Trabalho e Formacao

Professor: agente de aplicação da BNCC

A formação continuada é essencial para que os educadores brasileiros consigam implementar as mudanças propostas pela Base Nacional Comum Curricular nas salas de aula. Segundo especialistas, o documento é essencial para nortear a melhoria do sistema de ensino brasileiro, que definirá o futuro da mão de obra nacional

Thays Martins
postado em 20/05/2018 15:23

A formação dos professores e a BNCC

Escolas e governos (federal, distrital, estaduais e municipais) devem investir na capacitação continuada desses profissionais, ainda mais importantes neste momento de mudanças na educação.Sem isso, corre-se o risco de revoluções trazidas pela Base Nacional Comum Curricular ; fundamentais para aumentar o nível da mão de obra nacional ; ficarem apenas no papel

A educação básica brasileira passará por uma série de transformações nos próximos anos. Isso porque a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) promete mudar profundamente a educação básica. Nesse contexto, surge inquietação e preocupação com o principal ator, responsável por aplicar as mudanças nas salas de aula: o professor. Será que os educadores brasileiros estão preparados para o que vem por aí? Na visão de Jana Barros, coordenadora pedagógica das classes da rede pública da Educação de Jovens e Adultos (EJA) na Rede de Seabra, região da Chapada Diamantina (BA), a resposta, por enquanto, é não. Por isso, é necessário capacitar os docentes. ;Se não tiver formação continuada, a BNCC não se concretizará;, afirma a pedagoga e especialista em didática e currículo. Outros especialistas e interessados na área que participaram do ciclo de debates Gestão educacional: a formação de professores no contexto da BNCC, em São Paulo, têm visão semelhante.

O evento foi promovido pela Fundação Itaú Social e pelo Instituto Ayrton Senna na sede da Fecomércio (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), na capital paulista, em 8 de maio. Mais de 500 pessoas participaram da programação, todas em busca de respostas para as inquietações diante das novas orientações para a educação. Como preparar os professores é a principal dúvida apontada por Elena Ramos Bonfim, diretora do Instituto Dona Placidina, em Mogi das Cruzes (SP). ;São várias perguntas. Como implementar algo em um país tão grande? Como fazer isso de forma igualitária? Como prepararemos nossos professores? Esta é a hora de, todos juntos, analisarmos, estudarmos e acharmos um caminho;, diz. A essencialidade do professor para que as novas diretrizes da educação sejam bem implementadas foi a principal conclusão dos vários especialistas, brasileiros e internacionais, presentes no evento. Afinal, se quem está ensinando não sabe sobre o que está falando, como poderá transmitir de forma correta a seus estudantes?
Apesar de ser consenso entre estudiosos do assunto que os profissionais da educação básica precisarão passar por capacitações a fim de poderem colocar o que é previsto na BNCC em prática, ainda há muitas dúvidas sobre como as várias instâncias de governo, as escolas e outras organizações podem organizar essa atualização com eficiência. Jana Barros enfrenta, diariamente, o desafio de ser responsável por 42 professores de diferentes perfis, numa localidade que está começando a implementar as alterações da base para o ensino fundamental. ;Eu lido com profissionais em fase inicial e outros com anos de carreira. A pergunta é: como falar para pessoas tão distintas?;, questiona.

A resposta está no mapeamento das dificuldades individuais. Jana, que venceu, em 2013, a categoria Gestão do Prêmio Educador Nota 10, da Fundação Victor Civita (FVC), adverte: ;É extremamente complexo. Tem um monte de gente falando de educação sem se conectar com ela, sem ir a uma escola. Eu me incomodo em ouvir que os professores brasileiros são desinteressados por parte de quem não conhece a realidade;, diz. Realidade essa que, em muitos casos, a despeito da boa vontade dos docentes, tem muitas carências, em aspectos como infraestrutura. ;Temos de ter esforço coletivo;.

Apesar disso, ela pondera que as falhas não devem ser usadas como desculpas. ;É necessário falar sobre oportunidade, mas não é porque estamos na ausência de um espaço adequado que não dá para implementar;, afirma. Os obstáculos, inclusive, na rede coordenada por ela, são usados em prol do ensino: situações como a falta de equipamentos da escola são aproveitadas para ensinar aos estudantes sobre educação fiscal. Na visão dela, a BNCC exige acompanhamento para ser bem concretizada.

Elba Siqueira de Sá Barretto, pesquisadora de políticas públicas e pedagoga com mestrado e doutorado em sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), defende o investimento na formação de educadores, mas, para uma boa requalificação, é imprescindível que não se deixe o que já foi feito para trás. ;Temos experiências bem-sucedidas. Na primeira década do século 21, o governo investiu muito na preparação de professores da educação básica. Ampliaram-se os recursos disponíveis para formação continuada. Hoje estamos em uma época de vacas magras, o que dificulta;, lamenta. Contudo, a formação não pode parar.

