Thays Martins
postado em 14/10/2018 16:29
Ao passo que as habilidades socioemocionais são cada vez mais valorizadas no mercado de trabalho, ainda costumam ficar de lado no ambiente educacional. Agora, porém, o país está dando os primeiros passos para que esses atributos sejam cada vez mais desenvolvidos em colégios e faculdades. As instituições de ensino estão começando a entender que o lado emocional e comportamental dos estudantes é tão importante quando o conhecimento técnico ou científico. Isso ganha força com a inclusão das habilidades interpessoais na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que define parâmetros para a elaboração dos currículos da educação básica de todas as escolas brasileiras.
Representantes de colégios de diversas partes do país se reuniram para falar sobre isso durante o 2; Congresso Socioemocional LIV no Rio de Janeiro. Promovido pelo Laboratório de Inteligência de Vida (LIV), programa de habilidades interpessoais do grupo Eleva Educação, o evento reuniu cerca de 700 pessoas. A socióloga e formadora de professores Lourdes Atié participou do evento e destaca que o primeiro passo deve ser a mudança do ambiente escolar. ;Em uma escola descuidada, os professores também estão malcuidados. A gente se conforma com a desgraça e aceita qualquer coisa. Mas não é para aceitar, não;, afirma. Para ela, a BNCC traz a chance de transformar a educação como a conhecemos. ;A base não é currículo. O momento é de estudar o documento e ver o que é relevante para cada escola.;
O investimento nas habilidades socioemocionais, acredita Lourdes, será o diferencial dos colégios. ;Atualmente, os conteúdos técnicos estão todos disponíveis na internet. O que faz a gente ser importante são as conexões que geramos;, afirma. Até 2020, as escolas terão de implementar nos currículos as exigências da BNCC. Na prática, isso quer dizer que elas terão de estar preparadas para ensinar competências interpessoais. Em Brasília, o Colégio Alub criou, no ano passado, o programa de habilidades socioemocionais Escola da Inteligência. ;A disciplina é uma vez por semana para todas as séries do fundamental;, explica Learice Barreto Alencar, diretora pedagógica da rede.
De acordo com ela, a necessidade de olhar para a parte social e emocional do aluno é transparente. ;A questão do socioemocional acaba explodindo em sala de aula. Então, a escola é o lugar para resolver essas questões. Valores, aprende-se em casa, mas a prática é aqui. Quando não há um equilíbrio com o emocional, não há aprendizado;, destaca. A iniciativa é aprovada pelos alunos. ;Aprendemos com dinâmicas, como a de fazer um jogo de memória sobre bullying;, conta a aluna do 6; ano do ensino fundamental Emanuelly Luise da Costa, 11.
Usar as competências para o bem
Howard Gardner (foto), pesquisador de Universidade Harvard e autor da teoria das inteligências múltiplas, veio ao Brasil participar do 2; Congresso Socioemocional LIV. Ele foi o primeiro a defender que as pessoas não têm apenas uma forma de inteligência, mas várias: musical, lógica, linguística, espacial, corporal, interpessoal... ;A ideia é simples: nós não temos só um computador na nossa mente. Temos diversos. E não é porque um não funciona bem que os outros também não funcionam;, esclarece. Para desenvolver essas múltiplas inteligências, seria necessário investir no lado socioemocional. ;Você pode ter todo o currículo, mas a parte mais importante é como as pessoas se comportam.; Para investigar como ensinar isso, o pesquisador mantém o The Good Project (Projeto bom, em português).
;Você pode usar qualquer inteligência para o bem e para o mal. Se você entende o sentimento dos outros, pode usar isso para unir as pessoas ou para manipulá-las. Temos de pensar para que estamos desenvolvendo essas habilidades, a fim de formamos bons cidadãos, profissionais e pessoas;, explica. Com o objetivo de entender como seria isso, pesquisadores de Harvard fizeram 1.500 entrevistas com profissionais. ;Como as pessoas podem fazer um trabalho do bem em uma época em que tudo muda tão rápido? Entendemos que, para isso, é necessário que elas sejam excelentes tecnicamente, mas também engajadas, além de seguirem padrões éticos;, afirma. Saiba mais: thegoodproject.org.
No mundo corporativo
A SG ; Aprendizagem Corporativa, empresa de treinamentos, elencou dicas para que companhias ajudem a equipe a desenvolver competências socioemocinais
; Comunique a importância: esclareça o valor de trabalhar o desenvolvimento das competências socioemociais e os benefícios disso.
; Conheça o funcionário: mapeie o perfil comportamental da equipe.
; Incentive a prática: crie um ambiente que favoreça ações em grupo e que explore as habilidades que deseja ensinar.
; Mantenha a motivação: mostre que desenvolver habilidades emocionais traz benefícios pessoais e profissionais.
; Dê asas para os colaboradores: dê liberdade ao time, por exemplo, abrindo espaços para a apresentação de novas ideias.
; Monitore e analise os resultados: para obter mudança efetiva, é necessário mensurar. Então, defina metas de desempenho com base em comportamentos e as pontue. Não se esqueça de dar feedback constantemente.
Por mais tempo livre
Entre os palestrantes do 2; Congresso Socioemocional LIV estava Daniel Becker, pediatra e pesquisador do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele destacou que a formação do ser humano deve ser de responsabilidade dos pais e da escola, e esse processo começa bem cedo e com aspectos simples. ;Brincar é a essência da criança, mas, no Brasil, muitas delas estão privadas de seus direitos devido às desigualdades;, explica. Devido à violência, há um afastamento do espaço público e os pequenos estão cada vez mais só dentro de casa. ;Não temos mais garotada na rua. Meninos e meninas estão isoladas do meio ambiente, confinadas em quatro paredes e separados da imaginação.; A permanência em ambientes fechados acaba sendo realidade comum para crianças de todas as classes. Assim, a quantidade de tempo em frente a televisão, computador e dispositivos móveis é alta; enquanto o período gasto socializando diminui.
;Quanto mais tempo de tela, mais infelicidade. Quanto mais tempo ao ar livre mais felicidade;, defende Becker. ;Além disso, as escolas têm um conteudismo muito atrasado que não valoriza arte, educação física e outros tipos de saber tanto quanto outras disciplinas;, afirma. ;Que profissionais criaremos para o futuro? Eles terão sintomas resultantes do que estamos plantando. A gente está vivendo uma epidemia de doenças mentais, por exemplo;, diz. ;Acredito que a solução está no tempo e no espaço. Temos que tirar 10% do nosso tempo para a coisa mais sagrada que são nossos filhos e temos que investir em tudo que faz bem à saúde e ao meio ambiente;, recomenda. ;O desafio para as escolas é construir um currículo baseado no brincar e que valorize o recreio;, completa.
Leia
O brincar e a realidade
Autor: Donald
Winnicott
Editora: Imago
R$ 50
203 páginas
Estruturas da mente ; a teoria das inteligências múltiplas
Autor: Howard Gardner
Editora: Artmed
R$ 82
340 páginas
*Estagiária sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa