Trabalho e Formacao

40 dos 50 hospitais universitários federais estão sob gestão da Ebserh

Em sete anos, a empresa pública vinculada ao MEC conseguiu acordos com mais de 75% das unidades de saúde ligadas às instituições de ensino superior federais. No entanto, desde a criação da entidade, existe debate em torno de sua constitucionalidade

Felipe de Oliveira Moura*
postado em 08/07/2018 17:39

Kleber Morais, presidente da Ebserh

Em sete anos, a empresa pública vinculada ao MEC conseguiu acordos com mais de 75% das unidades de saúde ligadas às instituições de ensino superior federais. No entanto, desde a criação da entidade, existe debate em torno de sua constitucionalidade

O Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (HCU/UFU) se tornou, em maio, o 40; hospital universitário a assinar contrato com a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh). Sete anos após a criação da entidade, 80% dos hospitais universitários (HUs) federais fazem parte da rede. O Hospital Universitário de Brasília (HUB) firmou convênio com a empresa no fim de 2012. Embora seja recente se comparada à maioria dos hospitais pelos quais se tornou responsável, a Ebserh cresce a cada ano, assim como o número de unidades de saúde que desejam fazer parte de sua gestão. ;Por volta de 18 hospitais, entre eles privados, filantrópicos, municipais e estaduais não ligados ao ensino querem participar da Ebserh. Isso porque a rede mostrou capacidade de melhoria do serviço;, destaca o presidente da empresa, Kleber Morais. De acordo com a lei que deu origem à Ebserh, apenas hospitais ligados a instituições de ensino superior públicas federais podem firmar contrato com ela, sendo de decisão da universidade se filiar ou não.

;A partir da experiência de cada hospital, as práticas adotadas são consolidadas, compartilhadas e documentadas de modo a orientar os demais. Tivemos, também, força para fazer concursos ao longo desse período. Reduzimos para 3 mil o número de funcionários em condições precarizadas;, comemora Paulo Henrique Bezera, vice-presidente da instituição. Segundo Elza Ferreira, superintendente do HUB, desde o início da gestão da Ebserh, em janeiro de 2013, houve investimento em infraestrutura, equipamentos, formação e gestão. ;Salas de aulas, espaços pedagógicos e assistenciais foram qualificados. Temos um prédio novo de urgência e emergência, espaços adequados de consultórios;, acrescenta.

Ela acredita que a boa gestão dos recursos humanos foi fundamental, o que permitiu mais investimentos em edifícios e nos locais de prática para aprendizado. ;Ganhamos um laboratório de formação realista, com manequins capazes de reagir à dor, por exemplo. Sem a Ebserh, não conseguiríamos fazer isso, porque é muito caro;, sustenta. ;A nossa missão é formar gente, mas isso não pode estar desconectado da realidade. Temos um papel a cumprir na rede assistencial;, pontua a superintendente do HUB. Tanto que a unidade tem contrato de prestação de serviços com a Secretaria de Saúde (SES-DF) para ajudar a suprir carências que a rede pública tem dificuldade em resolver, priorizando a região leste (São Sebastião, Paranoá e Itapuã). Apesar disso, Elza faz uma ressalva. ;Não podemos assumir toda a demanda porque perderíamos nosso diferencial, que é um ensino mais reflexivo.; O presidente da Ebserh reafirma a função complementar dos hospitais universitários. ;Não podemos nos dar ao luxo, no Brasil, de os HUs não se preocuparem ; e muito ; com a saúde. A população tem no HU o esteio daquele hospital que é o melhor da rede pública.;

A paciente Alessandra Rodrigues, 31 anos, se sentiu bem cuidada no HUB. ;Os funcionários, desde a recepção até a maternidade, são educados, totalmente diferentes dos de outros hospitais públicos;, compara. Durante a gestação do filho, que nasceu no HUB, ela tentou fazer o pré-natal na unidade, mas não conseguiu a vaga. ;Nos dois últimos meses, fui encaminhada para cá porque tive plaquetopenia (baixo nível de plaquetas no sangue). Esperei um mês para ser chamada. Estou achando o quarto ótimo, e a maternidade é muito boa;, alegra-se.

A gestão Ebserh começou em 2013

Mudanças geram polêmica no HUB

A enfermeira Elaine Mota, 31, trabalha no HUB desde 2015, quando passou em seleção promovida pela Ebserh. Ela está satisfeita com as condições de trabalho. A enfermeira atuou no Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (HU/UFMA) durante a residência em neonatologia. Depois, na unidade ligada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), onde teve a oportunidade de acompanhar a transição para a gestão da Ebserh. ;Transportávamos recém-nascidos prematuros com muita frequência para fazer exames. Durante os 10 meses em que estive lá, vi a Ebserh começando a estruturar o hospital, contratando profissionais para fazer o exame à beira do leito;, afirma.

Há funcionários não ligados à Ebserh que se queixam de problemas. Segundo uma servidora do HUB que pediu para não ser identificada, há casos de assédio moral. ;Quem é servidor da Fundação Universidade de Brasília (FUB) sofre perseguição dos chefes da empresa.; Ela reclama ainda das desigualdades trabalhistas que os servidores sofrem se comparados aos empregados da Ebserh, regidos pela CLT. ;Nós estamos inseridos no mesmo ambiente e ganhamos menos;, critica.