Três perguntas para

A formação continuada é essencial para que os educadores brasileiros consigam implementar as mudanças propostas pela Base Nacional Comum Curricular nas salas de aula. Segundo especialistas, o documento é essencial para nortear a melhoria do sistema de ensino brasileiro, que definirá o futuro da mão de obra nacional

Jennifer Groff, engenheira educacional especializada em currículos do MIT Lab e integrante da Lumiar, metodologia de ensino baseada em competências socioemocionais. A técnica é aplicada em unidades na Holanda, no Reino Unido e no Brasil. As escolas atendem estudantes de 4 meses a 14 anos. Jeniffer esteve no Brasil para participar do congresso Bett Brasil Educar, em São Paulo, entre 8 e 11 de maio.

Qual a importância do ensino de competências socioemocionais nas escolas?
Disciplinas, como matemática e português, são muito importantes, mas também é essencial o ensino de valores, porque eles estão em todos os lugares. Criatividade e colaboração estão por trás de todos os tipos de trabalho e da vida.

Como os educadores podem se preparar para ensinar esse tipo de habilidade?
Os professores precisam de suporte e treinamento. Mais importante do que é isso: muitos educadores não conseguem ensinar essas habilidades porque a estrutura do currículo não permite, porque é muito baseada em testes. Têm muitos cursos que são de um dia, isso não é suficiente para eles mudarem a forma de ensinar.

Como eles podem aplicar essas competências em sala de aula?
Existem várias formas. É bem típico trabalhar com a resolução de problemas por um período. Pode ser 30 minutos, em que se apresenta uma situação a ser resolvida. Dessa forma, estimulam-se esses valores.*A estagiária, sob a supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa, viajou a convite da Fundação
Itaú Social

Nas salas de aula do DF

Para Thiago Silva, 33, professor das séries iniciais da Escola Classe 39 de Ceilândia, a falta de diálogo com os docentes durante a formulação da BNCC faz com que esse processo de implementação fique ainda mais complicado. ;Não houve ampla participação e, do jeito que ela está, em longo prazo, gerará regulamentação e controle, mas a base está aprovada e os professores precisam de formação;, afirma. Para o pedagogo com doutorado em currículos, o desafio será pegar o que está escrito e saber como aplicar. ;As condições precárias na maioria das escolas públicas, a má formação inicial de muitos docentes e a falta de conhecimento sobre o currículo dificultam muito;, diz. Algumas saídas seriam a elaboração de um plano de aplicação, formação continuada e o constante diálogo com os professores e entre as várias instâncias, secretarias de educação, regionais de ensino e escolas.
;Tem que dar um norte de como deve ser ensinado, porque o documento não trás isso;, critica. Professora de biologia no Colégio Marista, Gilmara Izabel Sousa de Paula, 39, confessa que tem várias dúvidas sobre como as mudanças ocorrerão na prática. ;A maior dificuldade é a integração da proposta porque agora o objetivo não é trabalhar por componentes, mas, sim por área de conhecimento. O desafio é tornar essas mudanças realidade;, conta. Com quase 20 anos de experiência em sala de aula, ela não tem clareza de sobre como será a aplicação da BNCC. ;Ela é necessária, porque são novos tempos e há novas necessidades, a educação precisa acompanhar. Porém, como está agora, deixa muitas dúvidas;, diz. ;Precisamos de um suporte. Qualquer atividade de qualificação é importante. Acho que o primeiro passo é que os professores saibam quais são as propostas, para se apropriarem disso. Tem de ter diálogos, reuniões e seminários;, sugere.

Na penúltima posição

Os dados são alarmantes: o Brasil ocupa a penúltima posição entre 40 países em qualidade de educação, de acordo com um ranking elaborado com dados da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). No Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa),que avalia 65 nações, os resultados também não são satisfatórios: os alunos brasileiros estão no 59; em ciências; no 58;, em matemática; e no 55;, em leitura.

Para mudar, é preciso melhorar a estrutura das escolas e o nível dos educadores. Até porque devem ser capazes de preparar os alunos para os desafios do século 21. As competências socioemocionais são previstas na BNCC, algo positivo na visão de Oliver John, professor de psicologia da Universidade da Califórnia, em Berkeley. ;Precisamos investir nessas habilidades, para isso, o professor é fundamental. Se os docentes tiverem essas aptidões, os alunos as desenvolverão muito mais;, destaca.

Exemplo que vem de fora

De acordo com Linda Darling-Hammond, professora emérita de educação da Universidade Stanford e presidente do Learning Policy Institute Charles E. Ducommun, reformas nos ensinos são prática atual em quase todos os lugares do mundo. Exemplos bem-sucedidos são países como Finlândia e Singapura, que apresentam resultados excelentes na educação. ;A razão para isso acontecer é: nossa sociedade está mudando e nenhuma comunidade pode sobreviver sem educação forte;, afirma. Ao passo que as tecnologias avançam, é preciso revolucionar também os currículos das escolas. Linda estudou os sistemas educacionais de vários países e acompanhou como eles fizeram esses ajustes. A partir dessa experiência, decreta: a forma como o professor ensina é decisiva no aprendizado do aluno. E isso tem tudo a ver com sentimentos. ;As emoções estão relacionadas. Se você recebe informações de forma positiva, é mais fácil assimilar. A missão dos professores e das escolas, agora, é ajudar indivíduos a se desenvolverem como seres humanos e a criarem suas identidades;, diz.

Para isso, é preciso dar liberdade para o professor moldar o currículo. ;Os estudantes aprendem de formas diferentes e existem várias formas de ensinar. As salas de aula precisam ser um lugar de diálogo, ninguém aprende só escutando;, explica. ;Muitos professores tiveram uma educação que não era assim, como ensinar de uma forma que você não aprendeu?;, questiona. É aí que entra em campo a importância da formação continuada. ;As escolas precisam dar suporte e incentivá-los, com salários justos, por exemplo.; O que outros países fizeram para ter bons resultados? Exemplos positivos são residências pedagógicas. ;A ideia é estimular a prática e o desenvolvimento profissional eficiente. Assim, parte-se de um profissional desconectado da sala de aula e termina-se com um focado no conteúdo, ativo, colaborativo, com oportunidade para feedback;, explica. O exemplo de Singapura foi apresentado por Chor Boon Goh, decano associado e gerente-geral da NIE Internacional, braço de consultoria oficial do Instituto Nacional de Educação de Singapura, responsável por formação de docentes no país. O modelo se traduz pelo investimento no educador. ;O professor, para a gente, é uma joia;, garante.
Isso mostra que não é só a distância física que separa o Brasil do país do Sudeste Asiático. Lá, esses profissionais recebem salários equivalentes aos de engenheiros, advogados e médicos por aqui. Anualmente, são beneficiados com um bônus por competência, que pode chegar a cinco vezes o salário. ;Nós conseguimos fazer esse investimento porque acreditamos que a educação é para o futuro, estamos focados no progresso;, diz. ;Falamos para quem quer dar aula: seu trabalho é de grande responsabilidade. O futuro do país depende do que você faz nas classes;, afirma. Por isso, o país despende grandes somas na área. De acordo com ele, mais de US$ 20 milhões por ano são destinados a pesquisas sobre educação. ;Temos um modelo de crescimento do professor, porque acreditamos que o aprendizado dele nunca termina.; A Finlândia, é outro país que segue esse ritmo.

Segundo a chefe do Centro de Inovação da Agência Nacional de Educação da Finlândia, Anneli Rautiainen, com a BNCC, o currículo brasileiro passa a se assemelhar ao do país dela. ;Quero parabenizá-los por essa reforma. Criação de um currículo é uma forma de transformação;, destaca. Ela explica, que no caso da nação nórdica, o principal foco é a formação do cidadão. ;Não se trata de uma disciplina, estamos falando de crescer como ser humano e, com certeza, é isso que vocês chamam de habilidades socioemocionais;, compara. Para capacitar os professores, investe-se em ações como mentorias e comunidades de aprendizagem, em que são discutidos em grupos as dificuldades e os acertos de todos. ;O professor tem de ser cada dia mais ativo. Mas não se pode copiar nenhum sistema do mundo, podemos só aprender com eles, pois cada um tem sua história;, enfatiza. Para Linda Darling-Hammond, mas do que a forma como será implementada a BNCC, é preciso priorizar o protagonismo do educador. ;Quando professores e alunos crescem juntos, a sociedade e a democracia se desenvolvem.;

Recomendações

Robert Langlady Lira Rosas, membro do grupo de trabalho de formação continuada do Consed

Para pensar em como preparar os docentes para aplicar a BNCC nas salas de aula do país, o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) formou um grupo de trabalho sobre a temática. Integrado por 27 técnicos de todas as unidades da Federação, a equipe produziu um documento com recomendações ao Ministério da Educação (MEC) e aos estados e municípios. O resultado é a sugestão, então, da criação ou fortalecimento de um setor específico nas secretarias de educação, responsável pelas políticas de formação continuada. Outras recomendações são constante diagnóstico de como está a rede de professores; a consideração da escola como o principal local de formação; a garantia da jornada do professor em uma única escola; e plano de carreira docente que estimule a formação continuada. De acordo com Robert Langlady Lira Rosas, do Consed, as recomendações a serem seguidas são importante passo para a implementação da BNCC. ;Observamos que as angústias entre os estados são muito semelhantes. Por mais inovadora que seja a política pública, se não passar pela formação continuada de professores, ela fracassará. O educador não é uma folha em branco, temos de saber quais lacunas eles têm e trabalhar a partir daí;, diz.
*A Estagiária, sob a supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa, viajou a convite da Fundação Itaú Social

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