Jornal Correio Braziliense

Trabalho e Formacao

Na labuta por mais tempo

Trabalhar cerca de sete décadas ao longo da vida pode ser realidade para as novas gerações. Empregadores e empregados precisam se preparar para um novo mercado de trabalho, em que pessoas mais novas e mais velhas terão de conviver em harmonia a fim de obter bons resultados

Geração Y deve trabalhar por 70 anos - ou mais!


A estimativa é de Sidnei Oliveira, consultor de carreiras especializado no assunto. O aumento da expectativa de vida, a perspectiva de uma reforma no sistema previdenciário e o fato de poucas pessoas juntarem dinheiro para a aposentadoria são alguns dos fatores responsáveis pela permanência dos jovens que ingressam no mercado atualmente por mais tempo na ativa

Sair da adolescência para encarar as responsabilidades da vida adulta é um desafio para jovens que estão iniciando a carreira. Não é raro se sentir perdido em meio a tantas obrigações e cobranças. O cenário pode parecer ainda mais desesperador quando se visualiza um futuro sem perspectivas seguras de quando se poderá parar de trabalhar. A geração Y, que atualmente tem de 23 a 37 anos, é apontada como o grupo que passará mais tempo no mercado de trabalho. Esses profissionais devem trabalhar, ao longo da vida, por 70 anos e estima-se que parte deles nunca se aposente. O cálculo é de Sidnei Oliveira, administrador e consultor de carreiras. Ele apresentou esse dado durante evento na Câmara Americana de Comércio (Amcham) e baseou a conclusão em fatores como o aumento da longevidade e a diminuição do número de filhos (a média por mulher passou de 3,45 na década de 1980 para 1,78 atualmente).
Em 30 anos, a expectativa de vida dos brasileiros se tornou oito anos e meio maior, passando de 65,8 anos, em 1985, para 74,4 anos, em 2015, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). ;Em 1990, as pessoas que chegavam aos 60 anos teriam mais uns cinco pela frente. Agora um indivíduo com a mesma idade tem mais uns 20 para viver;, compara Sidnei. Fundador da Escola de Mentores, ele acredita que essa média crescerá ainda mais. ;Vem aumentando sistematicamente. Se alguém de 50 anos hoje pode chegar a viver até em torno de 90, quanto tempo de vida um jovem de 20, que acaba de entrar no mercado de trabalho, deve considerar alcançar?;, questiona o publicitário, autor de livros como Cicatrizes ; os desafios de amadurecer no século 21. Avanços na saúde e na educação estão por trás das melhorias em qualidade e expectativa de vida e são uma tendência mundial.

Por isso, os países precisam e têm começado a repensar seus sistemas previdenciários ; o exemplo brasileiro é a proposta de reforma da previdência feita pelo governo de Michel Temer, que gerou polêmica e não saiu do papel. Segundo Sidnei, no futuro, a ideia de aposentadoria será um conceito diferente do que se conhece hoje, já que a probabilidade de a juventude atual viver ao menos 90 anos e trabalhar por no mínimo 70 é muito grande. Sidnei acredita que uma solução para tirar o melhor proveito das pessoas mais velhas no mercado de trabalho é torná-las mentoras de quem acaba de entrar na empresa. ;Daqui a uns cinco anos, mentoria será também uma nova forma de trabalho. Acho que esse cenário é muito positivo para o pessoal mais maduro e vai ocorrer justamente por causa desse aumento da expectativa de vida e da necessidade de continuar trabalhando por mais tempo;, afirma.

Contraponto

Rogério Nagamine, coordenador de Seguridade Social do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), não tem definições fechadas sobre a duração da geração Y no mercado de trabalho. ;Não necessariamente as pessoas passarão 70 anos no mercado. O que podemos afirmar é que a expectativa de vida está aumentando e, com esse crescimento, é natural esperar que se trabalhe até mais tarde;, comenta. ;Além disso, a permanência no mundo laboral depende das regras previdenciárias;, diz. De acordo com dados do IBGE, 30% da população brasileira será formada por pessoas com mais de 50 anos em 2028. O economista observa que a atual taxa brasileira de participação no mercado de trabalho aos 50 anos (cerca de 78%) começa a sofrer diminuição, já que, aos 54, esse percentual se encontra em torno de 70%, passando para 60% aos 60 anos.

Para aumentar esse índice (algo importante já que boa parte da mão de obra será formada por essa faixa etária), é necessária a implantação de políticas públicas de incentivo e mudança nas regras previdenciárias. ;As empresas precisarão se adaptar aos empregados de 50 e 60 anos. Será algo diferente porque, antes, o foco estava nos jovens. Investir em requalificação para essas pessoas e desenvolver uma cultura de aprendizado ao longo de toda a vida será importante;, propõe. ;A taxa de participação no mercado que, na faixa dos 40 anos, fica em 80%, cai para o patamar de 70% na faixa de 50 a 54 e de 60% na faixa de 55 a 59. Uma queda muito expressiva na faixa dos 50 anos;, justifica. O envelhecimento da população é realidade e, ante a um cenário em que poucos guardam dinheiro para usar na terceira idade, é certo que o os locais de trabalho terão mais empregados com perfil sênior.

Nagamine comenta ainda que a taxa de desemprego entre cinquentões é menor do que se imagina (cerca de 3,6%), percentual que pode ser ainda mais baixo com qualificação. ;Existe exagero em relação à questão das pessoas dessa idade no mercado de trabalho. Acredita-se que alguém de 50 anos não consegue encontrar emprego de jeito nenhum. Mas os dados demonstram que as taxas de desemprego nessa faixa são pequenas e, se o trabalho tiver ensino superior completo, o nível de desocupação é ainda mais baixo, algo em torno de 2,6%;, comenta. Além de maior escolaridade, faz-se necessária atualização constante. ;Será preciso fazer requalificações ao longo da vida;, pontua.

Adaptações necessárias

Será que os ambientes corporativos estão prontos para essas mudanças de faixa etária? Por enquanto, não. Então, é preciso começar a se preparar e a se adaptar. De acordo com Sidnei Oliveira, o mais comum, hoje em dia, é ver pessoas de 25 anos convivendo com outras na casa dos 40. Agora, quando for preciso conciliar jovens trabalhadores com outros bem mais experientes, lá pelos 70, 80 ou até 90 anos, problemas de convivência podem surgir. ;Como os mais antigos cometem menos erros concretos, a tendência das empresas é delegar os desafios mais relevantes a eles, e os menos importantes aos jovens. Só que, aí, os novatos não se sentirão desafiados e preferirão ir embora, enquanto os veteranos respirarão aliviados por permanecerem empregados fazendo de tudo para não sair;, observa. O consultor não vê a competitividade como algo negativo, desde que a rivalidade não seja predatória, a fim de que todos possam aprender uns com os outros. Para garantir que isso seja possível, entra em campo o papel mediador das empresas e dos líderes.

;A mentoria seria perfeita para conciliar os dois grupos;, ensina. Também deverá partir dos próprios trabalhadores uma atitude positiva e aberta para tirar o melhor de cada grupo etário. Uma boa notícia, na visão de Sidnei, é que não só os jovens têm demonstrado vontade de aprender. Um sinal disso é que no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2017, grande porta de acesso a cursos superiores, 28% dos inscritos tinham mais de 45 anos. ;Uma pessoa de 50 anos hoje tem, pelo menos, 40, 45 pela frente e percebe que se aposentar não é a solução. E para permanecer empregada, precisa se qualificar mais, estudar para continuar trabalhando;, diz. Afinal, num contexto em que muitos nem chegarão a se aposentar ou em que mesmo os que conseguirem aposentadoria devem continuar trabalhando, é importante se reinventar ao longo da jornada profissional, podendo assumir variadas carreiras e profissões.

Minha experiência

Preocupação com a produtividade
Luciangela Vasconcelos da Silva, 17 anos, estudante do 3; ano do ensino médio do Centro de Ensino 2 de Planaltina, ainda nem começou a trabalhar e não se mostra animada diante da perspectiva de permanecer no mercado de trabalho por muito tempo. ;Depois de vários anos, não serei mais tão produtiva. O cansaço e os problemas de saúde afetarão o meu desempenho;, prevê. Morando com os pais em Planaltina, a estudante sonha em se tornar médica. ;Estudo pra passar em medicina, sempre tive muita afinidade com exatas e biológicas e também sempre gostei muito de ajudar as pessoas.; Luciangela pretende começar a poupar dinheiro para a aposentadoria quando começar a trabalhar.*Estagiária sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa

;Morrerei trabalhando;
O morador de Águas Claras Clay Zeballos, 45 anos, é microempreendedor na área de tecnologia da informação (TI) e é contra qualquer tipo de reforma no sistema previdenciário brasileiro, mas admite que seria um mal necessário. Ele pondera que, se a expectativa de vida é maior, não será um problema tão grande trabalhar um pouco mais. ;Eu já não penso em me aposentar, não tenho a pretensão de ficar em casa parado;, conta. Clay não espera se aposentar pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) por nunca ter trabalhado de carteira assinada. ;Estou caminhando por conta própria, fiz a minha microempresa para poder contar com o amparo do Estado em quesitos como auxílio-doença;, comenta. ;No fundo, tenho certeza de que morrerei trabalhando;, afirma Clay, que trabalha informalmente desde os 12 anos.

;;Quero trabalhar até depois dos 70;;
Economista, mestre e doutorando em economia, Caio Assumpção, 31, não se preocupa em saber que poderá trabalhar ao longo de sete décadas. No mercado de trabalho desde os 24 anos, Caio sabe que o brasileiro médio tem alta expectativa de vida e interrompe a carreira muito cedo em comparação com o resto do mundo, por isso concorda que é preciso aumentar a idade mínima para a aposentadoria. ;Pretendo ter saúde para continuar trabalhando normalmente após 50, 60, 70 anos. Eu gosto da minha profissão e me divirto na minha atividade.Para mim, trabalho não é um problema;, diz o professor voluntário na UnB no período noturno e economista em uma organização privada do setor de transportes durante o dia. ;Atuo na minha área de formação e convivo com uma equipe muito qualificada, divertida e de bem com a vida, com quem aprendo muito diariamente. Tenho prazer no que faço, independência para tocar determinados projetos, desafios diários e constate realização, o que me deixa feliz.; Além de contribuir com o INSS, o morador da Asa Norte junta dinheiro para situações inesperadas. ;Sempre procuro poupar para imprevistos e também para ter um futuro mais seguro e confortável.;

Continua no batente
Arnaldo Bolinja Rodrigues, 69 anos, aposentado, começou a trabalhar aos 18 anos na zona rural, onde nasceu. Casado há 45 anos e pai de três filhos, mora em Vicente Pires e, apesar da aposentadoria, continua no mercado de trabalho. É funcionário de uma loja de bijuterias na Rodoviária do Plano Piloto. Para ficar muito tempo trabalhando, Arnado diz: ;Tem que ter uma alimentação bem saudável, sempre se movimentar. Se tiver disposição, corra, ande e trabalhe;. Ele disse que o motivo para continuar trabalhando depois da aposentadoria é a necessidade. ;A aposentadoria não dá para muita coisa.Se eu fosse um homem doente, não conseguiria comprar nem os medicamentos. E como sempre trabalhei acredito que tenho que continuar enquanto tiver disposição e saúde. O trabalho dignifica as pessoas;, disse. Ele também revela que nunca teve problemas de saúde decorrente do trabalho e conta que seu filho, que é médico, sempre verifica seus sinais vitais. ;Como ele trabalha durante o dia, temos nossas consultas à noite".

De olho na aposentadoria
Marcelo Robert,18 anos, trabalha há dois na lanchonete Mc Donalds do Conjunto Nacional. Aluno do 3; ano do Colégio da Policia Militar José de Alencar, Novo Gama, Marcelo vai fazer este ano o vestibular da Universidade de Brasília (UnB) para medicina. Além de estudar e trabalhar, o jovem poupa dinheiro no Tesouro Nacional. "Saber que irei trabalhar por muito tempo me desanima. Gostaria de aproveitar a aposentadoria, que é o descanso merecido depois de anos de trabalho duro".

Impacto na saúde
Leticia Francisca Santos Bezerra, 17, aluna do Ced 104 Recanto das Emas, conta que guarda dinheiro que sobra do salário do primeiro emprego, conquistado há seis meses. ;Guardo dinheiro em casa mesmo, no meu cofre;, relata. Filha de uma diarista que está atualmente desempregada, Leticia não concorda em ter que trabalhar por tanto tempo. ;A aposentadoria deveria ser antes e não mais tarde. Porque não sabemos se até lá (90 anos) estaremos vivos;. A jovem acredita que o trabalho já é pesado para pessoas na terceira idade. ;De pessoas idosas que já vi trabalhando, achei pesado para eles. Acredito que os idosos deveriam estar em casa descansando, porque mais tarde eles podem ter a saúde prejudicada;, comenta. Letícia também afirma que o sistema de saúde deve ser melhorado para que essa realidade seja possível tendo em vista as condições atuais. ;Acho que deveriam colocar mais médicos nos postos de saúde e nas Upas (Unidade de Pronto Atendimento).;

Pensando no futuro
Gabriel Oliveira, 19, acabou de ser efetivado na administração do shopping Conjunto Nacional. Passando por todos os estágios dentro da empresa, está feliz em ter seu trabalho reconhecido pela administração: ;Comecei como jovem aprendiz e, agora, fui efetivado aos 19 anos. Estou muito feliz em ser reconhecido;. Estudante de ciências contábeis na Faculdade Processus (708 Sul), ele conta que saiu da casa dos pais para morar sozinho em Taguantinga. "Acredito que depois que conseguimos nosso trabalho, o certo é caminhar com os próprios pés;, diz. Gabriel também poupa o que ganha para assegurar um futuro mais tranquilo. "Quero comprar meu carro, minha casa própria, guardo dinheiro pensando em meu futuro". Ele não concorda com a ideia de que jovens profissionais devam trabalhar por 70 anos ao longo da vida e que grande parte desse grupo nunca se aposente. "Trabalho excessivo é cansativo, 70 anos é muito tempo na ativa".

Dicas de adaptação

Bernadete Moreira Pessanha Cordeiro, mestre em Educação pela Universidade de Brasília (UnB), especialista em Linguagem e Educação pela Fundação Brasileira de Teatro, cursando doutorado e professora de gerontologia na Universidade Católica de Brasília (UCB), deixa essas dicas:

Para empregadores e chefes
; Adapte-se e oportunize a entrada e a permanência de idosos na empresa, já que em alguns anos isso será normal, e precisam se acostumar, com a nova forma de trabalho. Lembre-se de rever algumas questões, já que pessoas na terceira idade terão uma limitação diferente dos empregados que as empresas estão acostumadas a contratar.

; Encontrar novas formas de trabalho ou funções para as pessoas da terceira idade

; Auxiliar na convivência entre idosos e jovens

; Incentivar os veteranos a compartilhar experiências com os novatos

Para seniores
; Para manter a qualidade de vida, pratique atividades físicas e alimente-se equilibradamente.

; Saiba seus limites e faça o que gosta

; Aconselhar empregados idosos a checar a saúde periodicamente

Para juniores
; Mexa-se: estudos comprovam que há relação entre cognição e exercícios físicos; então, é importante investir nisso desde cedo para conseguir se manter em bom estado na maturidade.

; Pratique o autoconhecimento, descubra do que você gosta e identifique suas necessidades pessoais e no trabalho

; Cheque a saúde periodicamente, pelo menos uma vez ao ano

Palavra de especialista

Como fica a saúde mental?
;Com a população permanecendo mais tempo no mercado de trabalho, manter a mente sadia durante o período na ativa se torna uma preocupação. A identificação com o que faz é chave para isso. Trabalhar é saudável, mas estar em um emprego de que não gosta é ofensivo à saúde mental. Sei que parece algo trivial, no entanto, desempenhar atividade que dê prazer é essencial para o bem-estar da mente. Se o emprego não é do seu agrado, é possível procurar fazer algo que curta no tempo livre, mesmo que somente por 30 minutos. Isso é fundamental para manter o psicológico sadio. Outras ações que podem ajudar os empregados a manterem a saúde mental em perfeitas condições são aprender a lidar com incertezas e imprevistos, saber do que realmente gosta, organizar o tempo e priorizar tarefas. São atitudes que auxiliam bastante no bom funcionamento da mente no dia a dia evitando o adoecimento a longo e curto prazo.;

Felipe Germano, psicólogo, pesquisador e doutorando em ciências do comportamento