Thays Martins
postado em 23/09/2018 15:26
Felicidade e trabalho são realmente conceitos que podem andar juntos? Há quem diga que não só é possível como deveria ser regra. O certo é que as novas gerações estão cada vez mais em busca de empregos que não sejam só financeiramente compensadores, mas que também tragam satisfação pessoal. De acordo com Guilherme Krauss, fundador da Humans at Work, consultoria de comportamento e felicidade no trabalho, a busca por bem-estar no emprego é uma tendência em alta. ;Isso se explica por uma questão cultural. Há uma dedicação extrema ao ofício, e a gente passa boa parte da vida no trabalho. Com isso, é natural que as pessoas procurem por isso;, explica.
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Mas que felicidade é essa? De acordo com pesquisa do Boston Consulting Group (grupo de consultoria empresarial), os brasileiros consideram reconhecimento profissional, aprendizado, desenvolvimento de carreira e equilíbrio entre vida pessoal e trabalho como os principais indicadores de realização no ambiente corporativo. As vantagens de ter colaboradores contentes são inúmeras, a começar pela promoção da saúde. Para Susanne Andrade, consultora de desenvolvimento humano e escritora, a insatisfação nos escritórios tem contribuído para o aumento de casos de doenças mentais. ;O mercado de trabalho tem muita pressão, muita competitividade, e receber um bom salário não é motivação suficiente, causando ansiedade.; Não à toa, só em 2016, ao menos 75,3 mil pessoas se afastaram das atividades laborais por depressão, de acordo com dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que, até 2020, essa doença será a mais incapacitante do mundo. Para além dos efeitos na vida pessoal, profissionais felizes nos empregos são bons para as empresas. Um estudo do Center for Positive Organizational Scholarship, da Universidade da Califórnia, mostrou que funcionários que se consideram felizes com o que fazem têm desempenho 27% superior, 125% menos esgotamento, 32% mais comprometimento com a organização e 46% mais satisfação com a atividade desempenhada. Por isso mesmo, de acordo com Guilherme Krauss, pós-graduado em psicologia organizacional, investir em felicidade só traz vantagens para as companhias.
Relação ganha ganha
;Gente feliz trabalha melhor. É fácil observar como dias em que estamos nos sentindo bem e outros em que não estamos influenciam nossa performance. No primeiro caso, há mais criatividade, produtividade e engajamento, e menos afastamento por estresse. Além da questão do papel social da empresa;, explica. ;No momento em que o trabalhador está mais feliz, ele tem mais motivação. Os ganhos são tanto para a empresa quanto para o profissional;, completa Susanne, sócia-diretora da A Consultoria e Desenvolvimento. A valorização dos profissionais equivale a benefícios para os contratantes, de acordo com Fernando Cosenza, vice-presidente de Sustentabilidade da Sodexo Benefícios e Incentivos. ;A gente acredita que a competitividade nas empresas depende das pessoas. As tecnologias estão disponíveis para qualquer um com capital, então, apesar de ter importância, ela é commodity. O que realmente pode diferenciar uma companhia da outra são os indivíduos;, destaca.
O Índice Sodexo de Qualidade de Vida, que monitora como está a satisfação dos funcionários com seus empregos, não teve resultado muito positivo no último semestre. Houve queda de 13% na comparação com o mesmo período do ano passado. ;A gente atribui isso aos eventos econômicos e à incerteza eleitoral. Teve também a greve dos caminhoneiros, que impactou muitas empresas;, explica Fernando Cosenza. De acordo com ele, qualidade de vida não é sinônimo de felicidade, mas é algo que caminha junto. ;Os países com os mais altos índices de felicidade não são os mais ricos, porque isso não necessariamente tem a ver com recursos. Já, para ter qualidade de vida, é necessário dinheiro, é preciso ter um bom ambiente físico, saúde e bem-estar;, enumera.
