Empreendi porque sou mãe
Elas abriram uma empresa depois e por causa da maternidade. No Dia das Mães, conheça histórias de mulheres que encontraram nos filhos inspiração para os negócios
Pesquisa do site de empregos Catho com 13.161 pessoas detectou que 28% das mulheres abrem mão do emprego após a chegada dos filhos, contra 5% dos homens. “As mães não querem ‘terceirizar’ a criação do filho e se sentem culpadas por não estarem presentes, por isso começam a repensar se o modelo de atuação pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), com horários fixos, vai trazer realização para elas”, comenta Leylah Macluf, mãe de gêmeos, coach, administradora com MBA em planejamento estratégico e diretora da Consultoria BBold. Uma das conclusões do estudo da Catho é que, quanto mais tempo a mãe passa fora do mercado de trabalho, mais difícil se torna a retomada: 21% das profissionais que deram uma pausa na carreira por causa da maternidade levaram mais de três anos para conseguir se recolocar.
A dificuldade para retomar a carreira pode explicar, em parte, porque três em cada quatro empreendedoras do país abriram o próprio negócio depois da gravidez, segundo dados da Rede Mulher Empreendedora. “Muitas vezes, para voltar ao mercado, é preciso aceitar ganhar o mesmo ou menos do que ganhava há três anos. Muitas não topam e buscam outro caminho, em que o sucesso depende exclusivamente delas”, comenta Leylah Macluf. Outro motivo que leva mães ao empreendedorismo é a possibilidade de ter horários mais flexíveis. A flexibilidade é, sim, uma prerrogativa do empreendedorismo, mas isso não pode ser confundido com a ilusão de que, ao gerir uma empresa, a pessoa terá mais tempo livre.
É o que defende o consultor empresarial e professor de cursos de pós-graduação da Fundação Getulio Vargas (FGV) Luciano Salamacha. “É preciso trabalhar mais sendo dona de um negócio”, compara. Leylah Macluf acredita que o caminho para conseguir ser mãe e empreendedora com sucesso está no planejamento. “Antes de começar, faça um plano de negócios, converse com outras empresárias, descubra os desafios do setor, monte uma reserva financeira, procure entidades de fomento, como o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas)”, indica.
Traços de mãe
Luciano Salamacha ressalta que a maternidade ajuda a desenvolver talentos úteis na gestão de uma empresa, entre eles atenção aos detalhes e resiliência (saiba mais no quadro Prós e contras). Entre os desafios da jornada, Luciano cita o senso de autocrítica das mulheres com filhos. “A mãe empreendedora se sacrifica, muitas vezes não dorme e come mal. Só que isso a deixa suscetível a fragilidades”, observa. A dica da consultora e coach Leylah Macluf para evitar a culpa materna e conseguir bom rendimento é focar na atividade que se desempenha no momento. “Se está no trabalho, não fique com a cabeça em casa. Quando estiver com o seu filho, esteja lá mesmo, deixe o celular de lado”, finaliza.
Três perguntas para / Rafaela Oliveira
Mães que empreendem precisam conciliar muitas atividades e, diversas vezes, podem sentir que não têm tempo para tudo. Qual dica você pode deixar para elas?
O segredo para ganhar tempo é a organização, que deve ser aplicada na casa, na sua rotina e na da sua família, no negócio. Há técnicas que nos ajudam a garantir que consigamos fazer tudo o que precisamos, como lista de tarefas (que precisa ser realista), colocar despertador no telefone para nos lembrar das coisas. Estipule horário e tempo de duração para tudo: academia, trabalho, filhos, cuidados com a casa. Hoje, concilio muita coisa, mas só porque me organizo. A mãe que deseja abrir um negócio tem tudo para dar certo, mas deve abdicar de certas coisas para fazer acontecer.
O home office é um desafio para as mães?
Sim, é complicado. Trabalhar em casa, com filho pequeno, exige rotina, determinação e, principalmente, foco. Visto uma roupa que usaria num emprego: sentar com o computador de pijama não cria um clima propício. No começo, dava tchau para as crianças e, depois, voltava escondida, porque, se soubessem que eu estava em casa, ficariam me chamando.
Como surgiu o seu interesse por organização?
Sempre trabalhei fora e, quando engravidei, decidi dar uma pausa na carreira para ficar com a minha filha. Só que não consigo ficar parada e queria trabalhar e ser mãe. Foi nessa época que surgiu o interesse por organização que acabou virando um site e um negócio. Uma vez eu estava atrasada para o trabalho e gastei um tempão procurando uma camisa. Quando a encontrei, no fundo de uma prateleira, estava toda amassada. Decidi então dar um jeito nisso. Minha casa era toda decorada, mas precisava de funcionalidade e organização. A partir daí, comecei a estudar o assunto, ler livros, fazer curso. Essa mudança foi importante para ganhar praticidade, controlar melhor o tempo. Minha família ganhou qualidade de vida. Organizar virou um hábito: sempre que tiro um objeto do lugar, devolvo. Isso não se aplica apenas ao ambiente, mas também à rotina.
Prós e contras
O consultor Luciano Salamacha elenca vantagens e desvantagens do empreendedorismo materno
Pontos positivos
» A percepção de responsabilidade da mulher com filhos para fazer o negócio dar certo é maior. Por isso, ela pondera mais os riscos a tomar e se dedica muito.
» A mulher é, por natureza, multitarefas. Quando ela se torna mãe, desenvolve uma capacidade de filtrar o que é relevante do que não é, na criação do filho e na gestão da empresa.
» A mãe abandona tudo em prol do filho, então a habilidade de resiliência cresce com a maternidade. Dentro da empresa, isso se revela numa capacidade de enfrentar dificuldades, valorização das relações pessoais e empatia.
» O detalhismo (presente na criação dos filhos e na gestão), no empreendedorismo, se traduz em melhor controle de qualidade e custos e organização.
Pontos negativos
» Atenção dividida. A mulher sem filhos pode trabalhar como uma louca, se dedicar ao projeto o quanto quiser ou até desistir sem muitas consequências. A mãe precisa considerar a família também.
» Algumas acham que vão trabalhar menos sendo empreendedoras, mas isso é uma ilusão, pois precisa zelar de tudo.
» Ao crescer empresarialmente, a mulher precisa se dedicar mais ao trabalho, o que acaba por reduzir o tempo disponível para os filhos. Essa dicotomia gera sofrimento e culpa.
» Quando o filho e a empresa se tornam prioridade, a mãe se esquece de cuidar de si (fica sem tempo para lazer, não faz esporte nem tem alimentação saudável) e fica suscetível a problemas emocionais e de saúde.
Mulher brilhante
Na sexta-feira (19) e no sábado (20), das 9h às 20h, Brasília receberá o evento Mulher brilhante. O encontro será no Centro Internacional de Convenções do Brasil (CICB). Entre os palestrantes está Cris Arcangeli, investidora do mercado de beleza. Inscrições: www.mulherbrilhante.com.br. Ingressos a partir de R$ 487. Há condições especiais para grupos.
Mulheres de fibra, amor e negócios
Confira relatos de mães que empreenderam depois da maternidade
“Eu me formei em comércio exterior e tive dificuldade de conseguir emprego. A maior parte das vagas que encontrei tinha um salário muito baixo, que não daria nem para pagar alguém para ficar com minhas filhas. Uma das seleções que participei era para ser gerente numa madeireira: concorri com 62 candidatos e, na última fase, ouvi do empregador que eu tinha o perfil ideal e era um ‘sucesso’, mas não seria contratada porque tinha filha pequena. Fiquei triste, mas resolvi transformar aquilo em algo bom. Eu tinha muita dificuldade de achar roupas e calçados do jeito que eu queria para uma das minhas filhas e decidi abrir a minha loja. Comecei numa loja de 30m². Hoje, o ponto tem 200m².
A crise nunca afetou o negócio, pelo contrário, só estou crescendo. Realmente sou o ‘sucesso’ que aquele senhor disse que eu era. Adoro o que faço. Trabalho muito, até demais, de domingo a domingo, não tenho tempo de lazer. Antes era mais: eu chegava a perder reuniões e apresentações da escola das minhas filhas. No início, eu ainda cuidava da casa. Hoje, tenho condições de ter uma empregada que me ajuda. Meu esposo me ajuda muito, mas o cuidado com filho sempre pesa mais para a mãe.”
“Eu abandonei a faculdade de engenharia florestal para me encontrar. Pensei em virar adestradora de cachorro, fiz curso de barista, trabalhei num café e numa galeria de arte. Paralelamente, quando comecei a pensar em me tornar mãe, comecei o blog, em 2009, sem nenhuma pretensão de ganhar dinheiro com isso. Eu compartilho os meus perrengues, as pessoas se identificam e acabou crescendo. Durante a gravidez, fechei contrato com uma marca de cosméticos para gestante. No fim da gestação, fiz parceria com uma empresa de produtos para bebês. Eu ainda não dava muita credibilidade para o que eu fazia, mas meu marido dizia que aquilo tinha se tornado a minha profissão. No fim da licença-maternidade do meu primeiro filho é que o site realmente começou a dar dinheiro.
Acho o termo mãe empreendedora esquisito e me tornei uma, mas não porque planejei, aconteceu. Eu tinha a pretensão de ficar sem trabalhar um tempo para acompanhar o primeiro ano dele em tempo integral. Só que percebi que é muito difícil estar completamente à disposição do bebê porque você ainda precisa cuidar da casa. À medida em que o blog se tornou um negócio mesmo (sou microempresária), os desafios aumentaram. Fazer home office com três filhos pequenos é complicado, mas, quando estou com o computador, as crianças sabem que estou trabalhando. E, nos últimos seis meses, começamos uma etapa ainda mais louca: meu marido, que é publicitário, largou o emprego para trabalhar com o blog.
Estamos vivendo só disso, mas sem luxos: meu filho estuda em escola pública, a gente não tem plano de saúde, temos só um carro e usado, moramos de aluguel, vamos ao cinema uma ou duas vezes por ano, não fazemos festa de aniversário, as roupas do enxoval dos meninos sempre foram de segunda mão ou ganhadas. Mas temos qualidade de vida. O trabalho no blog é puxado — meu marido até diz que trabalhar no escritório era um SPA em comparação a isso —, mas adoro o fato de termos liberdade criativa. A culpa é algo presente para todas as mães, pois a sociedade e nós mesmas nos cobramos muito. Temos que nos enxergar como mais humanas e reconhecer nossas limitações, entender que não somos e não precisamos ser perfeitas.”
“Eu sempre me preocupei com alimentação saudável e orgânica. Quando engravidei, eu era servidora pública, trabalhava cerca de 10 horas por dia como gerente de projetos na Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). Na época, pesquisei as opções de comida para crianças no mercado e só achei papinhas industrializadas, até que descobri o Empório da Papinha (especializado em comidinhas orgânicas) em São Paulo. As papinhas são ultracongeladas, com seis meses de validade, não perdem as propriedades, a cor nem o sabor. Basta a mãe esquentar no micro-ondas ou na panela. Gostei tanto que entrei em contato para propor a abertura de uma unidade aqui. Abandonei o serviço público para ficar só com a empresa. Esse foi o jeito que encontrei para ter um horário mais flexível para ficar com as crianças e poder levar meus filhos para meu local de trabalho. Abri minha loja há quatro anos e ainda peno com a mão de obra, uma das maiores dificuldades do negócio.”
» MICHAEL RIOS*
“Meu pai me trouxe de João Pessoa para Brasília quando eu tinha 14 anos e estava grávida e casei cedo após ser emancipada. Depois, eu me vi divorciada, com três filhos, sem pensão alimentícia e precisei me reinventar. Sou técnica de enfermagem e, quando decidi montar a clínica de massagem e estética, há 15 anos, dois foram morar com os avós em Pernambuco porque eu não tinha como sustentá-los. Fiquei aqui para conseguir melhorar a qualidade de vida, tanto a minha quanto a deles. Comecei do zero, tive que pegar aparelhos emprestados para depois comprar os meus. Foi assim que, aos poucos, comprei cremes e outros materiais. Depois, fiz faculdade de estética. Hoje em dia, atendo no Sudoeste e no Condomínio Solar de Brasília, no Jardim Botânico. Pelos filhos, a mãe arranja forças. Como empreendedora posso ainda não me sentir totalmente realizada, mas, como mãe, sim. Muito!”
Leia
Organize sem frescuras — com menos tempo e menos dinheiro
Autora: Rafaela Oliveira
Editora: Astral Cultural
128 páginas
Minha mãe é um negócio — Histórias reais de mulheres que abriram a própria empresa para ficar mais perto dos filhos
Autoras: Ana Claudia Konichi e Patricia Travassos
Editora: Saraiva
152 páginas R$ 29,90
*Estagiário sob supevisão de Ana Paula Lisboa