Trabalho e Formacao

Walter Orthmann trabalha há 80 anos numa fábrica

Senhor de 96 anos é recordista de tempo de trabalho em uma mesma empresa. Por causa do feito, foi homenageado pela Justiça do Trabalho

Thays Martins
postado em 19/08/2018 16:00
Gerente comercial de 96 anos de Santa Catarina entrou para o livro mundial dos recordes pelo feito. Na última semana, veio a Brasília para receber a mais alta honraria da Justiça do Trabalho por isso. No mesmo dia, voltou para casa. O motivo? Trabalhar no dia seguinte
Walter  Orthmann - Walter sorrir com uma medalha entregue pelo TST presa no bolso do terno. Ele é calvo, com cabelos brancos e usa óculos. Ao fundo há pessoas ao ar livre

Aos 96 anos e trabalhando há mais de oito décadas na mesma empresa, Walter Orthmann já recebeu diversas homenagens pelo longo tempo de serviço, inclusive entrou para o Guinness World Records, o livro mundial dos recordes, como a pessoa que atuou por mais tempo na mesma instituição. Esta semana, o catarinense de Brusque foi homenageado mais uma vez: recebeu a comenda da Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho (OMJT), do Tribunal Superior do Trabalho (TST), no Distrito Federal. A honraria é entregue a personalidades que se destacaram no mundo das profissões. Walter se emocionou ao ser aplaudido e ganhar a medalha das mãos do ministro Aloysio Corrêa da Veiga. ;Foi uma homenagem lindíssima. Chocou não só a mim, mas a todos. Valeu a pena vir para Brasília por isso. Não imaginava que seria tão bonito. Eu nunca vou esquecer;, diz. Simpático e bem-humorado, Walter garante que continuará a bater o próprio recorde. ;Enquanto eu tiver saúde, continuarei trabalhando;, diz.
Walter recebeu a comenda das mãos do ministro do TST Aloysio Corrêa da Veiga
A ministra do TST Kátia Magalhães Arruda destacou que a história de Walter deixa uma boa mensagem. ;No mundo do trabalho, tão precarizado, é incomum que um trabalhador passe tanto tempo ligado à mesma empresa. Foi emocionante ele, com 96 anos vir, para cá com tanto vigor;, afirma. ;Esta é a maior homenagem que a Justiça do Trabalho pode dar a uma pessoa. Foi muito bonito ele receber e eu acho até que ele foi o mais aplaudido;, completa. O catarinense de Brusque veio a Brasília acompanhado da esposa, Lúcia Helena Valle Orthmann. ;Eu me sinto felicíssima. Eu nunca poderia imaginar que ele um dia seria homenageado desta maneira. O Walter merece tudo isso porque sempre foi muito trabalhador, não tem preguiça. Todo dia, ele levanta, faz exercícios de alongamento, se arruma, toma café e vai trabalhar, a rotina é essa. Eu nem sei dizer como ele está se sentindo, mas parece que ele rejuvenesceu ao receber essa comenda;, comemora.
Kátia Magalhães Arruda, ministra do TST, considera o catarinense como um grande exemplo
Lúcia Helena Orthmann, esposa de Walter, se alegrou muito com a homenagem
"Enquanto eu tiver saúde, continuarei trabalhando;
Walter Orthmann, gerente comercial da RenauxView

Reconhecimento


Confira homenagem a Walter na página oficial do Guinness World Records: bit.ly/80anosnamesmaempresa. A postagem sobre a longa carreira dele recebeu comentários em inglês de pessoas de diferentes partes do mundo. Confira alguns:

; ;Impressionante! Seu trabalho não é mais um trabalho, mas um hobby, por causa da paixão! Meu pai me disse que você precisa ter paixão pelo que faz, e é por isso que ele ainda trabalha na mesma empresa há 69 anos.;

; ;Uau! Isso é muito tempo.;

; ;Parabéns por trabalhar 80 anos. Eu vou ficar feliz se puder viver 80 anos.;

; ;Essa é uma carreira notável.;

; ;Não há razão para letargia e indolência. Absolutamente ótima ética de trabalho. Meu herói!”

