arquivos pessoais que tinha no computador, e encontra a sala trancada e o computador bloqueado, a pessoa fica possessa. Entendo que a empresa quer se precaver, por segurança, mas o indicado seria então pedir alguém para acompanhar o funcionário nesses momentos finais;, exemplifica.

O motivo alegado para a demissão é crucial. ;Quando a causa não é justa ou quando o chefe não foi claro sobre o pretexto, as pessoas ficam indignadas.; Mentir também não é uma boa saída. ;O gestor diz que a empresa está passando por dificuldades e vai suprimir o cargo do contratado; 15 dias depois, o indivíduo fica sabendo, por meio de colegas, que um substituto está na vaga. Casos assim geram revolta, não só no trabalhador, mas em toda a equipe.; Assim como num término de namoro, é chato ter de explicar os porquês do desligamento, e o brasileiro tende a inventar desculpas, como a clássica: ;não é você, sou eu.; No entanto, ser sincero demais também não é bem-visto. A saída é encontrar um meio-termo. ;Diga a verdade, com jeito. Quando o gestor afirma que o funcionário é ótimo, em vez de expor os problemas, deixa de dar a ele a chance de aprender. Bons chefes entendem a função pedagógica desse momento; os malformados e arrogantes tendem a sair pela tangente;, declara Minarelli.

Tanto gestores quanto liderados podem cometer erros na hora dessa conversa. A fim de que o momento seja menos complicado, aposte em inteligência emocional e sinceridade. Confira dicas para evitar atritos

A designer de joias e microempreendedora invidiual Luciene Regner, 37 anos, fugiu desse objetivo, mas percebeu o erro. Este ano, ela contratou sua primeira empregada, para vender peças num salão de beleza, e a experiência não deu muito certo. ;Além do salário, a vendedora ganhava comissão por bater metas, mas acabou se acomodando, fazia só o mínimo necessário. Então, o momento da demissão foi tranquilo, porque acho que ela estava esperando. Eu falei para ela pensar positivo e seguir em frente.; Luciene admite que poderia ter agido melhor na hora. ;Eu ia fechar o ponto de venda no salão, porque estou abrindo um quiosque no Gilberto Salomão, então disse que era por causa do fechamento, mas eu poderia ter falado sobre o desempenho dela para que ela atue melhor nos próximos empregos. Se ela pedir alguma referência, vou ter que abrir o jogo;, revela a dona da Soulu Atelier desde 2013 que, agora, procura outro vendedor mais qualificado.

"O momento da demissão foi tranquilo, porque acho que a funcionária estava esperando pelos sinais que dei;
Luciene Oliveira, designer de joias, dona da Soulu Atelier

Como reagir após ser desativado?


Auxiliar de escritório numa empresa de venda e manutenção de equipamentos odontológicos, Layane Vasco, 19, está cumprindo aviso-prévio em seu primeiro emprego com carteira assinada. A experiência durou um ano e acabou por conta da crise. ;Comigo, outro colega foi dispensado. Nosso chefe nos chamou para almoçar e deu a notícia. Ele disse que a empresa estava no vermelho desde o início do ano e que teria que nos dispensar, pois éramos os dois funcionários com os maiores salários;, conta. O momento foi delicado. ;Nosso gestor, que é também o dono da empresa, chorou. Fui pega de surpresa porque não moro mais na casa dos meus pais, eu me casei e tenho contas para pagar;, diz. No entanto, ela entendeu os motivos do superior e sente gratidão.

;A situação do país está crítica. Sou muito grata por tudo que ele fez por mim. Com uma carta de recomendação e todos os direitos pagos, estou procurando uma nova colocação;, conta ela que, por conta das novas regras da seguridade social, não terá direito ao seguro-desemprego. A reação de Layane está entre as mais comuns após uma demissão. ;Emocionar-se e lamentar é a regra, chorar e tentar convencer o chefe é a exceção;, percebe Minarelli. ;De modo geral, as pessoas intuem que há algo errado porque o chefe não sorri mais, não o convida para reuniões ou vê outros indícios;, diz. ;As pessoas ficam mais revoltadas quando são demitidas por um problema comportamental. Se é por conta da crise, todo mundo se abraça;, observa Catia Moreira Wanderley, consultora de RH.

Revoltar-se é muito perigoso. ;O melhor é manter as portas abertas e abusar do autocontrole. O maior beneficiado disso é você: o modo como você encerra a relação de trabalho influencia as chances de recolocação. O antigo chefe é a grande referência adotada por muitas empresas;, observa. A conversa de desligamento não é hora de lavar a roupa suja. ;Se o gestor der abertura para um feedback, fale, com polidez; caso contrário, não é o momento de falar o que ficou entalado até ali, nem despejar verdades sobre o chefe e os colegas. Mas você pode pedir que ele avalia você.; Tentar apelar para as dificuldades financeiras a fim de reverter a demissão não é efetivo.

Seguindo em frente

Depois de passar muito tempo em temporada numa peça, um ator precisa ensaiar bastante, pois estava acostumado a um papel e terá que se preparar para outro, num elenco diferente e num palco novo. Assim também é a transição de carreira: é necessário tempo para mudar de papel. José Augusto Minarelli, da Lens & Minarelli, orienta que a primeira atitude que um profissional deve tomar após ser demitido é reservar um período para si. ;Não ceda ao ímpeto de pegar sua lista de contatos e disparar o currículo. Antes, recomponha-se e defina o que deseja para a próxima etapa da sua carreira;, diz. Depois de um desligamento, as pessoas são encaradas com três perguntas que não podem ser evitadas, mas podem ser respondidas com mais cuidado: como você está, o que aconteceu na empresa, e o que você está fazendo.

;A resposta ao primeiro questionamento deve ser curta: ninguém está interessado numa longa história sobre seus problemas;, observa Minarelli. ;A segunda pergunta deve ser respondida de forma breve, mas verdadeira; muita gente usa o demitido como fonte de informações sobre a empresa, então não perca muito tempo falando da falecida e não suje a imagem dela, pois faz parte da sua trajetória. Se não for por conta da crise, mas por uma falha sua, você precisa ser honesto com os empregadores; com outras pessoas, não entre em detalhes ; diga que houve uma reorganização;, recomenda. Por fim, para o terceiro questionamento, a dica é assumir a procura por trabalho como prioridade. ;Diga qual cargo está buscando e o que está fazendo para alcançá-lo. Saiba que a vitimização não ajuda em nada;, conclui.


"O melhor é manter as portas abertas e abusar do autocontrole. o maior beneficiado disso é você: o modo como você encerra a relação de trabalho influencia a recolocação;
Catia Wanderley, consultora de RH

Dúvidas legais

Tanto gestores quanto liderados podem cometer erros na hora dessa conversa. A fim de que o momento seja menos complicado, aposte em inteligência emocional e sinceridade. Confira dicas para evitar atritos

Leonardo Passafaro, especialista em relações do trabalho e sócio do Capano Passafaro Advogados Associados, fala sobre as questões jurídicas envolvidas no processo de desligamento

Quais são os direitos de uma pessoa demitida?
Aviso-prévio, multa de 40% sobre o total depositado no FGTS, férias vencidas, férias proporcionais, 13; salário proporcional aos meses trabalhados. Além desses, podem existir outros previstos na convenção coletiva de trabalho da categoria.

Que tipo de cuidados devem ser tomado na hora de demitir?
A empresa deve se atentar para não ferir a honra e a dignidade do empregado que, antes de tudo, é um ser humano. Entre os erros mais comuns cometidos pelo chefe estão demitir na frente de outras pessoas e denegrir o funcionário ; imputando-lhe a pecha de incompetente, lerdo, burro, folgado, entre outros adjetivos negativos.

Quais são os erros que o empregado pode cometer ao receber a notícia de que será demitido?
Ele deve manter o respeito com o superior e os demais colegas, mesmo que se sinta injustiçado. Uma vez que toma alguma medida impensada, como dirigir xingamentos ao superior, gritar ou algo do gênero, poderá ser dispensado com a aplicação da ;justa causa;, perdendo os direitos ao recebimento da multa de 40% sobre FGTS, aviso-prévio, férias proporcionais, entre outros. Além disso, se for ofensivo, ainda poderá ter que indenizar o chefe.

É comum que as pessoas resolvam entrar com ações contra a empresa que trabalhavam depois de serem demitidas?
Sim, basta ver o número absurdo de reclamações trabalhistas em curso no Brasil se compararmos a outros países. Os motivos são vários, desde uma legislação que é considerada ;paternalista; com o empregado, com regras nem sempre claras, até a crise econômica, que está minando a capacidade das empresas de honrar compromissos com os funcionários.

Rescisão planejada

Confira os 10 mandamentos da demissão para não errar na hora de demitir:

1 Hora certa
Comunique a demissão no início do dia, entre segunda e quarta-feira. Desligar na sexta no fim do expediente é ruim porque a pessoa fica o fim de semana só pensando nisso. Também não é adequado deixar esse momento para o dia em que a pessoa volta de férias.

2 Dê uma chance
Antes de dispensar, sinalize os problemas e dê oportunidade de melhoria quando a razão da demissão são falhas. Se o feedback faz parte da rotina da empresa e é feito embasado em fatos, a demissão não pega ninguém de surpresa.

3 Não banalize

Demissão é um recurso extremo e impacta quem sai e quem fica: só use em último caso.

4 Trate bem
Seja respeitoso e entenda a reação emocional do desligado. Se não forem bem tratadas, as pessoas que saem podem ser informantes para o mercado sobre os problemas da empresa e do chefe.

5 Aposte na privacidade

Demitir alguém na frente dos outros é uma falta grave. É preciso fazer uma reunião numa sala fechada apenas com o chefe e, no máximo, alguém do RH presente. As pessoas podem ter as mais diferentes reações, inclusive discutir, chorar, implorar para não ser demitido, falar verdades e cobrar coerência do chefe.

6Motivos
Se o chefe citar um erro do ano passado, ele também tem culpa, pois poderia ter resolvido a questão antes. Comparar o desempenho da pessoa com o de colegas também não é bom. Posturas pessoais que não comprometem o trabalho ; como introversão ; não devem servir de justificativas.

7 Sigilo
A equipe ou outras pessoas não devem saber da demissão antes da própria pessoa.

8 Dispense o aviso-prévio
É muito constrangedor ter que passar mais um mês na empresa. É melhor pagar a indenização e se livrar do problema.

9 Tempo de assimilação
Em casos de vagas sigilosas, normalmente para substituição, às vezes, o empregado sai na sexta-feira, e o novo contratado entra na segunda. No entanto, é importante dar um intervalo para que a equipe assimile a saída.

10 O cuidado com quem fica
A empatia da equipe é para com a pessoa demitida e não com o chefe. Um dos passos da gestão da saída é reunir quem permaneceu, tranquilizar e pedir colaboração.

Fonte: José Augusto Minarelli e Catia Wanderley


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