Aberto há 30 anos na 704/705 Norte, o restaurante Esquina Mineira teve três donos. O primeiro criou o ponto com o propósito atual: servir pratos típicos de Minas Gerais. O segundo mudou a missão do lugar, que passou a se chamar Churrasquinho de gato. Cinco anos depois que o espaço abriu as portas, Clayton Faria Machado, 58 anos, adquiriu o estabelecimento em parceria com Roberto Gomide, sócio financeiro, que se mantém com ele no negócio até hoje. No início, Clayton vendeu espetinhos, mas o objetivo sempre foi o de restaurar a proposta inicial da casa. ;Eu era cliente da primeira versão do restaurante. O churrasquinho era mais de balada;, diz o mineiro de Mercês.
Com o retorno do primeiro formato, ele resgatou parte da clientela original, que, há 25 anos, confere pratos típicos, como feijão tropeiro, tutu, ovo frito, arroz com alho, quiabo, angu, feijoada, torresmo, costelinha suína e, aos domingos, leitoa à pururuca. Tudo com o selo de qualidade de Clayton. ;Não sou chef, mas degusto, corrijo e peço para fazer do jeito que eu quero. Sei do que mineiro gosta.; A cada dia, são 30 opções de pratos quentes. Várias das preparações seguem os preceitos que Clayton observava ainda na infância. ;Nossa costela é feita como eu via sendo preparada nas casas do meu avô e do meu tio; é acondicionada dentro da banha;, conta o pai de dois filhos e avô de quatro netas.
As sobremesas tendem a ser tradicionais: aparecem no balcão itens como doce de leite, pudim, ambrosia e goiabada cascão ; parte comprada na cidade natal de Clayton, parte produzida no próprio restaurante.Há ainda outras tradições. ;A cachaça, que é cortesia para os clientes, vem da minha cidade.; Na chácara onde mora, Clayton cultiva uma horta orgânica que fornece boa parte dos ingredientes das saladas do restaurante.
O visual do Esquina Mineira é um capítulo à parte. O salão é repleto de itens que nos lembram casa de vó. Os elementos de ornamentação foram garimpados por Clayton em viagens por Minas Gerais. Um dos xodós é um trem afixado na parede. ;O que chama mais atenção é o fogão, que parece ser a lenha (feito com madeira e tijolo) e uma janelinha pintada na parede que nos remete à vista que as pessoas têm em casas em Minas Gerais.;
Os 1.600 m; do restaurante ; que também é reservado para eventos ; foram conquistados há cinco anos, quando a empresa mudou de sede. A disposição arquitetônica foi pensada pelo próprio Clayton. Na decoração, ele contou com a ajuda da esposa, Val Oliveira, 42, com quem é casado há oito anos e que trabalha no restaurante com ele.
Altos e baixos
Hoje, a empresa de pequeno porte tem uma equipe de 12 pessoas ; apenas metade do quadro do ano passado. O movimento também caiu pela metade. ;Recebíamos de 6 mil a 7 mil clientes por mês. Agora, está na média de 3 mil. O faturamento teve uma queda de 40%;, comenta Clayton, sobre os efeitos da crise. Para enfrentar o período e voltar a crescer, ele contratou uma consultoria do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e continua com a mesma dedicação aos negócios. O esforço retorna em forma de fidelidade. ;Estamos na terceira geração de clientes. Tem gente que vinha no carrinho de bebê com os pais e, hoje, vem com os filhos;, comemora.
O mineiro avalia que a clientela é cada vez mais exigente, mas elogia o comportamento dos consumidores. ;Se o garçom se esquece de anotar um refrigerante consumido, eles avisam.; Apesar disso, ele acredita que comportamentos atuais têm afetado a relação. ;Nossa comida é sempre quente, tem fogo embaixo. Mas há pessoas que chegam estressadas, ficam mexendo no celular durante 15 minutos e, na hora em que vão comer, acham o prato frio e reclamam;, exemplifica. Além de lidar com pessoas, ele acha difícil aguentar a carga tributária, a exigência das leis trabalhistas e o descaso do poder público com relação aos donos de negócios. ;De uns tempos para cá, estamos sofrendo um massacre.;
Entre as consequências disso está o fato de ele ter fechado, recentemente, outros dois restaurantes ; localizados no Centro Empresarial CNC, no Setor de Autarquias Norte (Saun) ; de que era dono. Atualmente, ele manteve apenas o Esquina Mineira e um localizado na nova sede do Banco do Brasil, também no Saun. Na opinião de Clayton, também é complicado achar funcionários comprometidos. Mas há diversas pratas da casa. Uma delas é o piauiense José Filho, chef do Esquina Mineira, herdado com a compra do estabelecimento. ;Ele era ;pieiro; do restaurante, mas, apesar de trabalhar na pia, estava sempre de olho no fogão. Um dia, ele me falou do sonho de ser chef de cozinha e, aos poucos, fui deixando que entrasse nas preparações;, recorda Clayton.
A confiança não foi em vão e, há 20 anos, José Filho está à frente da equipe. ;Ele mora em Águas Lindas e, em 25 anos de trabalho, nunca faltou ou se atrasou um dia sequer;, menciona o empresário, que se tornou amigo do funcionário com quem embarcou numa viagem gastronômica. ;Atravessamos Minas Gerais em 10 dias, parando de restaurante em restaurante e avaliando. Ele voltou de lá ;piauieiro;, entendendo muito mais de comida mineira;, brinca Clayton, que ressalta a importância de outros funcionários antigos na casa.
Jornada no comércio
Antes de comprar o Esquina Mineiro, Clayton atuou em diferentes ramos do comércio: foi dono de tapeçaria, joalheria e imobiliária em Taguatinga. A história empreendedora, no entanto, começou antes. ;Quando criança, vendi picolé, fui engraxate. Minha família é de origem humilde e, para comprar um pirulito que seja, eu tinha que dar um jeito e arrumar dinheiro;, recorda. Além da necessidade, o exemplo de casa o encaminhou para o comércio. ;Papai teve tapeçaria e indústria de papel, foi vendedor de coleções de livros. Minha mãe sempre foi do lar, mas costurava e fazia trabalhos manuais para fora;, revela ele, que veio morar em Brasília com a família ; de quatro irmãs e um irmão, falecido ; aos 14 anos.
A herança é tão grande que Clayton, apesar de ter feito faculdade de administração, atribui 70% do seu estilo de gestão ao que aprendeu com os pais e 30% às lições que absorveu de tios fazendeiros. Um grande segredo do sucesso, na visão dele, está no respeito. ;Sempre me cobraram que eu fosse sério com as pessoas, e é o que aplico aqui. É preciso ter justiça e seriedade com o público e com os funcionários. Faço tudo certinho, e não penso em uma relação que seja favorável só para mim: todo mundo tem que ganhar.;