A servidora acredita que a empresa ameaça a autonomia universitária. ;Tem uma visão de capital, lucro, resultado. Isso não é função de um hospital-escola;, reclama. Outra funcionária do HUB, que também não quis ter o nome publicado, vê apenas sucateamento depois que a gestão passou a ser feita pela Ebserh. ;No HUB, há paredes infiltradas perto do pronto-atendimento, o teto no saguão de entrada está acabado. O pior de tudo é a falta de insumos hospitalares básicos;, dispara. Na versão dela, não é incomum encontrar setores fechados e aparelhos quebrados.

Outro problema seria a diminuição do raio de atendimento do HUB. ;Fecharam a emergência para o atendimento geral. Só estão atendendo a população da região leste (São Sebastião, Paranoá e Itapoã). Antes, a gente atendia qualquer usuário. Depois da Ebserh, presenciei pessoas que morreram sem serem atendidas;, denuncia. ;Tem muito funcionário, mas fecharam parte do ambulatório e o setor de vacinas, alegando falta de pessoal;, diz.

;Acredito que os hospitais universitários foram sucateados para justificar o propósito de colocar uma empresa dentro deles;, acusa. A Coordenadoria de Comunicação Social da Ebserh rebate as acusações, afirmando que ;não visa o lucro;. Questionada sobre as acusações de assédio moral, a Ebserh destacou que ;preza, nos hospitais universitários federais, pelo respeito nas relações de trabalho entre todos os funcionários; e que tem ;uma ouvidoria no HUB para receber, apurar e atuar como mediadora de denúncias desse teor, incluindo anônimas;.

Com relação à estrutura física, a assessora da Ebserh alegou que não há infiltração no HUB no local apontado e que houve, na verdade, uma rachadura no gesso que cobre o teto, por excesso de chuva. Sobre a acusação de fechar setores, a entidade afirmou que não oferta mais o serviço de vacinação em razão de a atividade ser realizada pelos postos de saúde. A empresa alegou ainda que não houve fechamento de serviço nos três ambulatórios do HUB e que, na verdade, ;houve ampliação considerável da oferta de consultas nos últimos três anos;. Além disso, a gestão do HUB diz desconhecer mortes que teriam ocorrido na instituição por falta de atendimento. Segundo a assessoria, não houve registro desse relato junto aos canais de notificação da empresa.

Debate jurídico
A criação da Ebserh não foi unanimidade. Em 2013, o então procurador-geral da República, Roberto Gurgel, ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4895), junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), pois, segundo ele, a Lei n; 12.550/2011 ;violaria dispositivos constitucionais ao atribuir à Ebserh a prestação de um serviço público;. Atualmente a ADI está em tramitação no gabinete do relator da ação, o ministro Dias Toffoli, mas não tem previsão para ser levada ao plenário. Segundo Gurgel, a lei está em desacordo com a Constituição, que estabelece que a criação de uma empresa pública pode ser feita apenas por lei específica, cabendo a uma lei complementar definir as áreas de atuação.

Além disso, questiona a validade da contratação de servidores via Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) a partir de processo seletivo simplificado e de contratos temporários. Segundo o vice-presidente da Ebserh, ;todas as ações que questionaram a forma da empresa ou da própria lei que a criou acabaram derrubadas;. ;Em vez de nos preocuparmos tanto com a forma e com questões ideológicas, deveríamos focar o benefício que a população brasileira e os estudantes têm. Quem de fato precisa está sendo beneficiado por essa estrutura;, enfatiza.



Papel de gestão
Empresa pública vinculada ao Ministério da Educação (MEC), criada a partir da promulgação da Lei n; 12.550/2011, com o objetivo de recuperar os hospitais vinculados às universidades federais. O projeto começou em 2010, com o Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (Rehuf), criado pelo Decreto n; 7.082, que adotou medidas para alcançar a reformulação física e tecnológica dessas unidades.

E a crise orçamentária?

De acordo com o MEC e com a Ebserh, a crise orçamentária da UnB não afeta o HUB, que tem recursos vindos da SES-DF e do Rehuf. Com 253 leitos, o Hospital Universitário de Brasília é considerado de médio porte dentro da rede da empresa pública. Entre 2010 e 2017, a unidade recebeu cerca de R$ 235 milhões em investimento. No ano passado, foram feitos 1,7 milhão de procedimentos ambulatoriais, dos quais 1,2 milhão eram exames (em 2016, o número esteve em torno de 910 mil). Também foram feitas 250 mil consultas em 2017, contra 228 mil em 2016. Desde 2013, há 1.300 novos funcionários contratados. Atualmente, exitem 255 residentes médicos e multiprofissionais atuando no local.

Hospitais universitários nacionais

Ao todo, existem 50 hospitais de universidades federais no Brasil, dos quais 40 têm contrato com a empresa pública. Dos restantes, oito pertencem à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que decidiu não fazer parte da rede. O Hospital de Clínicas de Porto Alegre da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (HCPA/UFRGS) é empresa pública, portanto não pode ser administrado por outra. Já o Hospital Universitário da Universidade Federal de São Paulo (HU/Unifesp) faz atendimentos particulares, por isso, não pode fazer parte da rede. Confira abaixo os nomes de todos os hospitais universitários públicos federais do país:

Região Centro-Oeste
Hospital Universitário de Brasília da Universidade de Brasília (HUB/UnB)
; Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (HUMAP/UFMS)
; Hospital Universitário Julio Müller da Universidade Federal de Mato Grosso (HUJM/UFMT)
; Hospital Universitário da Universidade Federal da Grande Dourados (HU/UFGD)
; Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC/UFG)

Região Norte
; Hospital Universitário Getúlio Vargas da Universidade Federal do Amazonas (HUG/UFAM)
; Hospital de Doenças Tropicais da Universidade Federal do Tocantins (HDT/UFT)
; Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza da Universidade Federal do Pará (HUBFS/UFPA)
; Hospital Universitário João de
Barros Barreto (HUJBB/UFPA)

Região Nordeste
; Hospital Universitário da Universidade Federal do Piauí (HU/UFPI)
; Hospital Universitário Prof. Alberto Antunes da Universidade Federal de Alagoas (HUPAA/UFAL)
; Complexo Hospitalar Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia (HUPES/UFBA)
; Maternidade Climério de Oliveira (MCO/UFBA)
; Hospital Universitário Walter Cantídio da Universidade Federal do Ceará (HUWC/UFC)
; Maternidade Escola Assis Chateaubriand (MEAC/UFC)
; Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (HU/UFMA)
; Hospital Universitário Lauro Wanderley da Universidade Federal da Paraíba (HULW/UFPB)
; Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (HC/UFPE)
; Hospital Universitário da Universidade Federal do Vale do São Francisco (HU/Univasf)
; Hospital Universitário Ana Bezerra da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (HUAB/UFRN)
; Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL/UFRN)
; Maternidade Escola Januário Cicco (MEJC/UFRN)
; Hospital Universitário de Sergipe da Universidade Federal de Sergipe (HU/UFS)
; Hospital Universitário de Lagarto (HUL/UFS)
; Hospital Universitário Alcides Carneiro da Universidade Federal de Campina Grande (HUAC/UFCG)
; Hospital Universitário Júlio Bandeira da (HUJB/UFCG)

Região Sudeste
; Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes da Universidade Federal do Espírito Santo (HUCAM/Ufes)
; Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC/UFMG)
; Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (HC/UFT)
; Hospital Universitário Prof;. Dr. Horácio Carlos Panepucci da Universidade Federal de São Carlos (HU/UFSCar)
; Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (HU/UFJF)
; Hospital Universitário Gaffrée e Guinle da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (HUGG/Unirio)
; Hospital Universitário Antônio Pedro da Universidade Federal Fluminense (HUAP/UFF)
; Hospital de Clínicas de Uberlândia da Universidade Federal de Uberlândia (HC/UFU)
; Hospital São Paulo da Universidade Federal de São Paulo (HSP/Unifesp)*
; Oito hospitais ligados à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)*

Região Sul
; Hospital Universitário de Santa Maria da Universidade Federal de Santa Maria (HUSM/UFSM)
; Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas (HEUPel)
; Complexo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (CHC/UFPR)
; Maternidade Victor Ferreira do Amaral (MVFA/UFPR)
; Hospital Universitário Dr. Miguel Riet Corrêa Jr. da Universidade Federal do Rio Grande (HU/FURG)
; Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago da Universidade Federal de Santa Catarina (HU/UFSC)
; Hospital de Clínicas de Porto Alegre da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (HCPA/UFRGS)*



Posição sindical /Neide Dantas, coordenadora do Sindicato dos Trabalhadores nas Instituições Federais de Ensino (Sindifes)

;Somos contrários à Ebserh porque ela aprofundou os problemas dentro dos HUs. Fechou setores, como salas de blocos cirúrgicos e leitos, por falta de trabalhadores. Uma série de insumos está em falta, como luvas. Às vezes, os trabalhadores têm de levar de suas residências. A empresa causou um conflito enorme entre os dois regimes de trabalho (servidores públicos e CLT): os empregados da Ebserh ganham de 20% a 30% mais que os servidores, e isso cria problemas, pois são pessoas nas mesmas funções, fazendo os mesmos serviços. Classifico essa gestão como de terceirização. Todo trabalhador deveria ser contratado via concurso público, mas a Ebserh faz uma seleção pública. Enquanto os servidores passam por concursos disputando com 300 pessoas por vaga, na Ebserh, a concorrência é de 20 a 30. Com a chegada da empresa pública vinculada ao MEC, o tripé pesquisa, ensino e extensão da universidade foi prejudicado.;

Ebserh em números
40 hospitais universitários
8,5 mil leitos
R$ 7,4 bilhões investidos entre 2016 e 2017
7 mil residentes em formação
299.785 internações **
6.865.655 consultas **
390.603 cirurgias **
16.206.922 exames **

** De janeiro a novembro de 2017


*Estagiário sob a supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa

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