Talita de Souza *
postado em 02/04/2017 17:26
Pernambucano da terra de Alceu Valença, o município de São Bento do Una, o chef Luiz Farias foi ainda criança para São Paulo, após a falência dos negócios do patriarca fazendeiro. Ao lado do pai, da mãe e de 15 irmãos, batalhou para sobreviver na cidade grande. Entrou em uma cozinha pela primeira vez aos 14 anos para lavar panelas, pratos e o chão. E foi naquele cômodo, em meio a tanto trabalho, que descobriu a profissão que lhe renderia o título de melhor confeiteiro do mundo, em agosto de 2016, pela International Union of Bakers and Confectioners (UIBC), entidade que reúne associações do segmento da panificação de todo o mundo. Com mais de 40 anos de experiência no mercado de serviço de alimentação, Luiz é gerente nacional de Serviços e Atendimento ao Cliente da Academia Bunge, criada na multinacional de agronegócios e alimentos para aprimorar o desenvolvimento de técnicas e receitas. O chef é imortal da Academia Brasileira de Ciências, Artes, História e Literatura e, em 2008, durante a visita do papa Bento XVI, o alemão Joseph Aloisius Ratzinger, ao Brasil, ele foi chef executivo da cozinha. Confira a entrevista com esse mestre da parte doce da culinária:Qual foi sua reação ao ser o primeiro chef sul-americano a ser eleito o melhor chef confeiteiro do mundo pela UIBC?
É incrível! Quantos mil profissionais importantes existem? Então, ser escolhido o melhor cara do mundo... A ficha não cai. Durante a seleção, recebi um e-mail em que pediram meu currículo para saberem mais da minha carreira. Sou uma pessoa caprichosa e, com todo o cuidado, relembrei minha história e fui montando um portfólio com todos os momentos importantes. Mandei isso, mas jamais imaginava ser escolhido, porque se trata de um prêmio tão forte que nem Brasil, nem América Latina, nem Estados Unidos chegaram perto de ganhar em outras edições. Comentei o contato da UIBC com meus diretores e família, mas fiquei quieto. Em junho, eu fui avisado de que estava entre os três finalistas. Tomei um susto: nossa, meu Deus, que alegria foi! Quando recebi a notícia de que tinha vencido foi um susto maior ainda. Eu estava na Feira Internacional de Panificação e Confeitaria com cerca de 60 mil visitantes e o CEO da Bunge Brasil, meu chefe, chegou com a vice-presidente da federação com a notícia. Fui recepcionar o pessoal e ali, oficialmente, fui decretado o ganhador mundial do prêmio. Não tinha lugar melhor para ser anunciado. A ficha demora muito a cair. Em outubro foi a entrega oficial do prêmio numa festa linda.
Por que você se interessou por confeitaria?
Como chef, eu experimentei as áreas básicas da gastronomia, incluindo a panificação e a confeitaria. Eu me interessei pela última pelo fato de ela ser mais complexa: tem que medir e pesar tudo, todos os ingredientes e transformar a mistura em arte final. Se mudar uma quantidade, a textura vira outra e a receita pode até se tornar outro doce. Por isso, mesmo que se conheça todas as bases para fazer um prato, essa é uma área que exige muito treino para um acabamento maravilhoso. Defino a confeitaria como pesos e medidas transformadas em arte.
O que você fez para alcançar a excelência na profissão?
Essa é minha história de vida. Sempre busquei estar preparado por meio dos estudos. Com os conhecimentos adquiridos nas formações mundo afora, pude trazer mudanças para o Brasil. Acho que isso garantiu a excelência. Por exemplo, quando eu tinha o cargo de meio oficial na cozinha, que é o cara que faz alguma coisa e tem mais confiança do chef, mas eu queria crescer. Na época, ganhava quatro mil cruzeiros e era muito dinheiro: a família já me reconhecia como um trabalhador mesmo. Eu queria trabalhar com um chef, então surgiu a oportunidade de lavar panela para ele, ser o tanqueiro. Larguei tudo, me candidatei e consegui a vaga. Minha família quase me matou, porque, de certa forma, eu retrocedi. Tinha que acordar às 4h para pegar dois ônibus e ganhar 1.200 cruzeiros. Por que fiz isso? Eu estava muito determinado a aprender. Houve um desespero inicial, mas o tempo provou o quanto essa foi uma boa decisão. Esse chef tinha iniciado a Bauducco no Brasil, era renomado, foi carrasco e herói, então aprendi muito. Outro momento em que precisei de coragem foi ao vir para a Bunge. Eu estava muito bem na Unilever, tinha carinho e respeito, estava acostumado com o que eu fazia e mudei de empresa. Renovei a minha história e recebi um apoio maravilhoso. Eu construí meu legado com muita transparência e responsabilidade.
Que contribuição você deu à confeitaria nacional?
Pude contribuir com a renovação dos modelos de tortas no Brasil. Quando estava no exterior, vi que as tortas e os bolos eram menores e as famílias compravam esses produtos cotidianamente como sobremesa. Aqui, eram grandes e eram usados apenas em ocasiões especiais, como aniversários. Vim para o Brasil e busquei empresas para produzir aros e formas pequenos para padronizar as tortas num tamanho menor. A mídia me deu apoio e isso evoluiu muito. Hoje, as tortas nacionais estão menores, mais bonitas e elegantes, porém ainda temos que continuar a mudança.
Que dica você pode dar para jovens que almejam trilhar uma carreira em confeitaria?
É preciso ter determinação, calma, humildade e consistência. Não se pode desistir no meio do caminho, mesmo que algumas vezes você queira parar. É um trabalho duro. Quantos fins de semana eu estava produzindo e fazendo pessoas felizes, mas era Natal, data de ficar com a família? É uma profissão que requer entrega. Quem gosta se sentirá feliz mesmo assim. Ganha-se dinheiro, mas o início é duro ; tem que lavar panelas, limpar forno, cortar ingredientes... Nunca vi um bom confeiteiro parado na vida e, aos bons, o mercado paga bem. É muito prazeroso levar um bolo para alguém e ver a alegria dos outros. Ainda acho que ganho muito bem para isso.
* Estagiária sob supervisão de Ana Paula Lisboa