Trabalho e Formacao

PEC nº 29/2016 acaba com concursos só para cadastro de reserva

Pela proposta, todo edital teria validade de dois anos prorrogável por mais dois anos e, nesse período, a administração pública ficaria obrigada a contratar os aprovados dentro do número de vagas antes de abrir outro certame

Ana Paula Lisboa
postado em 30/07/2017 14:40

Para regulamentar os concursos públicos

Pela proposta, todo edital teria validade de dois anos prorrogável por mais dois anos e, nesse período, a administração pública ficaria obrigada a contratar os aprovados dentro do número de vagas antes de abrir outro certame

Tramita no Senado a PEC n; 29/2016, com o objetivo de estabelecer regras para o setor. Pela proposta, todo edital teria validade de dois anos prorrogável por mais dois e, nesse período, a administração pública ficaria obrigada a contratar os aprovados dentro do número de vagas antes de abrir outro certame. Também ficaria vedada a abertura de seleção apenas
para cadastro de reserva No Brasil, os concursos públicos como conhecemos hoje foram instituídos pela Constituição Federal de 1988. O artigo 37 definiu os certames como porta de entrada padrão para o trabalho em órgãos governamentais e criou algumas regras. No entanto, de lá para cá, durante a execução de diversos processos seletivos públicos, foi possível observar que as normas carecem de atualização. O Poder Legislativo vem tentando estipular novos princípios para a questão (veja quadro Outras propostas). Uma das mais recentes tentativas é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n; 29/2016, que pretende alterar as regras para a realização de concursos no país e, se aprovada, pode ter grandes impactos tanto para os órgãos governamentais quanto para os concurseiros.
O documento, de autoria de 27 senadores, estabelece que o número de vagas ofertadas em editais de seleções deve ser igual ao número de cargos realmente desocupados na instituição, que fica obrigada a preencher essas vagas. A proposta também veda a abertura de certames exclusivamente para formação de cadastro de reserva e a quantidade de vagas ofertadas nessa modalidade não poderia exceder 20% das oportunidades efetivas oferecidas. Ficaria proibido ainda o lançamento de concurso quando houver candidatos aprovados não convocados em certame anterior dentro do prazo de validade.
Essa proposta não tem malandragem nenhuma, ela só visa acabar com a máfia dos concursos, a máfia das empresas que só veem os certames como forma de ganhar dinheiro Paulo Paim, senador
Outra alteração importante seria com relação ao período de validade dos editais, que passaria a ser de dois anos, prorrogável uma vez por igual período. Desde março, o documento está pronto para ser votado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, com relatoria do senador Ivo Cassol (PP-RO), que avaliou a proposta como constitucional. O senador Paulo Paim (PT-RS), o primeiro signatário da PEC, espera que o texto tramite ainda este ano. ;Essa proposta não tem malandragem nenhuma, ela só visa acabar com a máfia dos concursos, a máfia das empresas que só veem os certames como forma de ganhar dinheiro;, afirma. ;O objetivo é moralizar e regulamentar o concurso;, completa. Renato Saraiva, vice-presidente da Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos (Anpac), não tem posição formada sobre a PEC n; 29/2016, mas ressalta que ela vem para atender uma necessidade gritante: regimentar os certames.
É preciso ter limites, transparência e regras claras em concursos também para evitar fraudes Renato Saraiva, vice-presidente da Anpac
;Não existe regra ou lei federal que regulamente os concursos. Existem algumas legislações estaduais, como a de Goiás, mas não uma nacional, o que abre brecha para muitos problemas;, percebe. ;Hoje, tem banca que lança edital com provas daqui a 40 ou 50 dias, um prazo pequeno. Não há norma sobre o que acontece com mulheres grávidas em testes físicos. Cada uma faz o que quer;, observa. ;É preciso ter limites, transparência e regras claras também para evitar fraudes ; por exemplo, seleções municipais em que o prefeito e a primeira-dama foram os primeiros colocados;;

Argumentos
Paulo Paim defende a PEC n; 29/2016 por uma série de motivos. ;Primeiramente, ela protege os concurseiros, ao impedir o estímulo à indústria do concurso;, garante. ;Cria-se um mundo da ilusão quando promovem certames e não preenchem as vagas, muitas vezes usando a desculpa do cadastro de reserva. Depois, cobram novas taxas de inscrição enquanto há aprovados que não foram chamados;, critica. ;Queremos fazer com que as vagas anunciadas tenham que ser preenchidas e, enquanto elas não forem preenchidas, o órgão não pode fazer outro concurso;, explica. Segundo André Alencar, professor de direito constitucional e de processo legislativo no Gran Cursos Online, ;a grande vantagem da PEC é o fato de ela tornar regra jurídica chamar os aprovados dentro do número de vagas;.

A grande vantagem da PEC é o fato de ela tornar regra jurídica chamar os aprovados dentro do número de vagas André Alencar, advogado, especialista em direito público, professor do Gran Cursos Online
Outro ponto positivo seria a limitação do cadastro de reserva. ;Isso evitaria que os concursos coloquem as oportunidades de má-fé, sem interesse de contratar verdadeiramente, apenas para arrecadar dinheiro;, conta. Ele, que é advogado e especialista em direito público, pondera, porém, que a eliminação dos certames exclusivos para cadastro de reserva poderia ter uma consequência negativa. ;A saída de servidores não é previsível e, no máximo, quando houver muitos desligamentos ou aposentadorias, o órgão poderia ter problema. Mas é uma eventualidade tão rara que não merece atenção;, pontua.

Contratação mandatória
Além dos concurseiros, outra grande beneficiada com a aprovação da proposta, segundo Paim, seria a própria administração pública. ;Ela é a parte mais interessada, pois fica prejudicada quando pessoas passam e não são contratadas.; Como exemplo, ele cita a carência de pessoal em diversos órgãos. ;Hoje, são 900 fiscais do Trabalho e precisaríamos de mais de 10 mil. Sem esses trabalhadores, o governo e a população ficam desatendidos;, diz. Na visão do senador gaúcho, a obrigatoriedade de contratar os aprovados não resultaria em problemas financeiros para o Estado. ;Está mais do que comprovado que o servidor público mais rende do que gasta, ele é investimento;, garante.
;Os auditores fiscais, por exemplo, conseguem arrecadar muito do que é devido à Previdência e, com mais pessoas concursadas, poderiam ter um rendimento ainda melhor;, prevê. O professor de direito André Alencar ainda complementa ao dizer que o governo não sairia prejudicado caso determinadas vagas deixassem de ser necessárias. ;Isso é muito fácil de resolver, ainda mais no Poder Executivo, que pode extinguir cargos vagos por decretos. Mais tarde, se a necessidade voltasse a aparecer, eles poderiam ser recriados por meio de lei;, diz. ;O que não dá é para obrigar uma instituição pública a abrir concurso sem previsão orçamentária: se a receita dela não supre aqueles empregos, não tem como obrigar a fazer certame;, pondera.
Período ampliado
O médico Fabrício passou no mesmo concurso duas vezes e ainda não foi convocado: se as regras da PEC valessem na época, teria vaga garantida

Ao estender o prazo de validade das seleções, o senador Paulo Paim acredita que o governo poderá economizar e, assim, chamar todos ou quase todos os aprovados. ;Você deixará de ter um gasto exagerado fazendo um novo concurso desnecessário, sendo que há pessoas prontas para serem convocadas.; André Alencar, professor de direito constitucional e de processo legislativo no Gran Cursos Online, ressalta que a mudança de validade não seria tão grande, mas traria efeitos significativos. ;O prazo inicial passaria de até dois anos para dois anos. Isso seria útil para o órgão, pois, se houver uma grande saída de servidores ou expansão, ele teria gente para convocar;, diz. ;Além disso, com mais prazo para convocar, a administração evitaria custos, por exemplo, de ministrar cursos de formação e, depois, não poder empregar os aprovados.;


Esse problema marcou a vida de Fabrício Duarte Caires, 41 anos. Ele passou nos concursos para médico-legista da Polícia Civil do Distrito Federal duas vezes: em 2008 e em 2014. Na primeira vez, chegou a fazer o curso de formação obrigatório, mesmo assim, não foi convocado. Após passar no certame de novo, concluiu essa capacitação novamente, agora, aguarda a convocação e é membro da Comissão de Médicos-Legistas Aprovados no Concurso de 2014. ;É antieconômico gastar ministrando curso de formação (com mais professores, materiais e estrutura), repassando informações sensíveis a quem não vai fazer parte da corporação;, critica. ;Sou repetente. Em 2008, chamaram até o 27; aprovado e eu era o 30;. Agora, eram 20 vagas efetivas e 40 de cadastro de reserva e eu fiquei na 24; posição;, relata. O prazo de validade de ambos os concursos era de um ano prorrogável por igual período.


;Se, na época, essa PEC estivesse valendo, eu teria sido convocado da primeira vez. Fui vítima de prazos muito curtos;, afirma. ;Além disso, a minha vaga nem seria de cadastro de reserva, que passaria a ser de no máximo 20% das chances efetivas. A PEC está querendo dizer que o cadastro de reserva é cruel e que é preciso estabelecer algo razoável;, diz. O médico, servidor da Secretaria de Saúde do DF há nove anos, espera que, se a PEC entrar em vigor, também diminua a quantidade de processos abertos na Justiça por pessoas que exigem ser empossadas. O senador Paulo Paim vê um grande problema em situações como a enfrentada por Fabrício. ;Quando se é aprovado e até chamado para um curso de formação, subentende-se que a pessoa será contratada. Ao não fazer isso, você corta sonhos e esperanças dos concurseiros e deixa a população desassistida;, analisa o parlamentar.

Outras propostas

A PEC n; 29/2016 retoma o que foi discutido na PEC n; 48/2004, que acabou arquivada. Alguns dos objetivos dela aparecem repetidos no substitutivo da Câmara dos Deputados n; 12/2015 ao Projeto de Lei do Senado (PLS) n; 122/2008 (o qual aguarda designação de relator), que estabelece que concursos para cargos e empregos públicos federais deverão indicar o quantitativo de vagas para provimento, veda a realização apenas para formar cadastro de reserva e confere direito à nomeação dos aprovados no limite das vagas, não computadas as desistências.


Além dessas propostas, há muitas outras que pretendem regular concursos públicos. A PEC n; 75/2015 (pronta para deliberação no Plenário do Senado desde julho do ano passado) visa criar uma lei geral para os certames. A PEC n; 130/2015 (pronta para deliberação no Plenário do Senado desde outubro do ano passado) pede que seja suspenso o prazo de validade de concurso público quando a administração suspender nomeações ou a realização de novos concursos públicos. (APL)

Fale, concurseiro

Pessoas que se preparam para certames dão opinião sobre a PEC n; 29/2016

Michael Rios*

Pela proposta, todo edital teria validade de dois anos prorrogável por mais dois anos e, nesse período, a administração pública ficaria obrigada a contratar os aprovados dentro do número de vagas antes de abrir outro certame

Bruna Cristine, 23 anos, bacharel em direito
pela Universidade Paulista (Unip)
;Não acho que a PEC seja uma boa ideia. Tirar o cadastro reserva não é a solução. Se eles conseguirem realmente que chamem o número de vagas que nem pretendem os autores da PEC, seria bom. O cadastro reserva ajuda o concurseiro, então acaba sendo meio a meio: não é ruim, mas também não é muito bom. O que me fez começar a prestar concursos públicos é que tenho muita vontade de ser policial. Normalmente estudo no horário de almoço do trabalho ; sou auxiliar administrativa num negócio imobiliário ; e, quando chego em casa, continuo a rotina de preparação. O que me ajuda são videoaulas.;

Pela proposta, todo edital teria validade de dois anos prorrogável por mais dois anos e, nesse período, a administração pública ficaria obrigada a contratar os aprovados dentro do número de vagas antes de abrir outro certame

Vanessa Cardoso, 23, aluna do 10; semestre de arquitetura na Universidade de Brasília (UnB), estagiária no Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT)
;Concordo com a ideia de não iniciarem outro certame até todas as vagas do anterior serem preenchidas porque os concurseiros investem nos exames e tem gente que até vem de outros estados para tentar uma chance. Meus pais são assistente administrativa e vigilante da Secretaria de Estado de Educação, minha família toda praticamente é de servidores. Faço cursinho pela manhã todos os dias, com exceção da quarta-feira, quando vou para a universidade. Meu objetivo é entrar em uma vaga na minha área (arquitetura) e me interesso atualmente pelos concursos que devem abrir, da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (Cdhu) e da Câmara Legislativa.;

Pela proposta, todo edital teria validade de dois anos prorrogável por mais dois anos e, nesse período, a administração pública ficaria obrigada a contratar os aprovados dentro do número de vagas antes de abrir outro certame

Rarison Erlevi, advogado, trabalha como técnico em
secretariado na Defensoria Pública da União (DPU)
;Para mim, é excelente acabar com o cadastro de reserva porque ele gera uma expectativa para tomar posse do cargo: você pode ser chamado quando forem surgindo vagas, mas e se essas vagas jamais vierem? Para os órgãos, o cadastro de reserva é bom, pois a administração pública não é obrigada a chamar os aprovados. Hoje, viso ao próximo concurso do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e, daqui a três ou quatro anos, para o Ministério Público. Minha meta é me tornar promotor.;

Pela proposta, todo edital teria validade de dois anos prorrogável por mais dois anos e, nesse período, a administração pública ficaria obrigada a contratar os aprovados dentro do número de vagas antes de abrir outro certame

Anne Cellos, 25 anos, pedagoga, atua como professora temporária na Escola Classe 116 de Santa Maria
;Estudei para o concurso da Secretaria de Estado de Educação do DF, passei em oitavo lugar e aguardo ser chamada. A preparação foi muito difícil, estava exausta, estudava durante o intervalo do trabalho, fazia resumos e resolvia questões regularmente. Até dou uma dica para quem quer prestar concurso público: resolva exercícios. Foi o que me ajudou a passar. Acho a PEC interessante porque ela acaba com concurso só para cadastro de reserva e obriga os órgãos a convocarem. Fazer uma prova demanda tempo, estudo, e a ideia de não ser chamado é complicada.;

Pela proposta, todo edital teria validade de dois anos prorrogável por mais dois anos e, nesse período, a administração pública ficaria obrigada a contratar os aprovados dentro do número de vagas antes de abrir outro certame

Jeniffer Suzarte, 28, educadora física e
pós-graduada na área
;Aparentemente, a PEC n; 29/2016 seria boa para o concurseiro porque garantiria vaga para quem fosse aprovado, o problema é que, no Brasil, nada funciona como dizem. Além disso, com a PEC n; 241/2017 (que limita os gastos públicos), sobrarão poucas oportunidades para o concurseiro. Quando decidi prestar concurso público, foi pela estabilidade. Em 2011, cheguei a passar no concurso do Metrô, mas nunca fui chamada. Hoje trabalho na Academia Nova Geração como professora, estudo duas horas por dia com videoaulas e exercícios de provas anteriores de algumas bancas e quero tentar o concurso da Polícia Militar quando sair o edital.;

*Estagiário sob a supervisão de Ana Paula Lisboa

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