A Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, a primeira a licenciar bacharéis em artes cênicas, plásticas e visuais no país, mostra sinais de que pretende recuperar o prestígio e a excelência de outros tempos para continuar contribuindo com a formação de artistas e estudiosos na capital federal. No próximo mês, a instituição volta a ofertar cursos de pós-graduação lato sensu. São as especializações em história das artes visuais, direção teatral e gestão de espaços e projetos culturais. Até 3 de agosto, graduados em qualquer área podem se inscrever nas formações.
;As graduações ; bacharelado e licenciatura em artes cênicas e licenciatura em artes plásticas e artes visuais ; também estão com inscrições abertas até a mesma data. Aberta há 35 anos, a escola tinha interrompido os programas de pós-graduação em 2011, quando se intensificaram problemas de gestão que culminaram numa intervenção do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), que começou em 2013. Silvia Paes, diretora da instituição, conta que o ;apelo da população; motivou a reabertura dos cursos. ;As pessoas dizem que sentem falta;, conta.
;A importância desses cursos se dá pela valorização da área de conhecimento. E é interessante porque qualquer pessoa de qualquer área pode fazer;, afirma. ;Quando eles eram oferecidos antes, eram bem reconhecidos.; E a intenção é que a credibilidade se mantenha. ;A faculdade tem um nome a zelar. As aulas serão dadas por bons professores, da casa e convidados;, acrescenta. A demanda por formação na tradicional escola é alta, bem como a contribuição que ela presta à sociedade: 80% dos professores de artes da rede pública do DF se formaram pela Faculdade Dulcina de Moraes.
"O mercado artístico é muito complicado porque a gente trabalha com algo imaterial: o prazer e a alegria;
Débora Aquino, administradora judicial da faculdade, atriz e conselheira de Cultura do DF
Além da sala de aula, os egressos da escola podem trabalhar com arte em si. Silvia avalia que esse é um mercado difícil. Débora Aquino, administradora judicial da faculdade, nomeada pelo MPDFT, observa que falta conferir seriedade ao trabalho de quem não é famoso. ;É muito complicado porque a gente trabalha com algo imaterial: o prazer e a alegria. O setor não é levado a sério, mas é lucrativo. Por alto, a gente sabe que a indústria criativa movimenta cerca de 1,5% do PIB, semelhante ao nível da indústria têxtil;, compara. Silvia acredita que a falta de investimento público é um grande problema. ;Tudo ligado à arte coloca o ser humano em posição de reflexão e pensamento crítico, o que gera temor nos governantes;, defende.
Entenda o caso
O promotor Josué Arão de Oliveira, da 14; Promotoria de Justiça de Apoio Operacional do MPDFT, explica que, devido a irregularidades na administração da fundação, iniciou-se um processo de intervenção. ;A gestão foi afastada e uma direção provisória teve que ser nomeada;, diz. ;Essa administração provisória é responsável só pelo dia a dia. Como há um processo, é necessário acompanhar a instituição com mais rigor;, conta.
Fundação cultural
A Faculdade de Artes Dulcina de Moraes e o Teatro Dulcina (com 400 cadeiras), ambos no Conic, são os dois braços da Fundação Brasileira de Teatro (FBT). Por causa da natureza da instituição, a escola está sujeita à fiscalização do poder público, pois todo o dinheiro arrecadado deve ser investido no propósito da organização, no caso, cultura e educação.
"A importância dos cursos de pós-graduação se dá pela valorização da arte;
Silvia Paes, diretora da faculdade, graduada e mestre em artes cênicas
Escola pioneira
Considerada pela crítica como a mais importante atriz de teatro brasileira no século 20, Dulcina de Moraes (1908-1996) foi ainda diretora, produtora e professora. A escola fundada por ela completou 35 anos em março e está localizada no coração de Brasília, em um prédio projetado por Oscar Niemeyer, no Conic. ;A Dulcina, por proximidade e amizade com Juscelino Kubitschek, frequentava bastante Brasília na época da construção e topou a proposta do presidente de vir à capital e fazer a faculdade, que é o primeiro conjunto de instrumentos para a estruturação de uma carreira do artista;, explica Débora Aquino, administradora judicial da faculdade, nomeada pelo MPDFT.
Segundo ela, o grande ideal da diva do teatro era formar pessoas mais fortes. ;A construção do humano passa pela arte. É impossível não reagir quando se está exposto a uma obra porque, quando você olha um quadro, a primeira coisa que diz é se gostou ou não. Depois, será preciso explicar o porquê. Aí vai ter feito o que a Dulcina queria estimular: o pensamento crítico;, afirma. A diretora Silvia Paes conta que tudo começou com um sonho que Dulcina teve sobre construir uma escola de artes onde a terra fosse vermelha. ;Ela pensou: onde é isso? Quando pisou em Brasília e viu o a cor do barro, disse: esse lugar existe e é aqui.;
Decadência
No tempo de Dulcina, o teatro tinha um público mais fidelizado, que frequentava o local não só para assistir a espetáculos, mas também para participar de encontros e debates. ;Ela foi a diva da dramaturgia em um momento em que o teatro era muito importante no Brasil;, observa Débora Aquino. Com a massificação de novos meios de comunicação, o teatro perdeu espaço. ;Trata-se de uma arte muito rudimentar e tradicional e toda tecnologia que chega a ameaça. Ela sobrevive por causa do aspecto humano;, ressalta Débora. Silvia Paes percebe que a falta de investimento em cultura é a principal causa da falta de público. ;Em um país de terceiro mundo como o nosso, a arte passa por um processo de desvalorização.;
Pratas da casa
Base para o sucesso
;Essa faculdade, para mim, é superimportante. Foi lá onde tudo começou, onde fiz o primeiro teste da minha vida e, a partir disso, entrei na instituição;, lembra o ator brasiliense Murilo Rosa, 46 anos. ;O tempo na Dulcina foi muito marcante. Foi uma experiência linda. Tenho um carinho muito grande por professores daquela época;, diz.
Murilo faz questão de rememorar uma frase dita pelo professor Humberto Pedrancini. ;Ele me disse: ;Murilo, se um dia você puder fazer alguma coisa pela arte, faça porque você tem talento;. Fiquei muito contente, foi um incentivo muito grande;, afirma o ator que tem mais de 20 anos de carreira e atuou em mais de 25 novelas, 18 filmes e 12 peças de teatro. Atualmente participa do reality musical PopStar da Rede Globo, que estreia neste domingo (9), às 13h.
Formação marcante
A artista plástica Suzy Lima de Souza, 50 anos, professora do Centro Educacional 1 do Guará, estudou artes plásticas na Dulcina entre 1984 e 1988. ;Uma vez, entrei no elevador e dei de cara com Eduardo Dusek (ator, cantor e compositor), quase morri. Gostava tanto da faculdade que nunca faltava;, lembra. Ela teve a oportunidade de fazer uma entrevista com a própria Dulcina de Moraes.
;Foi muito marcante. Ela tinha um perfume fortíssimo. Falava e parecia encenar uma peça;, conta. Pós-graduada em psicopedagogia clínica, acredita que Dulcina ajudou a fazer da capital federal um centro de cultura. O vínculo pessoal com a instituição se revela forte. ;A faculdade foi a base de tudo que consegui na minha vida. O que eu sou e tenho devo a ela. Hoje em dia, consegui um lugar no mercado e é quase um sonho;, afirma.
O espetáculo não para
A história do diretor de teatro Fernando Guimarães, 52 anos, está completamente ligada à da faculdade. Aos 18, começou a estudar na instituição. ;Fui aluno da Dulcina e foi fantástico porque ela era uma pessoa impressionante. Desde então, tenho uma relação amorosa e profissional com a fundação. Por isso, acabei voltando;, conta o docente mais antigo ainda em ativa na escola ; ele entrou em 1996.
;A aula dela era um espetáculo. Para mim, aquilo era ensina;, relembra. Ele explica que a fundação tem passado por muitas dificuldades, mas a importância dela prevalece. ;A gente tem uma equipe docente e discente muito apaixonada e é isso que mantém a Dulcina firme. Nós nunca deixamos de trabalhar, mesmo sem receber.; Com o irmão, Adriano Guimarães, Fernando dirige peças.
* Estagiária sob a supervisão de Ana Paula Lisboa