A licença-maternidade de seis meses emplaca?
Caso projeto originário do Senado seja aprovado na Câmara dos Deputados, Brasil passará a fazer parte dos 20% dos países que oferecem mais de 120 dias de afastamento para mulheres que acabaram de ter filho
O Brasil está a um passo de se tornar uma nação mais humanitária. Essa é a avaliação de especialistas diante da possibilidade da aprovação de projeto que altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para aumentar a licença-maternidade de 120 para 180 dias. Assim, o tempo para as mães com carteira assinada cuidarem de seus bebês antes de voltarem ao trabalho se igualaria ao das servidoras públicas e ao de empregadas de empresas participantes do programa Empresa Cidadã, e estaria de acordo com o recomendado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). O Projeto de Lei do Senado (PLS) n; 72/2017, de autoria da senadora Rose de Freitas (MDB/ES), foi aprovado na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado no início de abril e está na Câmara dos Deputados, como Projeto de Lei (PL) n; 10.062/2018, aguardando para ser votado. Passando por lá, segue para sanção do Presidente Michel Temer.
A chance de ter dois meses a mais com os filhos antes de retomar a rotina laboral é boa notícia para mães e futuras mães. Ao longo dos anos, surgiram vários projetos e propostas com o intuito de prolongar essa licença, mas até agora nenhum virou realidade. Na consulta pública feita pelo Senado sobre o PLS n; 72/2017, 95% das pessoas declararam apoio à proposta. A Câmara dos Deputados e
stá com pesquisa aberta acerca do tema. À espera do primeiro filho, Eveline Vila Nova Hart, 36 anos, vê a ampliação da licença com bons olhos. ;É um tempo maior e necessário: com quatro meses, o bebê é tão frágil e indefeso que, por mais que a creche seja bem indicada, ficamos com medo;, relata a grávida de quatro meses, que é atendente em uma empresa de turismo.
Mãe de primeira viagem, Fernanda Ferreira, 32 anos, se anima com a possibilidade. Tendo tirado a licença quando o filho de um ano e quatro meses nasceu, ela reconhece que o período é curto e que seria muito mais benéfico se pudesse ficar mais com a criança. ;É recomendado o aleitamento materno exclusivo nos primeiros seis meses, mas o período liberado pelas empresas para dar de mamar é muito pouco, o que dificulta. Os primeiros meses da criança são fundamentais para toda a vida;, enfatiza. É exatamente por isso que a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) levanta essa bandeira há tanto tempo. ;A pessoa mais importante para cuidar do bebê nesses primeiros momentos da vida é a mãe. Como ela vai amamentar até os seis meses se tiver de voltar a trabalhar quatro meses após o parto? Não é impossível, mas obviamente é difícil;, afirma Elsa Giugliani, presidente do Departamento de Aleitamento Materno da SBP.
Dever de todos
Para Camila Jordão, psicóloga do Coletivo Amaú, que atende mulheres durante o período de gestação e pós-parto, promovendo rodas de conversa, as trabalhadoras sofrem muito ao engravidar por causa do modo como o mundo corporativo as tratam. ;Em quatro meses não dá tempo nem de seguir as recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde) de amamentação exclusiva. Raras são as mães que conseguem. Tendo os seis meses, é melhor;, diz. De acordo com Elsa Giugliani, médica e doutora em saúde da criança e do adolescente pela Universidade de São Paulo (USP), a licença de seis meses significaria atenção maior com aqueles que são considerados o futuro da nação. ;Para o país ser saudável e desenvolvido, tem de ter cuidado com as crianças;, enfatiza.
A fim de garantir que não haja resistências a propostas como o período de afastamento maior para mães, a sociedade precisa se conscientizar de que a infância é responsabilidade de todos: não só da mãe e da família, mas também da comunidade e do Estado. ;A ampliação da licença é um avanço social praticado em vários países desenvolvidos. É muito importante investir na criança para melhorar a sociedade;, destaca a mestre em saúde materna e infantil pela Universidade de Londres. Além disso, Elsa considera que a modificação é importante para trazer igualdade entre a situação de celetistas e servidoras públicas. ;É uma questão de isonomia. Não é justo que só algumas mulheres tenham esse direito tão importante, e outras, não;, afirma.
Vitória
Mãe de quatro filhos, Mariana Lima, 29 anos, diz que a aprovação do projeto seria uma grande vitória. Nas duas primeiras gestações, há 10 anos e há seis anos, ela tirou a licença do emprego como brigadista. Ao engravidar pela terceira vez, há três anos, porém, resolveu largar o emprego para poder se dedicar aos pequenos. ;Eu senti essa necessidade de abandonar meu serviço, porque a licença não é suficiente, a criança sente a nossa falta e fica muito carente quando voltamos a trabalhar;, relata ela, que organiza festas infantis. Na opinião de Mariana, aumentar o tempo da licença será um avanço, mas opina que seria melhor ainda se o afastamento pudesse ultrapassar o primeiro semestre de vida. ;Até os oito meses acho que seria melhor para a adaptação da criança. Ainda tem a amamentação que a gente acaba tirando antes da hora;, afirma.
Participação paterna
A primeira versão do PLS
n; 72/2017 previa a possibilidade de o pai ser dispensado do serviço para acompanhar duas consultas ou exames médicos da mãe. No entanto, esse dispositivo foi retirado do projeto de lei, que agora só versa sobre a licença-maternidade. Independentemente disso, seria uma alternativa válida para envolver mais os homens na vida dos filhos desde o início. ;A intenção é o incentivo à paternidade responsável;, observa a advogada Claudia Abdul Ahad Securato. Para a psicóloga Camila Jordão, seria um grande ganho. ;É fantástico. O pai tem uma restrição muito grande e é preciso trazê-lo para essa dinâmica familiar, tirar essa visão cultural de que a responsabilidade é unicamente da mãe;, diz.
Ela ressalta ainda a importância da ampliação da licença-paternidade, que hoje é de cinco dias. ;É um absurdo, porque é pouco tempo para eles ficarem com os filhos;, elenca. Analista de recrutamento, Marcelo Olivieri acredita que a sociedade caminha rumo a um momento de rever todas as licenças, inclusive essa. ;Eu não acho que o pai precise de um período tão grande afastado do trabalho, mas a quantidade que temos hoje é muito pequena;, explica. Essa também é a posição de Fernanda Ferreira, que tem um filho de um ano e quatro meses.
;O Brasil é retrógrado, age como se a mãe fosse a única a ter a responsabilidade de cuidar da criança, mas o pai também tem que fazer a parte dele. É uma sociedade machista, e a gente não se pergunta o porquê das coisas;, afirma. Para ela, que é graduada em relações internacionais, é necessário garantir mais direitos para as mães ao possibilitar e até impor que os homens passem a exercer mais o cuidado com os filhos e com a casa. ;É uma forma de empoderar as mulheres. Por mais que muitas estejam no mercado de trabalho, elas são as grandes responsáveis pela família, e muitas deixam de ter filhos por essas dificuldades;, comenta.
30% largam a carreira
Pesquisa feita pelo site de empregos Catho mostra que o número de mães que deixam o mercado de trabalho após o nascimento dos filhos é quatro vezes maior que o de pais. O estudo foi elaborado em janeiro de 2018. No total, foram 5.120 respondentes de todo o Brasil. Sendo 54,6% homens e 45,4% mulheres. Os dados mostram que 30% das mães abriram mão do emprego após a chegada dos filhos, enquanto entre os pais o percentual é de apenas 7%. Quando decidem voltar ao mercado, apenas 8% das mães conseguem emprego em menos de seis meses e 31% levam mais de três anos ou não retornam.
Prorrogações
O benefício do afastamento de seis meses é oferecido por companhias que aderiram ao programa do governo federal criado em 2009, que oferece deduções fiscais às empresas aderentes. Em 2016, por meio da Lei n; 13.257/2016, o programa ampliou a licença-paternidade de cinco para 20 dias entre as firmas participantes. Marcelo Olivieri, diretor de uma empresa de recrutamento, afirma que, devido a esse programa, a adaptação das companhias a uma possível licença-maternidade de seis meses pode ser mais fácil, porque muitas já oferecem esse tempo. ;Muitas instituições praticam essa licença e inclusive investem nisso como fator de atração de profissionais do sexo feminino;, explica.
Várias tentativas
Atualmente, 101 projetos que alteram a licença-maternidade estão em tramitação: 14 no Senado e 87 na Câmara dos Deputados. A extensão da licença também é tema da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n; 1/2018, que aumenta para seis meses o afastamento remunerado de novas mães e para 20 dias o de pais. O documento está parado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, do Senado, aguardando designação de relator.
Oportunidade
Efeito colateral?
Apesar de ser extremamente positiva para o desenvolvimento do bebê, a licença-maternidade estendida pode gerar um efeito colateral indesejado: o risco de que as mulheres sejam ;punidas; pelo mercado de trabalho por engravidarem, já que isso geraria um custo para os empregadores. Assim, o medo é que as trabalhadoras passem a ter ainda mais dificuldade para conseguir emprego e avançar na carreira. A advogada Claudia Abdul Ahad Securato espera que a proposta cause resistência na hora da aplicação. ;É um projeto delicado porque a maior parte dos empregadores são formados por médias e pequenas empresas. E, se quatro meses são considerados difíceis, seis serão ainda mais. É um contrassenso, é algo que vem para ajudar a mulher, mas pode, sim, ser uma faca de dois gumes;, afirma a pós-graduada em direito do trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Para o diretor da empresa de recrutamento Trend Recruitment, Marcelo Olivieri, é só uma questão de mudança dentro das empresas. ;Se virar lei, não haverá como escapar. Será necessária uma adaptação natural. Muitas mulheres deixam de aceitar propostas quando a empresa é restritiva em relação a essas questões;, diz. Discriminação não é novidade para mães no mercado de trabalho, de acordo com Camila Jordão, psicóloga pós-graduada em gestalt-terapia pelo Instituto de Gestalt-Terapia de Brasília (IGTB). ;A partir do momento em que engravida, ela fica vulnerável, tem esse medo de voltar da licença e ser demitida. Então, faz-se necessária mudança de cultura e de valorização da mulher, é bem complexo;, explica. Elsa Giugliani, da SBP, ressalta que os ganhos serão muito maiores do que as eventuais perdas para as empresas.
;Cada um tem de dar a sua cota de sacrifício. Mas, com um olhar mais ampliado, o saldo será positivo porque a amamentação pelo tempo correto ajudará a formar uma criança mais saudável, e a mulher faltará menos por causa de doença do filho;, argumenta. ;Além disso, as mães ficarão mais contentes e isso influencia a produtividade;, ressalta. ;Elas poderiam voltar em quatro meses, mas não voltariam tão focadas. No fundo, é uma tendência, essa licença vai aumentar, seja por meio de lei, seja por as empresas tomarem a iniciativa e se adaptarem;, acrescenta Marcelo Olivieri. Mariana Lima, mãe de quatro filhos, tem medo, porém, de que a novidade possa prejudicar as mulheres. ;Sempre que vamos fazer entrevistas de emprego, as pessoas perguntam se temos marido e filhos, se pretendemos ter. Rola uma investigação, então tem um preconceito;, relata.
* Estagiária sob a supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa