Trabalho e Formacao

Como o Brasil vai se desenvolver se empregadores fecham portas para jovens?

O dilema preocupa até o Banco Mundial. Segundo classificação da instituição financeira, no Brasil, mais da metade da população de 15 a 29 anos está "Cdesengajada" em termos de produtividade. O conceito engloba, além de desempregados e "nem-nem", pessoas que estudam com atraso e que trabalham informalmente

Igor Caíque*, Ana Paula Lisboa
postado em 11/03/2018 13:39

Cadê o emprego dos jovens?

Camila quer arrumar emprego para pagar um cursinho pré-vestibular; ela sonha em estudar na UnB

Pessoas de 15 a 29 anos em busca de trabalho têm mais dificuldade de conseguir uma oportunidade. No Brasil, mais da metade dessa população está ;desengajada; em termos de produtividade, segundo
classificação do Banco Mundial. O conceito engloba, além de desempregados e ;nem-nem;,
pessoas que estudam com atraso e que trabalham informalmente

Camila Mourão, 19 anos, terminou o ensino médio em 2016 e, desde então, estuda para conseguir uma vaga em sociologia ou história na Universidade de Brasília (UnB) e procura emprego. ;Eu passo de três a quatro horas por dia, de segunda a sexta-feira na biblioteca de Ceilândia, estudando por conta própria. Fiquei o ano de 2017 tentando conseguir algum trabalho para pagar um cursinho preparatório, mas não tive sucesso;, lamenta. Camila não esperava se deparar com essa dificuldade, já que sempre procurou se aperfeiçoar. ;Durante o ensino médio, eu era boa aluna. Além disso, fiz cursos de assistente administrativo, informática e contabilidade. Estagiei durante seis meses numa operadora de telemarketing e, ainda assim, não consigo emprego;, conta. Para mudar o jogo, aposta na importância de investir em educação, motivo pelo qual não desanima de tentar passar no vestibular. ;A graduação abre portas;, afirma.

O dilema preocupa até o Banco Mundial. Segundo classificação da instituição financeira, no Brasil, mais da metade da população de 15 a 29 anos está

Apesar disso, Camila não vê o futuro profissional de jovens, como ela, com otimismo. ;Estamos passando por um momento complicado. Não há educação de qualidade, nem muitas vagas em faculdades públicas. Também são poucas as oportunidades de emprego. Como teremos experiência profissional se não acreditam em nós?;, questiona. A impressão de que falta espaço para os jovens no mercado de trabalho é corroborada por uma série de estudos (confira o gráfico Faixa etária em alarme). Inexperiência, imaturidade e baixa qualificação profissional se juntam à falta de abertura de empregadores, criando uma situação alarmante: 30% da população brasileira de 15 a 24 anos em busca de trabalho terminou 2017 desempregada, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O percentual é o maior em 27 anos e contrasta com a média de desemprego juvenil no resto do mundo: 13,1%. O resultado do Brasil se assemelha ao de países que passam por problemas gravíssimos, como Síria (30,6%) e Haiti (34%). Das 190 nações avaliadas pela OIT, apenas 36 tiveram resultados piores que os nossos.

Crescimento ameaçado

Pesquisa publicada pelo Banco Mundial no início do mês traz perspectivas desanimadoras: mais da metade (52,2%) dos brasileiros de 15 a 29 anos tem grande probabilidade de ficar vulnerável à pobreza ao não ter acesso a bons empregos. Isso equivale a quase 25 milhões de pessoas que estão, na classificação do estudo, ;desengajadas; em termos de produtividade. Entram nessa soma os desempregados, os 11 milhões de ;nem-nem; (que nem trabalham nem estudam), os que estudam com distorção idade-série e os que trabalham na informalidade. O percentual de indivíduos nessa situação chegou a cair em períodos de crescimento econômico mais acelerado (entre 2004 e 2011), mas logo ficou estável (entre 2011 e 2014) e passou a subir a partir de 2014. Essa alta prejudica o desenvolvimento e a recuperação do país, além de fazer com que mais gente corra risco de cair na miséria. No país, apenas 23% dos cidadãos de 15 a 29 anos não estão na escola, em treinamento ou trabalhando, enfrentando, assim, a forma mais extrema de desengajamento.

Infelizmente, apenas investir em educação não é suficiente para garantir empregabilidade ou grandes adicionais em renda. O retorno financeiro de terminar um curso superior ou o ensino médio, por exemplo, está em queda. Isso porque, muitas vezes, as pessoas têm acesso a formações de má qualidade, que não garantem melhor desempenho ou expertise no mercado de trabalho. Os pesquisadores do Banco Mundial defendem que é preciso implementar políticas públicas voltadas aos jovens que costumam ficar de fora das já existentes, com foco em competência e emprego. Laís Alves, psicóloga e especialista em gestão de equipes e liderança estratégica pelo Centro Universitário Newton Paiva, vê nos problemas econômicos do país o agravante que prejudica a inserção de jovens no mercado de trabalho. ;A crise afeta pessoas de todas as faixas etárias, inclusive as mais novas. Só que, no caso da juventude, os candidatos, em geral, têm pouca experiência profissional e baixa qualificação, o que os deixa menos competitivos. Geralmente, os empregadores priorizam aqueles com boa bagagem;, afirma.

Kelvin procura emprego como professor desde que se formou, em 2015

Os transtornos de ficar à margem da produtividade vão além dos financeiros ou profissionais e são também de ordem emocional. ;Cada indivíduo reage ao desemprego de forma diferente, mas a falta de espaço para os mais novos pode ocasionar baixa autoestima e sentimento de inferioridade. E a falta de autoconfiança pode fazer a situação ficar ainda mais complicada;, avalia. Para aumentar as chances de êxito, Laís deixa dicas. ;É preciso avaliar o mercado, verificar se as suas qualificações estão de acordo com o que os contratantes exigem e, por fim, saber quais são as empresas que acreditam nos jovens para apostar nelas;, orienta. Essa identificação, segundo ela, pode ser feita por meio de análise da cultura organizacional de cada instituição. ;Quais são as companhias que oferecem bons programas de estágio ou trainee? Entre os funcionários efetivados, há algum ex-estagiário? Qual a situação financeira da firma? Essas perguntas dão base para saber se na organização há mais possibilidades de contratação;, ensina.

Luta para trabalhar na área

O sonho profissional de Kelvin Freitas, 23, é contribuir com o desenvolvimento educacional de crianças. Por isso, ele cursou pedagogia num centro universitário particular. Quando terminou a faculdade, em 2015, passou logo a procurar emprego como professor de ensino fundamental. Depois de várias negativas, ele conseguiu trabalho, há um mês, mas sem carteira assinada, para atuar como auxiliar em um curso de memória e raciocínio. Sem outras oportunidades, o jovem aceitou o cargo, mas continua em busca de outra posição, condizente com o curso superior. Ele também estuda para concursos. Na opinião de Kelvin, a própria falta de experiência é uma barreira. ;Eu me considero um bom profissional, mas confesso que deveria ter aproveitado mais a faculdade. Tenho muita teoria e pouca prática, pois, na minha área, é muito difícil conseguir estágio;, afirma. Outro problema é a situação do mercado.


;Não há muito investimento particular em educação. Assim, nós, profissionais, ficamos à mercê da boa vontade do governo. Soma-se a isso a crise financeira e política do país, que corrobora com a desvalorização dos professores;, avalia. O último obstáculo é a discriminação contra professores do sexo masculino no ensino fundamental. ;A pedagogia é um curso majoritariamente feminino. Por ser homem, a chance de conseguir algo é muito pequena, pois a população e os empreendedores não aceitam que alguém desse gênero possa ;educar; seus filhos;, ressalta. Gestora de Carreira no Instituto Brasileiro de Mercados e Capitais (Ibmec), Laís Alves admite que o mercado de trabalho é cheio de preconceitos ; inclusive com relação à faixa etária. No entanto, ela defende que os jovens podem quebrá-los, vendendo a própria imagem de forma efetiva. ;Todo empregador quer um profissional seguro de si e com objetivos de vida bem definidos.;

Milena penou para conseguir emprego e, hoje, trabalha numa rede de lanchonetes

O peso da experiência

Renata Pimentel, gerente de RH da TIM, ressalta que a falta ou a baixa quantidade de experiência é uma barreira para ingressar no mercado de trabalho. Contudo, é possível vencer a questão demonstrando interesse e compromisso durante a entrevista de emprego. ;Essas características se tornam vantagem competitiva;, explica. Durante a faculdade e o ensino médio, porém, é muito válido fazer estágio. ;Muitos estagiários são efetivados. Quem demonstrar vontade e engajamento tem mais chances de efetivação.;

Quando terminou o ensino médio, em 2014, Milena Cruz Damasceno, 20, começou a procurar emprego e entendeu que a falta de bagagem trabalhista seria um problema. ;Até então, eu só havia feito alguns bicos como vendedora de roupas;, diz. O grande objetivo na busca por emprego era conseguir pagar uma faculdade. A jovem distribuiu muitos currículos, mas não era chamada para entrevistas. ;Comecei a pensar que jamais conseguiria emprego. Fiquei desestimulada.;

A sorte de Milena mudou por meio de uma ferramenta a que muitos recrutadores recorrem: a indicação. ;Uma amiga me indicou e consegui uma vaga numa rede de lanchonetes, como anfitriã;, comemora. Milena ainda não começou uma faculdade, mas, desde a contratação, tem economizado para isso. ;Pretendo fazer administração;, planeja. Milena não acredita que o alto índice de desemprego entre jovens se deve apenas à falta de estudo e qualificação. ;Conheço muita gente com estágios, nível superior e outros cursos no currículo que, mesmo assim, não consegue emprego. Os donos de empresas não sabem valorizar a juventude;, critica.

5 passos para entrevistas

A psicóloga Laís Alves dá dicas para que jovens se saiam bem em seleções:*Estagiário sob a supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa

1) Mantenha a calma
Pessoas nervosas ou ansiosas não costumam passar credibilidade ao avaliador.

2) Conheça a cultura organizacional da empresa
Assim, você saberá qual roupa deve vestir para ir à entrevista e qual comportamento deve ter. Há candidatos que são informais demais, outros são extremamente formais. Conheça a firma em que você quer trabalhar e equilibre-se.

3) Evite falar palavrões ou gírias
Essas expressões são muito comuns entre os jovens, então deve-se tomar cuidado. É preciso pensar bem no que falar. Quem contrataria uma pessoa que não tem domínio da língua portuguesa ou fala besteiras?

4) Apresente o seu diferencial
O que você tem que pode colocá-lo numa posição de destaque entre os candidatos? Deixe isso bem claro para o avaliador.

5) Valorize as experiências acadêmicas
Faça cursos extracurriculares, aprenda outro idioma, faça estágio. Invista em si mesmo.

5 passos para depois da contratação

Conseguir um emprego é apenas o começo. A gestora de RH Renata Pimentel deixa conselhos para recém-contratados:

1) Seja ético
Profissionais com moral revelam que têm bom caráter e que são de confiança.

2) Aposte em responsabilidade

Qual empregador manteria uma pessoa que não se compromete com a empresa?

3) Adote postura de aprendiz
Num primeiro momento, é preciso demonstrar interesse em aprender a como se tornar um bom profissional.

4 ) Não fique parado, parta para a ação
Após o período de aprendizado, é preciso colocar em prática tudo o que foi ensinado.

5) Tenha proatividade

Um bom trabalhador
tem iniciativa, não fica esperando o chefe mandar fazer algo.

Problemas comportamentais

Professor de sociologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), Ilton Teitelbaum acredita que a falta de abertura do mercado de trabalho à juventude é ocasionada também pelo temperamento das gerações mais novas. ;São pessoas muito fragilizadas emocionalmente, não conseguem desenvolver trabalho em equipe, não sabem ouvir os mais experientes e carecem de reconhecimento a todo momento. Isso é prejudicial;, analisa. O docente diz que tudo isso gera desperdício de potenciais, pois os mais jovens têm mais facilidade para aprender a manusear novas tecnologias, por exemplo. A solução para os problemas de ordem comportamental, de acordo com ele, é fazer um intercâmbio de expertises. ;Enquanto os mais experientes ensinam como aceitar eventuais frustrações e acatar ordens, os jovens podem ensinar como dominar as ferramentas tecnológicas;, recomenda.

Estagiário sob a supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa

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