Apesar do resultado do primeiro semestre, ele explica que as medições têm mostrado que, de forma geral, os brasileiros não estão infelizes com as ocupações. ;Eu diria que há uma tendência a se sentir mais satisfeito do que insatisfeito com a qualidade do empregador;, ressalta. Mas poderia ser melhor. ;O sentimento de satisfação vai se desdobrar em engajamento, produtividade, eficiência e isso vai ser devolvido em resultados para a empresa. O dia em que o Brasil inteiro entender que o que faz um empreendimento dar certo ou não são as pessoas, teremos a produtividade que queremos. Hoje, um brasileiro vale por um terço de um chileno e meio argentino em questão de desempenho. Temos índices baixos porque as empresas investem pouco nas pessoas;, esclarece.
Por um ambiente agradável
;É papel das organizações criar um ambiente agradável para todos os funcionários. As companhias devem desenvolver ações para engajar os colaboradores;, destaca Susanne Andrade, mestre em psicologia analítica e pós-graduada em recursos humanos pela Fundação Getulio Vargas. Pensando no bem-estar dos colaboradores, há empresas investindo em satisfazê-los. Este é o exemplo da Urbs Imobiliária. Há um ano, a firma resolveu mudar algumas rotinas para diminuir o estresse. Agora, há atividades físicas duas vezes na semana ao ar livre e um dia para um lanche coletivo saudável. ;A gente vive em um ambiente muito estressante. O trabalho é muito tenso, por isso sentimos essa necessidade;, explica Ione Vicente, diretora operacional. Para Rosimeire Helena da Silva, 48 anos, funcionária da companhia há 27 anos, as mudanças foram superpositivas. ;Não são todos os lugares com essa preocupação com o bem-estar dos colaboradores. Com os exercícios físicos, eliminamos o estresse do dia a dia. Ficamos mais animados tanto para nossas atividades quanto para outros afazeres;, afirma.
Monitorar para agir
No fim, é como afirma o filósofo Mario Sergio Cortella no livro Por que fazemos o que fazemos?: ;A felicidade não é possível em lugar nenhum de maneira inteira, exclusiva, hegemônica. Agora que a empresa é um dos territórios nos quais construímos nossas condições de fruição das circunstâncias de felicidade, não tenho dúvida;. Para especialistas, se a empresa quer manter os funcionários felizes, o primeiro passo é mensurar como está o ambiente. Isso pode ser feito por meio de pesquisas. ;A primeira coisa é monitorar e medir. Depois, é necessário entender os dados, avaliar e agir;, explica Fernando Cosenza, vice-presidente de Sustentabilidade da Sodexo Benefícios e Incentivos. Um exemplo de como é possível fazer isso é o Indicador Nacional de Felicidade no Trabalho, método desenvolvido pela Humans at Work, consultoria de comportamento. Por meio das respostas dos empregados, analisa-se estatisticamente como está o ambiente da empresa.
De acordo com Guilherme Krauss, o indicador tem como principal objetivo mensurar e trazer informação para as empresas poderem desenvolver ações. ;O indicador serve para apontar onde agir. O que fazer depende da empresa;, destaca. ;O problema pode ser o escritório sujo, os móveis velhos, ou as pessoas estarem com muito calor ou muito frio porque o ar-condicionado não funciona bem... Pode ser simples assim;, explica Fernando. Outro exemplo é a o aplicativo Felizz. Ele pode ser usado para dar feedback e mostrar formas de premiar os funcionários. Segundo o fundador da startup, Gustavo Calheiros Marques Dias, medindo essa satisfação, é possível perceber onde está o problema. ;A pessoa entra na empresa como um balde vazio, e as gotas que caem ali vão se somando. Se o RH não trata a questão, o colaborador acaba se desmotivando;, destaca. Além disso, o aplicativo ajuda chefes a lembrarem de ações, como elogiar o subordinado.
Depende de você também!
Independentemente do esforço dos empregadores em promover um ambiente corporativo mais saudável, o caminho para garantir a satisfação no trabalho passa também pelo lado pessoal. Atividades desenvolvidas fora do ambiente corporativo podem ter reflexos dentro do emprego. ;Exercícios físicos, meditação, viajar, tudo isso ajuda. E é importante fortalecer a autoestima para você acreditar mais em si mesmo;, recomenda Susanne. ;De principal, é preciso se conhecer melhor. O primeiro passo é identificar qual o seu propósito e investir na inteligência emocional. Deve-se buscar uma empresa alinhada com o que você acredita;, explica Susanne, mestre em psicologia analítica. Por isso, para ela, é importante buscar fazer aquilo que dá prazer. ;Ao fazer algo que dê paixão, conquistamos nossa liberdade;, defende.