; ;No meu emprego tem um cara que trabalha há 75 anos. Vou dizer a ele para não desistir para ver se ele pode quebrar esse recorde.;

Um fim de tarde de celebração em Brasília

Walter Orthmann assiste a cerimônia no TST. Ele está sentando em uma cadeira e bate palmas. Está de terno, usa óculos e tem cabelos brancos. Ao fundo o sol se põe

Ao longo de oito décadas, Walter recebeu salário em nove diferentes moedas e se emocionou muito com a honraria, que é a maior que pode ser concedida pela Justiça do Trabalho
Walter Orthmann assiste a cerimônia no TST. Ele está sentando em uma cadeira. Está de terno, usa óculos e tem cabelos brancos.  Ao fundo há guardas presidenciais e o sol se põe
Nos jardins do TST, a partir das 17h da última terça-feira (14), Walter foi homenageado ao lado de outras 44 pessoas, incluindo ministros, personalidades, agentes públicos e instituições. Entre os agraciados estão a juíza Ana Luiza Fischer, que participou da comissão de redação da Reforma Trabalhista; os ministros da Justiça, Torquato Jardim, e dos Direitos Humanos, Gustavo Rocha; o embaixador da Itália no Brasil, Antonio Bernardini; a procuradora-geral da República, Raquel Dodge; a advogada-geral da União, Grace Mendonça; o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Raimundo Carreiro; o ministro Luiz Alberto Gurgel, do Superior Tribunal de Justiça (STJ); e o presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), o desembargador Romão Cícero de Oliveira.

O TST também homenageou duas instituições: o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) e a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais do Distrito Federal (Apae-DF). Estiveram presentes o presidente do TST, João Batista Brito Pereira, e todos os outros 24 ministros da Corte. A homenagem, que ocorre todos os anos desde 1970, é concedida a partir de indicações de ministros do TST. Agente de segurança judiciária do tribunal, André Cubas, 50 anos, acompanhou a cerimônia e se encantou com a história de Walter Orthmann. ;Nada mais justo ele ser homenageado. Ele demonstrou que o trabalho, acima de tudo, nos mantém vivos, nos dá expectativa de vida e gera entusiasmo. Trabalhar é continuar vivo;, destaca. ;É sempre muito bonito acompanhar esse prêmio. É uma homenagem para pessoas que contribuíram para a sociedade;, completa.
A homenagem, na área externa do prédio do TST, foi acompanhada por plateia de cerca de 400 pessoas
Walter Orthmann pousa ao lado do ministro Alexandre Ramos. Walter está de terno, é branco, calvo e usa óculos. O ministro está com uma veste oficial, é branco, tem cabelos castanhos e sorri.

O ministro Alexandre Ramos, do TST, foi quem indicou Walter para receber a Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho. ;É uma boa mensagem que ele passa para os trabalhadores, de que é possível ter prazer no trabalho. Não é só uma forma de sobrevivência, mas uma forma de desenvolver potencialidades e de integração social;, destaca o ministro. ;Além disso é uma homenagem a Santa Catarina, que é o meu estado;, acrescenta. Em maio, Walter já havia vindo a Brasília para receber o certificado de recordista mundial. Na ocasião, visitou o Senado Federal e conheceu o presidente Michel Temer. Essas foram apenas algumas das honrarias concedidas a Walter. As celebrações começaram há 10 anos, quando Walter completou o 70; aniversário de empresa. Walter foi homenageado na própria companhia, duas vezes na Câmara dos Vereadores de Brusque, na Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc) e na Assembleia Legislativa de Santa Catarina, e até na São Paulo Fashion Week.

"É uma boa mensagem que ele passa para os trabalhadores, de que é possível ter prazer no trabalho. Não é só uma forma de sobrevivência, mas uma forma de desenvolver potencialidades e de integração social;
Alexandre Ramos, ministro do TST

Uma história de perseverança

Walter, aos 16 anos, quando tinha acabado de entrar na fábrica

Natural de Brusque, cidade com 125 mil habitantes, o descendente de alemães Walter Orthmann começou a trabalhar, aos 15 anos, como office boy da empresa de tecelagem RenauxView, aberta oficialmente em 1925, mas com origens que datam de 1892. A carteira de trabalho dele foi assinada em 17 de janeiro de 1938. De lá para cá, a companhia teve 14 presidentes, e o recordista conheceu todos. ;Eu falava alemão muito bem, por isso consegui o emprego. Comecei a trabalhar com o fundador, e muitos dos diretores que vieram depois aprenderam sobre a empresa comigo;, conta ele, que estudou até a 7; série do ensino fundamental. Com tanto tempo de casa, foi promovido: passou a atuar como assistente administrativo e, depois, se tornou gerente comercial. ;Fazia todas as vendas da empresa e, durante 50 anos, viajei pelo Brasil inteiro;, lembra. No começo, os percursos eram feitos de ônibus; mais para frente, passaram a ser de avião ; motivo pelo qual ele andou em aeronaves de quase todas as companhias aéreas da história da aviação brasileira.
O gerente atua agora como uma espécie de consultor para a empresa
Atualmente, ele não viaja mais, mas continua a atuar como gerente comercial na sede da companhia, das 8h às 17h. ;Agora dou apoio aos gestores, e muitos clientes ainda querem ser atendidos por mim;, diz, com orgulho. Ao longo dos anos, Walter chegou a receber o salário em nove moedas diferentes, acompanhando a evolução monetária brasileira. Com 40 anos de serviço, ele foi obrigado a se aposentar, mas como queria continuar na firma, e a empresa gostava do serviço dele, voltou. O segredo para ainda ter pique para trabalhar, ele explica, envolve cuidados com o bem-estar e as relações sociais. ;Tenho a minha autonomia. Sempre pratiquei esportes e, mesmo hoje, faço 40 minutos de alongamento todos os dias. Tenho uma alimentação saudável, bebo dois litros de água diariamente, nunca fumei, não bebo refrigerante e evito sal e açúcar. Respeito todas as pessoas e tenho amizade com todo mundo;, comenta.
Walter e a esposa, Lúcia Helena, com parte da família catarinense
O presidente de Marketing da RenauxView, Roberto Sander, confirma a informação. ;Todo mundo aqui gosta dele. Ele abraça a todos, da faxineira ao presidente;, revela. Viúvo da primeira esposa, com quem teve cinco filhos, Walter se casou novamente aos 58 anos. A noiva era 30 anos mais nova: a licenciada em educação artística Lúcia Helena Valle Orthmann, 65 anos. Com ela, teve mais três filhos, um já falecido. No total, Walter tem oito netos e três bisnetos. ;Sempre dei força para ele continuar trabalhando. Se ele estiver com a cabeça boa, o resto a gente dá um jeito;, acrescenta Lúcia Helena, 65 anos. ;Minha família gosta que eu trabalhe, contanto que eu tenha saúde;, destaca Walter. ;O trabalho, além de prover o sustento da família, nos dá dignidade. Trabalhar é saúde. Enquanto você trabalha, não pensa em bobagens. Tem-se um compromisso. Lá, eu tenho amizades, parece uma família;, observa.

Uma década de intensas homenagens

Em maio, Walter foi recebido pelo presidente Michel Temer

;Eu o conheci em 2006; dois anos depois, ele completou 70 anos de trabalho. Eu vi que isso era inédito no Brasil e contactei o RankBrasil (que registra os recordes brasileiros);, lembra Roberto Sander, que trabalha na RenauxView. Desde então, foram muitas celebrações. ;Ele virou celebridade da noite para o dia e gostou de ser famoso;, lembra o colega. ;Quando chegou aos 78 anos, eu contei para ele que, se ele ficasse mais dois, ele seria recordista mundial. Ele respirou fundo, mudou a expressão e com o sotaque forte disse: então vamos lá;, conta Roberto. Walter agora é só alegria. ;Eu me sinto muito orgulhoso, foram muitas as homenagens;, comemora. ;Acho que esses pequenos desafios o motivam. Ele vive dizendo que não faz planos, que foca no aqui e agora. Mas ele se reinventa todos os dias. A ideia dele é acordar e se dispor para o dia;, completa Roberto. A proeza é tão grande que, agora, Walter também virou livro: Walter Orthmann ; um homem único, de autoria do escritor brusquense Saulo Adami, com edição de Roberto Sander.

O contrato de trabalho de 80 anos atrás continua valendo até hojeA biografia de 168 páginas será lançada em 26 de setembro. Para Roberto, o fato de Walter ter permanecido na empresa por todos esses anos é um reflexo de um investimento da indústria nos seus 650 funcionários. ;Esta é uma das primeiras empresas têxteis do estado. Nos anos 1960, a RenauxView já era considerada um dos melhores lugares para se atuar. Aqui é todo mundo muito próximo, todos chegam com bom humor;, afirma. Nas últimas cinco edições, a companhia ficou entre as melhores empresas para se trabalhar em Santa Catarina pelo instituto Great Place to Work (GPTW). Estar em uma cidade pacata também pode ser outro fator que contribuiu para o feito. Brusque é classificada como o lugar mais pacífico do Brasil pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Além disso, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da região é bastante alto quando se trata de educação e renda, e as pessoas que vivem lá têm a maior expectativa de vida do país. Seu Walter pode ser um símbolo para Brusque, e a cidade pode servir de exemplo para o resto do Brasil.

Leia!

Capa do livro  Walter  Orthmann: um homem único. Na capa está Walter olhando para a direita e o título do livro
Walter Orthmann ; um homem único
Autor: Saulo Adami
Edição: Roberto Sander
168 páginas
R$ 30

* Estagiária sob a supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa

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