;Além disso, deve-se parar de fazer queixas e começar a olhar o que tem de bacana no trabalho e exercitar o agradecimento. Nosso cérebro não consegue ocupar gratidão e infelicidade junto. Se você chegar ao fim do dia e pensar em três coisas legais, a sua mente colocará para fora o que tem de tristeza;, afirma. Para encontrar satisfação laboral, Guilherme Krauss, pós-graduado em planejamento e gestão de negócios, também destaca a importância do autoconhecimento. ;A primeira coisa é entender o que é felicidade para si. Muita gente procura da maneira errada porque a condiciona ao sucesso.
Vou ser feliz quando ocupar determinado cargo, quando conseguir um salário X, quando abrir minha empresa. E isso é perigoso, pois é uma felicidade de destino e não de caminho;, explica. Isso porque, de acordo com ele, é natural que, depois de alcançar algum objetivo, apareça outro; então, essa tal felicidade nunca chegaria. ;O ideal é estar satisfeito com que eu tenho agora porque assim vou trabalhar melhor. Vou ser feliz e, com isso, atingir o sucesso. É diferente;, diz.
Chega de estresse
Hoje (23) é o Dia Mundial do Combate ao Estresse. Pesquisa da International Stress Management Association (organização internacional de pesquisa e prevenção de estresse do mundo) apontou o Brasil como o segundo país mais estressado do mundo. E a causa disso, para a maior parte dos entrevistados, é o trabalho. Uma boa notícia é que, de acordo com levantamento da Deloitte, empresa de serviços, a preocupação das empresas quanto ao bem-estar dos funcionários tem crescido: cerca de 92% dos participantes afirmaram que a atenção com essa questão é uma prioridade.
Leia!
Shinsetsu: o poder da gentileza
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O poder da simplicidade no mundo ágil
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Por que fazemos o que fazemos?
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Estou satisfeito com o que faço
Independentemente da profissão, é possível conseguir realização. Confira relatos de profissionais que alcançaram essa dádiva.
Jogos além da diversão
O produtor executivo da empresa desenvolvedora de jogos Glitch Factory, Matheus Queiroz, 23 anos, não poderia estar mais satisfeito com o emprego. Ele trabalha com gestão de projetos na empresa. ;É um ambiente extremamente acolhedor, colaborativo. Desenvolvo-me como pessoa e profissional. Para mim, o grande medidor de felicidade no trabalho é não ter o sentimento de fazer as coisas por obrigação, mas sim, por prazer e paixão;, explica. Matheus, que chegou a cursar 10 semestres de ciências ambientais na Universidade de Brasília (UnB), abandonou porque a área não o fazia feliz. Hoje, estuda gestão de marketing no Centro Universitário Iesb. Apaixonado pelo ramo, ele acabou por juntar a diversão com o ganha-pão.
;Os jogos, em si, sempre foram muito presentes na minha vida, desde pequeno. Em contato com amigos que trabalhavam com isso e vendo esse mercado em Brasília crescendo e ganhando muita força, logo decidi alinhar a paixão com a carreira;, lembra. Mas nem tudo é só diversão. ;Confesso que ;jogar; já não é tão divertido quanto na infância. Hoje, é impossível fazer isso sem pensar em aspectos ligados ao trabalho, mas acho que são ossos do ofício;, destaca. Apesar disso, ele garante valer a pena. ;Pensar em uma rotina ou empresa que não traga felicidade no contexto atual é passar muito tempo da vida realizando algo que o deixa infeliz, pesa e não contribui para seu bem-estar;, afirma.
Cozinha como paixão
Para a confeiteira Karla Sousa, o amor por receitas doces começou ainda na infância, mas ela não pensava nisso como emprego. ;Minha mãe sempre foi confeiteira, então, desde meus 3 anos de idade, ia a cursos com ela. Com uns 10 anos, me apaixonei pela cozinha, mas não queria isso como profissão. Queria fazer arquitetura;, lembra. Aos 17 anos, uma doença a impediu de realizar o sonho. ;Não pude fazer faculdade, passei a depender da minha mãe para tudo. Tive depressão e síndrome do pânico;, conta. Devido a isso, ela procurou algo que pudesse fazer de casa, encontrou o biscuit, um tipo de artesanato, mas ela não gostava. Um dia, recebeu encomendas de cupcakes junto com as lembrancinhas.
;Eu vi que era aquilo de que eu gostava. Aquela profissão tinha me escolhido e, estando feliz, passaria a felicidade para as outras pessoas;, afirma. Karla, então, foi se especializar e assim surgiu a loja comandada por ela, a Brigadeirando, que funciona há quase sete anos no Sudoeste. ;Para mim, é primordial ser feliz no trabalho. É claro, nem todo mundo consegue. Mas eu agradeço por fazer o que gosto. Hoje, entrar na cozinha é uma diversão e me mantém feliz;, conta. ;Quando fazemos o que gostamos, tendemos a fazer bemfeito;, completa.
Em busca de realização
Prestes a ingressarem no mercado de trabalho, jovens universitários fazem parte da geração Y, essa que valoriza cada vez mais a satisfação pessoal em detrimento de só ter um salário alto. Conheça um pouco do pensamento deles sobre a questão:
Bárbara Bezerra, 20 anos, estudante do 6; semestre de letras-espanhol na UnB
;Para mim, é fundamental ter felicidade no trabalho. Não adianta fazer um curso por mérito ou por popularidade e não ser feliz com aquilo que faz porque você não vai exercer bem. Faço letras e gosto; então, creio que vou ser uma boa profissional.;
Talles Bredo, 22 anos, estudante do 3; semestre de biblioteconomia na UnB
;Na minha área tem bastante vaga para concurso público, meu objetivo. Eu creio que vou ser muito feliz com isso, porque já estou contente aqui na graduação. Felicidade para mim seria trabalhar com o que eu gosto.;
Alana Ribeiro, 22 anos, estudante do 7; semestre de museologia na UnB
;Escolhi esse curso por ter afinidade com essa área. Eu gosto bastante. Sei que o mercado não é muito bom, mas conseguindo algo na área, serei muito feliz. Felicidade no trabalho seria você gostar do que faz, se sentir bem, não atuar só por obrigação.;
Samuel de Souza Fernandes, 20 anos, estudante do 3; semestre de computação na UnB
;Minha área é bastante difícil por ser estressante. Mas, se for assim e eu conseguir me manter, vale a pena. Acho que, para ser feliz no trabalho, é preciso ter um bom relacionamento com todo mundo.;
Fatores para felicidade no trabalho
Pesquisa feita pela consultoria The Boston Consulting Group mostra o que os funcionários valorizam:
Indicadores de felicidade no trabalho | Brasil | América Latina | Mundo |
Reconhecimento profissional | 1; | 3; | 1; |
Aprendizado e desenvolvimento de carreira | 2; | 1; | 6; |
Equilíbrio entre vida pessoal e trabalho | 3; | 2; | 3; |
Bom relacionamento com superiores | 4; | 9; | 4; |
Bom relacionamento com colegas | 5; | 10; | 12; |
Valores da empresa | 6; | 6; | 10; |
Estabilidade financeira da empresa | 7; | 4; | 5; |
Oportunidade para liderar e assumir responsabilidade | 8; | 5; | 11; |
Reputação do empregador | 9; | 13; | 14; |
Atividade profissional interessante | 10; | 12; | 9; |
As 10 mais
De acordo com a revista Forbes essas são as profissões mais felizes do mundo
1. Clero (pessoas que atuam na igreja)
2. Bombeiro
3.Fisioterapeuta
4. Escritor
5. Professor de educação especial
6. Professor
7. Artista plástico
8. Psicólogo
9. Corretor de serviços financeiros
*Estagiária sob a supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa